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ARSENIO EDUARDO CORRÊA - AS DIFERENÇAS E AS SEMELHANÇAS ENTRE O PENSAMENTO LIBERAL E A SOCIAL-DEMOCRACIA

ARSENIO EDUARDO CORRÊA - AS DIFERENÇAS E AS SEMELHANÇAS ENTRE O PENSAMENTO LIBERAL E A SOCIAL-DEMOCRACIA

LEONARD TRELAWNY HOBHOUSE (1864-1929), ÍCONE DO LIBERALISMO SOCIAL INGLÊS

Relendo a História da Social-Democracia Alemã, do historiador francês de origem alemã Joseph Rovan (1918-2004) [Lisboa: Editora Perspectivas & Realidades, 1979], fui instado a fazer uma resenha desta obra, para, analisando o pensamento de Leonard Trelawny Hobhouse (1864-1929), estabelecer pontos comuns e divergentes.

Rovan nos proporciona uma visão ampla da história da social-democracia alemã. Segundo os itens contidos no índice da obra, o autor desenvolveu os seguintes pontos: 1 - Origens da Social-Democracia, 1848-1849. 2 - Anos de luta 1870-1890. 3 - O grande exército do proletariado, 1890-1906. 4 - Antes da Guerra de 1914. 5 - A social-democracia durante a Guerra de 1914-1918. 6 - A social-democracia sob a República de Weimar. 7 – O exílio e a resistência. 8 - Kurt Schumacher e o renascimento do SPD. 9 - O Partido órfão, 1952-1957. 10 - Do desaire de 1957 à Grande Coligação, 1966-1969. 11 - A Era Brandt, 1969-1974, I: A nova Ostpolitik. 12 - A Era-Brandt, 1969-1974, II: A política interna. 13 - A Era de Helmut Schmidt, 1974-1978. Conclusão.

Não pretendo aqui analizar, exaustivamente, a história narrada por Rovan, até porque mais produtiva será a leitura da obra. Entretanto, devo ressaltar que a história nos mostra pontos comuns entre aqueles que construíram a Social-Democracia e o pensamento dos Liberais ingleses do porte de Hobhouse.

Ao desenvolver o Capitulo I – Origens da Social Democracia (1848-1870), o autor diz textualmente: “A expressão Sozial-Demokrat surgiu na Alemanha durante a revolução burguesa de 1848-1849. Designava então democratas de esquerda, de origem operária ou intelectual, que juntavam aos objetivos políticos da revolução (constituição, liberdades, sufrágio universal e até república), objetivos sociais (melhoria da condição dos trabalhadores e mesmo a transformação global do sistema econômico).”. Em nota de rodapé o autor diz: “A expressão social-democrata conservaria uma forte conotação revolucionária e de luta de classes até às vésperas da Primeira Guerra Mundial. Reapareceria em 1863 como título do órgão da Associação Geral dos Trabalhadores Alemães (ADAV), fundada por Ferdinand Lassalle (1825-1864), e no nome do partido fundado em Eisenach, em 1869, pelos marxistas Bebel (1840-1913) e Liebknecht (1871-1919), em companhia de “rebeldes” lassallianos reunidos no SDAP (Sozial-Demokratische Arbeiterpartei). Este partido, aquando da fusão com o resto dos lassallianos, em Gotha, em 1875, denominar-se-ia Sozialistische Partei Deutschlandes, para readquirir, depois de 1890, o nome de social-democrata. A conotação reformista só se ligaria á expressão social-democrata depois da cisão comunista”. Esta cisão pública se dá em 1959, quando o Partido da Social-Democracia Alemã se tornou reformista e não revolucionário, como sempre pregaram os comunistas que pertenceram ao Partido.

A Questão Democrática prevaleceu dentro do pensamento Social-Democrata e isso aproxima-os dos Liberais. O Governo Representativo foi a forma desenvolvida, primeiramente na Inglaterra, que propiciou ser estabelecida uma convivência entre contrários sem fazer a guerra; foi ele que deu sustentação à Democracia.

Sendo uma forma de exercício do Poder, o Governo Representativo construiu um caminho em que os contrários se agrupam em Partidos Políticos e se enfrentam, sob regras pré-estabelecidas e resolvem os conflitos, mediante solução aprovada por maiorias eventuais. Quando Lassalle propõe que o caminho é a fundação do Partido Político e que a luta é por melhorias da classe trabalhadora, escolheu a democracia, independentemente de quaisquer outras avaliações. Quando Marx criticou o Programa de Gotha optou pela ditadura.

Marx e Engels preconizavam que a sociedade vivida em seu tempo no mundo civilizado era capitalista (sistema econômico), e que seria transformada de forma violenta (substituída) pela sociedade socialista. Essa conceituação mostra o grau de cientificismo da proposta comunista de Marx e Engels. Daí decorreu um problema teórico, ou seja, durante o período de transformação como se denominaria o estágio da sociedade, daí surgiu o Socialismo Cientifico e a Ditadura do Proletariado, que desembocariam na sociedade comunista.

Essa conceituação de socialismo cientifico embaralhou as cartas, como se dizia antigamente, pois os socialistas democráticos e os social-democratas foram incluídos no mesmo conjunto, o que não corresponde à verdade. O que nos ensina a história da Social-Democracia Alemã é que um longo caminho foi percorrido pelos democratas socialistas, que optaram pelo Governo Representativo até triunfarem, mostrando aos comunistas que Lassalle tinha razão.

O liberal Hobhouse, em seu livro Liberalismo, de 1911, nos ensina que o liberalismo agasalha a tese da questão social e foi um dos mais destacados defensores das teses trabalhistas do ponto de vista liberal. É preciso explicar que Lassalle e os Social-Democratas, defenderam uma sociedade mais igualitária, e o caminho de chegada ao poder seria o sufrágio universal. Os liberais também defendiam o sufrágio.

Em sua Obra Básica: Liberalismo, Hobhouse ocupa-se de mostrar que o Liberalismo antigo estava superado e que as alterações econômicas e da própria vida social devem levar sempre a novas avaliações das atitudes a serem tomadas. Tinha ele a visão que o valor “Liberdade” não era só uma reivindicação, mas uma necessidade social, baseando-se na personalidade humana, que ele considerava o centro da teoria liberal. Em seu desenvolvimento, fundamentou os seus pontos de vista.

A discussão estabelecida na Inglaterra das primeiras décadas do século XX, era se o Estado deveria intervir nos contratos feitos entre as pessoas, ou se deveria ter a função de garantir seu cumprimento. Enfim, dar à ordem e à propriedade prioridade sobre todas as demais coisas. Segundo o autor, a sociedade, através do Estado, só pode admitir que contratem sem interferencia aqueles que estejam em igualdade de condições para tal; esse não era o caso das crianças contratadas ou mesmo oferecidas pelos pais para trabalharem com o intuito de buscar sustento, nem mesmo que estas crianças pudessem trabalhar de dez a doze horas por dia.

As mulheres também não tinham condição de se igualarem com os patrões, seus contratantes; portanto, não poderiam exercer seu direito de cidadania. Os homens adultos, considerados como capazes para exercer seu direito de cidadania com independência, também não tinham condições de igualdade com seus patrões. Portanto, a intervenção do Estado, mediante legislação especifica de proteção aos trabalhadores com a limitação de idade, de horas de trabalho, de higiene e ainda de seguro de acidentes, e outras medidas de segurança, deveriam ser impostas por quem pudesse impor e fiscalizar. Esta instituição era o Estado.

Essa breve análise do pensamento de Hobhouse demonstra que os Liberais estabeleceram seu caminho no tratamento da questão social. O exemplo apresentado por Hobhouse era o da Inglaterra, pioneira no tratamento sistemático da causa trabalhista. Os Social-Democratas traçaram caminho diferente dos Liberais, pois primeiro se encantaram com o pensamento anarquista que propunha uma sociedade sem o Estado, depois caminharam para se encantarem com o pensamento marxista que propunha transformar a sociedade num verdadeiro Éden, mas foram realistas como são os liberais, ou seja, descobriram que a via democrática é insubstituível para a convivência dos contrários, chegando a uma maneira civilizada de se viver.