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CURSO DE CIÊNCIA POLÍTICA - Leitura 11ª - SOCIALISMO E SOCIAL-DEMOCRACIA

CURSO DE CIÊNCIA POLÍTICA - Leitura 11ª - SOCIALISMO E SOCIAL-DEMOCRACIA

EDUARD BERNSTEIN (1850-1932), FORMULADOR DA DOUTRINA DA SOCIAL-DEMOCRACIA, CONTRAPOSTA AO MARXISMO

Este texto foi redigido a partir do Curso de Ciência Política, publicado em 2002 pelo Instituto de Humanidades [cf. Paim, Prota, Vélez, 2002], e consta dos seguintes itens: 1 – Edward Bernstein e a atividade parlamentar. 2 – Segundo Bernstein, não pode haver socialismo científico. 3 – Repúdio à ideia de “ditadura do proletariado”. 4 – Bernstein e a evolução do capitalismo. 5 – A questão do revisionismo. 6 – Nascimento da Social-Democracia alemã, no Congresso de Bad Godsberg (1959).

1 – Eduard Bernstein (1850-1932) e a atividade parlamentar.

A principal contribuição de Eduard Bernstein consistiu em ter criticado, de forma clara, a hipótese revolucionária dos bolcheviques. Para ele, os trabalhadores ganhariam melhores condições de vida pela via das reformas, através da prática do sindicalismo responsável, aliada à sua participação na atividade parlamentar.

A par da atividade teórica, Bernstein foi deputado ao Parlamento Alemão, entre 1903 e 1928. Faleceu em 1932, aos 82 anos de idade. Para bem compreender o sentido da análise que o levou a condenar a pretensão marxista de associar o socialismo à chamada ditadura do proletariado, optando, francamente, pelo sistema democrático-representativo, passaremos em revista a linha de argumentação seguida por Bernstein na crítica ao marxismo.

As principais obras de Bernstein foram traduzidas ao espanhol, havendo, também, uma antologia em português, editada pela Zahar [Cf. Bernstein, 1997]. Seguiremos, aqui, a antologia preparada pelo conhecido estudioso espanhol do pensamento alemão, Joaquín Abellán (1947), catedrático de ciência política na Universidade Complutense de Madrid, na obra intitulada: Eduard Bernstein: Socialismo democrático [cf. Abellán, 1990].

2 – Segundo Bernstein, não pode haver socialismo científico.

No ensaio publicado em 1901 com o título de: É possível o socialismo científico? Bernstein afirma que não eram apenas Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895) os que acreditavam ser possível um “socialismo científico”. Muitas outras correntes afirmavam isso, inclusive os denominados “socialistas utópicos”: Saint-Simon (1760-1825), Fourier (1768-1830) e Owen (1771-1858), principalmente. Tal fenômeno decorria do clima de cientificismo que se instalou entre os intelectuais europeus ao longo do século XIX. Era necessário, pois, baixar a bola. Não seria necessário postular um “socialismo científico” para fazer a crítica ao capitalismo.

A propósito, escrevia Bernstein, no ensaio citado: "Toda experiência histórica e, também, muitos fenômenos do tempo presente, testemunham que o modo capitalista de produção é tão passageiro como qualquer outro modo de produção anterior. Mas o que aqui devemos elucidar é se o seu final será uma catástrofe, se se deve esperar que esta ocorra num futuro próximo e se conduzirá, necessariamente, ao socialismo. As respostas dadas a esta pergunta - ou perguntas – de parte dos socialistas, diferem não pouco entre si. Outras hipóteses que não mais se aceitam: a idéia da pauperização crescente da classe trabalhadora; a do paralelismo entre o desenvolvimento da indústria e da agricultura; da fusão da classe capitalista; do desaparecimento das diferenças entre as ocupações. Toda uma lista de teses que passavam por estar cientificamente demonstradas, e todas elas resultaram ser falsas; bem, não exageremos, e digamos que se revelaram verdades parciais”.

Não escapava deste descrédito, pensava Bernstein, a própria concepção materialista da história. Em que pese essa situação, no tocante à teoria, os partidos socialistas da época alcançavam êxitos expressivos, aglutinando ao redor das suas reivindicações cada vez mais sindicatos e organizações de operários. Mas o estudioso e ativista parlamentar não se enganava. Reconhecia que o que estava se apoderando dos representantes teóricos do socialismo, em lugar de segurança, eram a dúvida e a confusão. Nesse contexto, resultava absolutamente lógico que surgisse a pergunta acerca de se existia, verdadeiramente, um nexo intrínseco entre socialismo e ciência, de se era possível um socialismo científico ou, ainda, se ele era necessário.

No entendimento de Bernstein, o socialismo é um movimento em busca da associação cooperativa. O socialismo moderno é produto da luta de classes, existente na sociedade entre possuidores e despossuídos, entre burgueses e assalariados. A luta de classes é uma luta de interesses. E ainda que pressuponha um conhecimento bastante avançado da realidade social, trata-se de uma luta em que estão em jogo os interesses de uma classe ou de um partido e não umas quantas proposições teóricas. Objetiva-se a transformação da ordem social capitalista numa economia regulada coletivamente.

Bernstein explicitava que não se tratava de um defeito inerente ao socialismo, mas de uma limitação da própria ciência social. Confrontava a doutrina marxista com a daqueles socialistas que foram chamados de utópicos (Owen, Saint-Simon e Fourier) e mostra como, na verdade, não se distinguem, no tocante ao caráter do ideal acalentado.

3 - Repúdio à idéia de “ditadura do proletariado”.

Em seus estudos sobre a evolução da sociedade industrial capitalista, Bernstein destaca o fato de não se ter verificado, como imaginava Marx, a concentração do poder político em mãos da elite representativa do grande capital. A própria experiência do Partido Social Democrata Alemão vinha em reforço de sua tese. O PSD conquistou 1,4 milhão de votos, em 1890, e 4,2 milhões, em 1912. O número de cadeiras no Parlamento passou de 35, naquele primeiro ano, para 110, no último. Qualquer forma de desapreço à democracia parecia-lhe, portanto, uma brutal incoerência.

Para Bernstein era claro que a democratização progressiva das instituições políticas correspondia ao instrumento adequado à realização do programa da social democracia. Ainda mais: o socialismo somente podia realizar-se, de modo autêntico, nos marcos do sistema democrático-representativo. Bernstein repudiava a idéia da ditadura do proletariado como atavismo político, pertencente a um nível de civilização mais atrasado. A transição da sociedade capitalista à socialista não tinha por que fazer-se de forma revolucionária. Com antecipação de algumas décadas do que ocorreu na Rússia, Bernstein vaticinou que a ditadura do proletariado, onde a classe operária não dispõe todavia de organizações autônomas, de caráter reivindicativo muito fortes e não haja alcançado alto grau de autonomia espiritual, deverá consistir numa ditadura dos oradores de clubes ou dos literatos. A defesa expressa da ditadura do proletariado, por Lenine (1870-1924), explicitando ainda que seria exercida pelo partido, em nome do proletariado, e por um líder reconhecido, em nome do partido, levou a uma das ditaduras mais sanguinárias conhecidas pela história. De sorte que a veemência de Bernstein no combate a essa idéia acabou plenamente justificada.

4 – Bernstein e a evolução do capitalismo.

Bernstein acompanhou, permanentemente, o comportamento da economia capitalista. Em relação à grande indústria, registrou o fato de que sua escala de produção cresceu em proporções inusitadas. No caso da grande indústria alemã, adquiriu uma característica que inviabiliza a hipótese de estatizá-la: tornou-se mundial. Num dos escritos dedicados a esta análise pergunta: “Pode o Estado encarregar-se de empresas que se apresentam como competidores no mercado mundial, com seus produtos e possibilidades de exportação e que desenvolve todas as boas qualidades da competição moderna, em sua luta por vendas e encomendas? ” Grande parte do bem-estar social alcançado por contingentes cada vez mais expressivos da sociedade dependia, diretamente, dessas grandes indústrias, que empregavam verdadeiros exércitos de trabalhadores. Colocá-los sob controle social tornou-se uma questão extremamente complexa.

Bernstein deu continuidade aos estudos do jornalista e filósofo tcheco-austríaco Karl Kautsky (1854-1938) acerca da agricultura. Estatísticas posteriores à obra de Kautsky comprovavam a consolidação das economias pequenas e médias. “Na agricultura, escrevia Bernstein, tanto a empresa pequena como a média revelaram-se como mais eficazes e mais resistentes do que supunha a social democracia, anteriormente, sob a influência da teoria econômica marxista”. De suas análises retirou a convicção de que as vantagens das economias menores se tornavam patentes, mesmo na pecuária. Do curso concreto seguido pela economia capitalista resultou o aumento numérico da classe proprietária, embora as grandes fortunas tenham aumentado de forma extraordinária. A elevação geral dos padrões de vida tampouco excluía a massa trabalhadora. “Para a classe operária, a situação não está pior do que antes”, afirmava.

Bernstein ocupou-se, especialmente, com a medida das denominadas crises cíclicas. A sociedade tornou-se mais rica, surgindo fatores contrários à frequência e duração das crises. Entendia que não tinha desaparecido a insegurança entre os trabalhadores e o receio do desemprego. Como se vê, o propósito de Bernstein era fazer com que a atuação da social democracia fosse capaz de adequar-se, continuamente, à realidade, se quisesse corresponder à confiança crescente que tinha merecido de parte das camadas trabalhadoras. Lembremos que, em 1912, o Partido Social Democrata conquistara 4,2 milhões de votos, 35% do total [cf. Paim, 1997a].

5 - A questão do revisionismo.

O próprio Bernstein procurou explicar o sentido do seu revisionismo. Na verdade, sua obra constitui uma demonstração cabal de que as teses fundamentais do marxismo estavam erradas. Não há socialismo científico nem materialismo histórico. O socialismo é um ideal moral. Não haverá nenhuma crise catastrófica que fará desaparecer do mapa o capitalismo. O partido da classe trabalhadora deve empenhar-se por obter transformações que resultem na melhoria concreta das suas condições de vida e trabalho. Tampouco deve furtar-se a exercer o poder na sociedade industrial capitalista.

 O desdobramento natural desta crítica teria que ser o abandono expresso do marxismo, sobretudo porque a social democracia não sabia explicar que tivesse uma base teórica comum com os comunistas, que acabaram por se transformar nos seus principais inimigos. Bernstein aceitou a denominação de revisionista com que os bolcheviques tentaram desmoraliza-lo, lembrando que grande número de denominações consagradas na luta política tinham, originalmente, caráter pejorativo [cf. Paim, 1997b; Cardim, 1997].

6 – Nascimento da Social-Democracia alemã no Congresso de Bad Godsberg (1959).

Embora sob a República de Weimar (1919-1933) se haja aprofundado o rompimento entre os sociais democratas e os chamados marxistas ortodoxos (comunistas), o PSD não se decidia a consumar esse afastamento, que de certa forma o mantinha vinculado, pela comunidade de base teórica, àquela agremiação totalitária. Os anos trinta foram dramáticos, com a ascensão de Hitler (1889-1945) ao poder. A mudança definitiva da social democracia alemã ocorreu bastante tempo depois, em 1959, quando as lideranças do Partido Social-Democrático entenderam que era necessário romper, definitivamente, com o marxismo [cf. Paim, 1997b ; Vélez, 1997a].

 Para evitar cair na categoria de uma seita sem influência política, o Partido abandonou os modelos ideológicos históricos. Pelo fato de prever um Estado alemão melhor, a nova sigla preocupava-se por proporcionar, aos seus membros, os meios de conquista do poder político. Foi criada uma comissão de redação pela direção partidária, em maio de 1959, com a missão de elaborar um projeto de programa. Depois de todos estes preparativos, reuniu um congresso extraordinário de 13 a 15 de novembro de 1959 em Bad Godsberg (República Federal da Alemanha), que teve de se pronunciar sobre mais de 200 propostas de emenda. Na sua maioria, foram rejeitadas e o projeto resultante de tantos esforços convergentes foi adotado pela quase unanimidade: de entre 340 votantes, apenas se registraram 16 contra [cf. Cardim, 1997].

Pelo seu novo programa de Godsberg, o partido reconhecia o valor humano e social, pelo menos relativo, do sistema que fora edificado na República Federal, desde 1949, e renunciava a proclamar a necessidade de uma abolição total desse sistema, em nome da doutrina marxista. A nova base ideológica do partido apresentava-se de uma forma muito eclética e sem caráter autoritário, como um conjunto de referência à moral cristã, ao humanismo liberal, à filosofia idealista clássica e a um socialismo aberto. A resistência da velha esquerda, apegada ao marxismo e à idéia de luta de classes, estava enfraquecida pela longa série de derrotas eleitorais e pela aparição de fenômenos econômicos e sociológicos, cujas teorias centenárias não se adaptavam aos novos tempos [cf. Paim, 1997a; Cardim, 1997; Vélez, 1997a; Vélez, 1997b].

BIBLIOGRAFIA

ABELLÁN, Joaquín [1990]. Edward Bernstein. Socialismo democrático. Madrid: Tecnos, 1990.

BERNSTEIN, Eduard [1993]. The Preconditions of Socialism. (Edição preparada por Henry Tudor). Cambridge University Press.

BERNSTEIN, Eduard [1997]. Socialismo evolucionário. (Apresentação de Antônio Paim). Rio de Janeiro: Zahar / Brasília: Instituto Teotônio Vilela.

CARDIM, Carlos Henrique [1997]. Perspectivas da Social-Democracia. Rio de Janeiro: Editora da Universidade Gama Filho / Londrina: Instituto de Humanidades. Volume V do Curso sobre A Social Democracia, sob a coordenação de Carlos Henrique Cardim.

PAIM, Antônio [1997a]. Elaboração teórica que desembocou na Social-Democracia. Rio de Janeiro: Editora da Universidade Gama Filho / Londrina: Instituto de Humanidades. Volume II do Curso sobre A Social Democracia, sob a coordenação de Carlos Henrique Cardim.

PAIM, Antônio [1997b]. Formação e evolução dos principais Partidos Socialistas. Rio de Janeiro: Editora da Universidade Gama Filho / Londrina: Instituto de Humanidades. Volume III do Curso sobre a Social Democracia, sob a coordenação de Carlos Henrique Cardim.

PAIM, Antônio; PROTA, Leonardo; VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo [2002]. Curso de Ciência Política – Socialismo e Social-Democracia. Londrina: Instituto de Humanidades. [www.institutodehumanidades.com.br].

PAIM, Antônio [2019]. Marxismo e descendência. (Edição preparada por Antônio Roberto Batista). Ca,pinas: Editorial Távola.

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [1997a]. Avanços teóricos da Social Democracia. Rio de Janeiro: Editora da Universidade Gama Filho / Londrina: Instituto de Humanidades. Volume IV do Curso sobre Social Democracia, sob a coordenação de Carlos Henrique Cardim.

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [1997b]. Socialismo moral e socialismo doutrinário. Rio de Janeiro: Editora da Universidade Gama Filho / Londrina: Instituto de Humanidades. Volume I do Curso sobre a Social Democracia, sob a coordenação de Carlos Henrique Cardim.

WEBER, Max [2009]. La ciencia como profesión. (Tradução e notas de Joaquín Abellán). Madrid: Biblioteca Nueva.

QUESTÕES PARA RESPONDER: 

1 – (Escolha a opção válida). Identifique o autor da seguinte tese: “Os trabalhadores ganharão melhores condições de vida pelo caminho das reformas, através da prática do sindicalismo responsável, aliada à sua prática na atividade parlamentar”.

a) Eduard Bernstein.

b) Vladimir Illich Ulianov, Lenine.

c) Karl Kautsky.

2 – (Escolha a opção válida). O revisionismo de Eduard Bernstein consistia em:

a) Afirmar que o socialismo não tinha nenhum valor.

b) Afirmar que o socialismo era um ideal moral.

c) Afirmar que o socialismo era a única alternativa para o capitalismo.

3 – (Escolha a opção válida). Indique qual foi a providência tomada pelo Partido da Social-Democracia alemã no Congresso de Bad Godsberg (1959):

a) Adoção do receituário marxista-leninista tradicional, para implantar a ditadura do proletariado.

b) Adoção do conservadorismo pela prática das teses moderadas da Doutrina Social da Igreja Católica.

c) Ruptura com o marxismo para garantir aos socialdemocratas a conquista do poder pelo voto.

GABARITO:

1-a; 2-b;3-c.