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ANTÔNIO PAIM E A SEXTA EDIÇÃO DA "HISTÓRIA DAS IDEIAS FILOSÓFICAS NO BRASIL"

ANTÔNIO PAIM E A SEXTA EDIÇÃO DA

Antônio Paim (1927-), o maior estudioso contemporâneo do Pensamento Brasileiro.

Comemoramos, hoje, o lançamento da sexta edição da obra de Antônio Paim (1927-), intitulada: História das Ideias Filosóficas no Brasil, que constitui um clássico do Pensamento Brasileiro. Destacarei, nesta apresentação, três pontos: 1 – o significado desta obra para a meditação brasileira, do ângulo metodológico; 2 - a amplitude com que o autor analisa a história das ideias filosóficas no Brasil; 3 – um roteiro para o Brasil encontrar o caminho do progresso e da liberdade.

Sinto-me honrado em participar desta solenidade, na modalidade virtual, em companhia do meu amigo e mestre Antônio Paim, com a presença do Professor Doutor João Carlos Espada, meu amigo de longa data, diretor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa em Lisboa, com a coordenação da professora Doutora Ivone Moreira, docente e pesquisadora da mesma Universidade, e com a presença do Doutor Antônio Roberto Batista, meu amigo, fundador e diretor da Editorial Távola, de Campinas.

1 – O significado da História das Ideias Filosóficas no Brasil de Antônio Paim, para a meditação brasileira, em relação à metodologia utilizada pelo autor.

Antônio Paim sistematizou e pôs em prática as etapas que Miguel Reale (1910-2006) tinha assinalado para a abordagem dos autores, evitando o extremo apologético, decorrente da seleção dos pensadores por afinidades temáticas, em face das posições doutrinárias do pesquisador.

Partindo da retomada da ideia de Nicolai Hartmann (1882-1950) da dimensão da Filosofia como problema, Miguel Reale pôs em prática a metodologia da busca da temática central da obra dos pensadores, nas pesquisas realizadas no Instituto Brasileiro de Filosofia, criado por ele em 1949. A respeito, frisa Paim: “A instituição buscou congregar os pensadores das mais diversas tendências, inaugurando uma prática não discriminatória (...) e criando o hábito da condução do debate filosófico no ambiente de integral serenidade. Ao antigo espírito polêmico, que alimenta como valor primordial a conquista da vitória no combate, sobrepôs-se o empenho de aprofundamento dos temas e problemas suscitados. A par disto, o professor Miguel Reale, presidente do Instituto, elaborou um método para o exame do pensamento brasileiro de comprovada eficácia. Consiste: 1 – em identificar o problema (ou os problemas) que tinha pela frente o pensador, prescindindo da busca de filiações a correntes; 2 – em abandonar o confronto de interpretações e, portanto, o cotejo das ideias do pensador estudado com outras possíveis, para eleger entre uma ou outra; e, 3 – em ocupar-se, preferentemente, da identificação de elos e derivações que permitam apreender as linhas de continuidade real da nossa meditação. Com semelhante espírito, alguns estudiosos conseguiram preencher lacunas, promover a reedição de textos e estabelecer novas hipóteses de trabalho” [PAIM, Antônio. O estudo do pensamento filosófico brasileiro. 2ª edição, São Paulo: Convívio, 1986, pp. XV-XVI].

Da aplicação dessa metodologia de pesquisa à evolução do pensamento brasileiro do século XIX, no que tange à meditação dos principais pensadores do período, chegou-se à conclusão de que a velha tendência do cientificismo, ensejada pelo ciclo pombalino, já tinha sofrido uma crítica fundamentada de parte de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846). Como frisei em ensaio publicado, em 1985, “Os temas da consciência e da liberdade ocuparam o foco do debate filosófico efetivado no Brasil ao longo do século XIX. A partir das bases firmadas pela meditação de Silvestre Pinheiro Ferreira, os pensadores ecléticos procuraram dar uma resposta de tipo espiritualista à problemática do homem (...). Os filósofos brasileiros deste período inspiraram-se no ecletismo espiritualista francês, formulado por Maine de Biran (1766-1824) e divulgado por Victor Cousin (1792-1867), que possibilitou superar o extremo sensualismo de Condillac (1715-1780). (...) O pensamento dos primeiros reveste-se da originalidade que tinham as circunstâncias históricas do Brasil no século XIX”. Ficou superada, nos nossos pensadores do ciclo eclético, a tendência do cientificismo pombalino, abrindo, destarte, uma perspectiva espiritualista para entender o homem brasileiro, com referência às temáticas da consciência e da liberdade [VÉLEZ Rodríguez, Ricardo. "La historia del pensamiento filosófico brasileño (siglos XVII a XIX): problemas y corrientes", Revista Interamericana de Bibliografia. Washington, OEA, vol. XXXV, 1985, pp. 279-288].

A respeito, frisa Antônio Paim: “Logrou-se estabelecer os vínculos de Tobias Barreto (1839-1889) com o momento do ecletismo e as dimensões efetivas que veio a assumir a corrente de filosofia por ele criada, o culturalismo, que ocupa posição destacada em nossa meditação contemporânea. Revelou-se, deste modo, a existência de uma corrente de filosofia (...) que corresponde ao amadurecimento de uma vertente que tem ainda raízes mais antigas. A densidade filosófica desse diálogo no tempo pode hoje ser comprovada sem maior dificuldade, graças à reedição dos textos nucleares e à reelaboração dos correspondentes estudos monográficos” [O Estudo do pensamento filosófico brasileiro, p. XVII]. Destaquemos que a corrente culturalista, fundada por Tobias Barreto e continuada por Miguel Reale, Antônio Paim, Luís Washington Vita (1921-1968), Djacir Menezes (1907-1996) e outros, completou já mais de cem anos de existência.

2 - A amplitude com que Antônio Paim analisa a história das ideias filosóficas no Brasil.

É de fato abrangente a análise de Antônio Paim, em face dos problemas levantados pelas várias correntes de pensamento, que foram se sedimentando na meditação brasileira desde o século XIX. Tendo adotado a perspectiva transcendental kantiana, que já tinha inspirado a meditação de Tobias Barreto nos primórdios da corrente culturalista, na Escola do Recife, o nosso pensador não se furtou a estudar os problemas colocados pelas várias correntes de pensamento, inclusive as tributárias da metafísica escolástica e do cientificismo de inspiração pombalina que, nos começos do século XX, inspirou a versão positivista do marxismo, sob a influência de Leônidas de Rezende (1889-1950).

A obra de Paim percorre, assim, todas as correntes filosóficas que foram aparecendo na nossa meditação, desde o ponto de partida, com o empirismo mitigado do ciclo pombalino (capítulo I), passando pelo ecletismo esclarecido e os primórdios do kantismo (capítulo II), pela filosofia católica no século XIX (capítulo III), pela emergência de novo ponto de vista na consideração da pessoa humana, no seio da Escola do Recife que, com Tobias Barreto, Sílvio Romero (1851-1914) e Arthur Orlando (1858-1916) se nutre do neokantismo (capítulo IV) e analisando a revivescência de novo surto cientificista nos ciclos positivista e marxista, fenômeno que se estende até os dias de hoje, com a versão positivista do marxismo (capítulo V). A fecunda jornada intelectual do nosso autor em História das ideias filosóficas no Brasil culmina com “a busca de uma subjetividade profunda”, ao ensejo do estudo detalhado de tendências que se formaram ao longo do século XX como o Neopositivismo, a Filosofia das Ciências, a Fenomenologia, o Existencialismo, a Filosofia Católica e a Escola Culturalista (capítulo VI).

3 – Um roteiro para o Brasil encontrar o caminho do progresso e da liberdade.

A obra intelectual de Antônio Paim não ficaria completa se não se fizesse referência ao seu aspecto doutrinário, no sentido conferido, na França, a este termo, para designar o trabalho de autores como Pierre-Paul Royer Collard (1763-1845) e François Guizot (1787-1874). Os “Doutrinários franceses”, como escrevia Ortega y Gasset (1883-1955), “foram o que de mais interessante ocorreu na Europa no século XIX”, no sentido de que não ficaram apenas na reflexão teórica acerca da liberdade, mas partiram, desassombrados, para construir as instituições que a garantissem. Essa condição, herdada por Alexis de Tocqueville (1805-1859) e que Raymond Aron (1905-1983) identificava como característica do “intelectual engajado”, está presente, também, na pesquisa de Antônio Paim: ele tem contribuído, para o aperfeiçoamento das instituições do governo representativo, como meio de garantir o exercício pleno da liberdade na vida política do País.

Nesse contexto, o nosso autor não se tem poupado de participar da vida político-partidária, com a sua atividade de assessoria e de consultoria. Fruto dessa ação é a sua obra intitulada: Momentos decisivos da história do Brasil, já na terceira edição [Antônio Roberto Batista, editor. Campinas: Távola Editorial, 2020]. No Prefácio à segunda edição da obra, ao registrar que a elite brasileira não conseguiu consolidar as instituições do governo representativo no final do século XIX, em que pese a exitosa experiência da “dupla representação” (dos interesses permanentes da Nação, no Poder Moderador” e dos interesses mudáveis dos cidadãos, no Parlamento, ao longo do Segundo Reinado), tendo sido reforçado, pelo contrário, o estatismo no ciclo republicano, com a consequente perda da oportunidade de que nos tornássemos uma nação rica.

A propósito desse desacerto, Paim frisa: “ (...) Levo em conta o fato de que, se tivéssemos seguido o caminho apontado pelo empreendimento açucareiro do século XVII, muito provavelmente continuaríamos superando os Estados Unidos como se dava naquela centúria, ao invés de nos deixarmos ultrapassar, cavando sucessivos distanciamentos daquela nação que nasceu junto conosco e [diante da qual] até então ocupávamos o lugar de vanguarda”.

Antônio Paim adiantava, nos seguintes termos, o ponto de chegada da sua reflexão, no mencionado Prefácio: “A conclusão do livro é a de que, nesse conjunto de desacertos, criamos uma estrutura destinada à preservação do status quo, o Estado Patrimonial, que se tem revelado imbatível. Seu último feito consistiu precisamente na cooptação do Partido dos Trabalhadores (PT), a organização que parecia destinada a minar seus fundamentos, notadamente no que respeita às relações do mundo do trabalho, onde o patrimonialismo havia estruturado sistema inamovível, com absurdos tais como a sustentação de sindicatos com base em impostos”.

“Ao contrário de corresponder àquela expectativa – continua Paim - , seria justamente o PT que empreenderia um passo que bem pode estar destinado a fechar-nos de vez [a porta para] a realização daquele que seria o nosso autêntico projeto nacional. Trata-se de que haja conseguido enterrar de vez o projeto de constituição da ALCA. Ao invés de estarmos integrados ao que seria o provável desfecho do atual ciclo de globalização – a criação de mercado constituído pela junção dos Estados Unidos com a União Européia -, ingressaremos num período de marginalização, cujas dimensões e consequências serão certamente funestas”.

O roteiro liberal consistiria na superação do Estado patrimonial, conforme apregoava Antônio Paim. Essa meta, no entanto, parece cada dia mais distante, em face dos desacertos do governo que chegou ao poder nas eleições de outubro de 2018, após o ciclo lulopetista. O candidato vencedor tinha apresentado, na campanha, uma proposta liberal-conservadora, a julgar pelo sucinto programa do seu partido, o PSL. Participei dessa proposta governamental como Ministro da Educação. Mas, após três meses de esforços em prol de desburocratizar o Ministério para colocá-lo, efetivamente, à serviço da sociedade, refreando os ímpetos cartoriais da gestão anterior, erradicando decididamente a corrupção e impulsionando reformas substanciais nos níveis do ensino fundamental, médio e superior, vi que a missão era, nesse momento, de impossível realização, em decorrência não apenas das forças alinhadas na esquerda raivosa, que fazia uma oposição irracional ao novo governo, como também, e principalmente, como consequência das pressões crescentes do núcleo tradicionalista radical que pretendia monopolizar os cargos na gestão do novo governo, à sombra do chefe do Estado. O Brasil, mais uma vez, perdeu a oportunidade de sair do patrimonialismo e passou a se alinhar com a política tradicional, de negociação de cargos no conhecido “Centrão”, reforçando os vícios do velho espírito familista e clientelista.

Com saudades da opção que o Brasil novamente abandonou, a das reformas liberais que fizessem arrefecer o mal de séculos, termino citando o meu amigo João Carlos Espada, que sintetizou, belamente, na sua obra: A tradição anglo-americana da liberdade [1ª edição, prefácio de Manuel Braga da Cruz, Lisboa: Princípia Editora, 2008, p. 213], o sentido íntimo da liberdade entendida do ângulo liberal, como “uma disposição para desfrutar e usufruir, um sentimento interior de felicidade, de celebração da vida e do privilégio de ser capaz de desfrutar um modo de vida próprio, que nos é familiar, que não foi imposto a partir do exterior (...)”.