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CURSO DE INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO - 2ª Aula: "O Poder Moderador e as origens ideológicas da Propaganda Republicana".

O Curso de Introdução ao Pensamento Político Brasileiro continua hoje com a segunda aula, que levará os alunos à discussão sobre O Poder Moderador e as origens ideológicas da Propaganda Republicana. Esses dois temas ocuparam a maior parte do pensamento político brasileiro do século XIX e neles encontramos muitas das motivações que inspiraram o desenrolar da nossa história, através da República Velha, até os nossos dias. É, por isso, da maior importância a compreensão correta dos dois blocos da aula de hoje, sendo aconselhável a leitura dos textos da bibliografia recomendada. Os textos de hoje são dos professores Antônio Paim e Ricardo Vélez Rodríguez, do Instituto de Humanidades. A exposição será dividida em duas grandes partes: I – O Poder Moderador (a cargo de Antônio Paim); II – As origens ideológicas da Propaganda Republicana (da lavra de Ricardo Vélez Rodríguez).

I – O Poder Moderador.

Esta primeira parte da nossa aula de hoje constará dos seguintes itens: 1- As instituições imperiais; 2 – A justificativa conservadora; 3 – A justificativa liberal; 4 – A Geração de Setenta; 5 – A atualidade da questão.

1 – As instituições imperiais.

À geração que fez a Independência competia criar as instituições do sistema representativo, matéria na qual não dispunha da menor experiência. Os dois primeiros decênios da nova situação foram extremamente dramáticos devido, sobretudo, ao fato de que a elite fracionou-se nas mais variadas opiniões. A Constituição de 1824 optou pela manutenção do arcabouço institucional herdado da monarquia absoluta, nele enxertando mecanismos atenuadores de seu poder, até então ilimitado. Com a abdicação de D. Pedro I, a elite parece inclinar-se, francamente, por uma experiência republicana. Outro não é o sentido do dispositivo do Ato Adicional votado votado em 1834, no qual se determina a eleição do Regente. A experiência não seria bem-sucedida. Tiveram prosseguimento as desordens e insurreições nas províncias. O governante mais forte do período, o Regente Diogo Antônio Feijó (1784-1843), renunciou ao mandato.

Não amadurecera suficientemente a compreensão de que a questão nuclear consistia em organizar a representação, reconhecendo a diversidade e a legitimidade dos interesses e zelando para que fossem criados obstáculos a que determinado interesse tivesse condições de sobrepor-se aos demais.

Na fase de regência anterior à eleição de Feijó, estiveram no poder os moderados, então denominados chimangos. A oposição fracionou-se em dois grupos: os exaltados (radicais, federalistas extremados, promotores da Revolução Farroupilha e de outros levantes provinciais) e os caramurus (restauradores, que sonhavam com a volta de D. Pedro I). Com o falecimento do antigo monarca, em 1834, desaparece a razão de ser do Partido Caramuru. Nesse ano é votado o Ato Adicional e os exaltados, em parte vitoriosos, voltam-se para o processo eleitoral. Com a eleição de Feijó constituiu-se o Partido Progressista, que daria origem ao Partido Liberal.

A oposição a Feijó denominou-se, inicialmente, de regressista. Seus elementos, granjeando o apoio de antigos caramurus e outros descontentes, dariam origem ao Partido Conservador. Ambos eram, sobretudo, blocos parlamentares, a exemplo das agremiações políticas então existentes em outros países. Além disso, predominaram os elementos moderados, tanto entre conservadores como entre liberais.

Entre outras coisas, a questão do Poder Moderador faculta compreender o tipo de divergência que separava liberais e conservadores.

Tudo leva a crer que Pedro I somente aceitaria texto constitucional que lhe outorgasse prerrogativas aptas a assegurar a sua supremacia sobre a Assembleia. A ideia de dar-lhe a denominação de Poder Moderador e a forma de que se revestiu a Constituição de 1824 parecem ter surgido na Constituinte, quando da discussão do Regimento.

 A ideia parece ter, desde logo, agradado a Pedro I, que nela terá visto uma fórmula para preservar os seus poderes, ainda que a monarquia se revestisse de forma constitucional. No texto da Constituição de 1824, promulgada após a dissolução da Assembleia Constituinte, adotou-se esta fórmula: “Os poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil são quatro: O Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial”. As funções do Poder Moderador acham-se enunciadas como segue:

“Artigo 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e é delegado privativamente ao Imperador, como chefe supremo da nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência e harmonia dos mais poderes políticos. Artigo 99. A pessoa do Imperador é inviolável e sagrada. Ele não está sujeito a responsabilidade alguma. Artigo 100. Os seus títulos são: Imperador constitucional e defensor perpétuo do Brasil, e tem o tratamento de majestade imperial. Artigo 101. O Imperador exerce o Poder Moderador: 1 – nomeando os senadores, na forma do Artigo 43; 2 – convocando a Assembleia Geral extraordinariamente nos intervalos das sessões, quando assim o pede o bem do Império; 3 – sancionando os decretos e resoluções da Assembleia Geral para que tenham força de lei; 4 – aprovando e suspendendo interinamente as resoluções dos Conselhos Provinciais; 5 – prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos em que o exigir a salvação do Estado, convocando imediatamente outra, que a substitua; 6 – nomeando e demitindo livremente os ministros de Estado; 7 – suspendendo os magistrados, nos casos do artigo 15; 8 – perdoando e moderando as penas impostas aos réus condenados por sentença; 9 – concedendo a anistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade e o bem do Estado”.

O tema polarizou as atenções na década de trinta. Parte da elite inclinava-se, então, pelo regime republicano. Vigorou, entretanto, uma solução de compromisso, que consistia no fortalecimento do poder central em mãos de uma autoridade selecionada entre os políticos, sem entretanto abolir a monarquia. Essa situação manteve-se até o Regresso, quando prevalece a opção pelo regime monárquico.

Nas décadas de quarenta e cinquenta não é atribuída maior relevância ao tema. A eleição de 1869 iria suscitar, de forma inteiramente nova, a questão do Poder Moderador. A exigência do referendo dos atos do Poder Moderador acabaria sendo a bandeira dos liberais nas três últimas décadas do Império. A discussão travar-se-á entre a fundamentação conservadora e a fundamentação liberal.

A ideia do Poder Moderador parece haver adquirido o máximo de prestígio nos anos sessenta. A sua identificação com o poder pessoal e arbitrário, que emergira em decorrência do resultado eleitoral de 1860, passa a segundo plano. O início da curva descendente pode ser encontrado na queda do Gabinete Zacarias, em 1868, precipitando o Partido Liberal na oposição por longos anos e facilitando a união de forças, que acabaram desaguando na ideia republicana.

2 – A justificativa conservadora.

O ecletismo espiritualista corresponde à principal corrente de filosofia estruturada no País, após a Independência. Essa filosofia familiarizou a elite imperial com algumas teses que a habituaram à flexibilidade mental, despertando a sua capacidade criativa. As duas mais importantes obras publicadas no período acerca das instituições – os livros de José Antônio Pimenta Bueno (1803-1878) e de Paulino José Soares (1807-1866), o Visconde de Uruguai – obedecem à inspiração eclética. A argumentação de Paulino José Soares em defesa do Poder Moderador consiste em invocar o papel que desempenha em benefício da harmonia do sistema. A experiência aconselharia que não se constituíssem poderes exclusivos, nem do lado da representação, nem do lado da monarquia. O Poder Moderador correspondia ao fiador do equilíbrio.

Segundo o Visconde de Uruguai, “as atribuições do Poder Moderador são essenciais em qualquer organização política. Não podem deixar de existir nela, em maior ou menor grau, mais ou menos extensas ou restritivas, distribuídas pelos diferentes poderes, ou reunidas em um”.

É sem dúvida neste sentido que diz Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) que o direito de manter o que existe pertence, necessariamente, ao Poder Real e o constitui autoridade neutra e preservadora; e que o direito de propor o estabelecimento do que ainda não existe pertence ao Poder Ministerial, ao Executivo. É o poder do movimento.

O tradicionalismo político não chegou a adquirir maior expressão no Império Brasileiro, ao contrário de Portugal, onde correspondia ao núcleo fundamental do agrupamento conservador. Mais tarde, o tradicionalismo político português vinculou-se abertamente ao miguelismo e encontrou seu grande teórico em José da Gama e Castro (1795-1873), que vivera no Rio de Janeiro, onde publicou sua obra fundamental – O Novo Príncipe (1841).

Os tradicionalistas brasileiros adaptaram-se ao sistema monárquico constitucional instaurado no País, sobretudo pelo fato de que este preservara a aliança com a Igreja, ao contrário do que ocorreria em Portugal. Limitavam-se a contrapor-se ao racionalismo em geral e ao ecletismo em particular. O artífice dessa linha de atuação seria D. Romualdo Seixas (1787-1860), Primaz do Brasil desde fins dos anos vinte, sendo Pernambuco um dos poucos lugares onde os tradicionalistas tinham grande ascendência sobre a intelectualidade. Sua defesa do Poder Moderador cifra-se na doutrina da necessidade imperativa da existência de um poder supremo, colocado acima de todos os outros, ao qual não se recusa a chamar de absoluto.

O texto de Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) intitulado: Do Poder Moderador: ensaio de direito constitucional evidencia o quanto a sua linha de argumentação se distancia da fundamentação eclética, antes apresentada: “Na verdade – frisa o autor - qualquer que seja a forma de governo – monárquico, aristocrático, democrático ou misto – é sempre absolutamente necessário, segundo a observação das mais elevadas inteligências, que haja ali um poder supremo, a cujas decisões todos sejam submissos, um poder ‘absoluto’ que julgue em última instância, e que por ninguém possa ser julgado”.

3 – A justificativa liberal.

No seio do sistema representativo, por toda parte onde surgiu, apareceram duas grandes facções, geralmente denominadas de conservadoras e liberais. A denominação deste último tipo não significa que encarne, preferentemente, o ponto de vista do sistema representativo. Na verdade, tanto conservadores, como liberais encontram-se nos marcos do liberalismo, isto é, daquela corrente de pensamento político que se bateu pela adoção de uma Constituição e pela eliminação do poder absoluto do Monarca. No Brasil, a grande divisão que se estabeleceu logo seria entre radicais e moderados. O processo de constituição dos partidos políticos compreende o isolamento dos radicais. Os moderados é que se fracionariam em conservadores e liberais.

O liberalismo pretendia o fracionamento do poder do monarca, em nome da diversidade de interesses vigentes na sociedade, partindo da comprovação histórica de que a nobreza ou o funcionalismo burocrático não os representava. Semelhante conceituação aparece, no País, desde os primórdios da discussão da ideia liberal, em especial na obra de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846).

O liberalismo radical partia de consideração diversa. Animava-o a convicção de que os tempos modernos conduziriam os povos à sociedade racional. A educação faria de todos os homens seres morais. O obstáculo a semelhante propósito era a monarquia. Desse esquema simplista resultaria a tese de que os pontos de vista divergentes não podiam coexistir no mesmo território. Se o Rio de Janeiro preferia o ponto de vista monárquico, as províncias deveriam separar-se. Assim, em nome do liberalismo, chegava-se a uma proposta de fracionamento do País. A ideia da Confederação do Equador e da República Farroupilha ameaçava fortemente a unidade nacional. E em nome desta é que a elite moderada conseguiu isolar o liberalismo radical.

A descentralização administrativa, em vista da vastidão do território, era reconhecida como imperativa, do mesmo modo que a mais adequada distribuição das receitas provenientes de impostos. Em nome de tais princípios, em torno dos quais ia se formando o consenso, aparece a proposta de se constituir a “monarquia federativa”. O ato votado em 1834 facultaria uma autêntica experiência republicana, sem entretanto revogar a estrutura institucional inserida na Carta de 1824. O fracasso da experiência com o Regente Feijó, corresponderia a um golpe no liberalismo radical. Deste modo, nos três primeiros lustros subsequentes à Independência, emerge o centro liberal, equidistante dos que sonhavam com um monarca forte, como daqueles que aspiravam à abolição da monarquia.

Os elementos moderados, afinal vitoriosos, é que se fracionariam em liberais e conservadores. A prática governamental, nas décadas de 40 e 50, acabaria virtualmente confundindo-os, a ponto de dizer-se “que nada há mais parecido a um conservador do que um liberal no poder”. Essa circunstância deveu-se, em grande medida, à chamada política de conciliação, subsequente ao Regresso. Paulatinamente, entretanto, nas décadas restantes do Segundo Reinado, ao liberais elaboram plataforma distinta dos conservadores. Uma das principais diferenças radicava na conceituação do Poder Moderador. A interpretação liberal emergiria nos começos da década de sessenta, quando intervenções do Imperador, no cumprimento de atribuições do Poder Moderador, são identificadas com o arbítrio do poder pessoal.

4 – A Geração de Setenta.

Nos começos da década de 70, o País foi varrido pelo que se convencionou denominar de “surto de ideias novas”. Sílvio Romero (1851-1914) definiu-o desta forma: “De repente, por um movimento subterrâneo, que vinha de longe, a instabilidade de todas as coisas se mostrou e o sofisma do Império apareceu em toda a sua nudez. A Guerra do Paraguai estava a mostrar, a todas as vistas, os imensos defeitos da nossa organização militar e o acanhado de nossos progressos sociais, desvendando, repugnantemente, a chaga da escravidão; tudo se põe em discussão: o aparelho sofístico das eleições, o sistema de arrocho das instituições policiais e da magistratura e inúmeros problemas econômicos”.

 O ponto de referência do novo ciclo parece ter sido a crise governamental de 1868, quando os liberais são afastados do poder e o Imperador constitui um gabinete conservador, ao arrepio da maioria parlamentar. Nesse quadro, o tema do Poder Moderador servia apenas de pretexto para a crítica demolidora da monarquia. Expressa-o Tobias Barreto (1839-1889) ao escrever, no auge daquele clima, não descobrir naquele tema “o que seja capaz de interessar aos espíritos que, uma vez adquirido o senso das grandes coisas, recusam pagar tributo às frivolidades do dia”. O propósito do pensador sergipano é muito mais o de propagar as novas ideias do que, efetivamente, proceder à avaliação crítica da obra de autores brasileiros dedicados ao assunto. Contudo, é essencial considerá-la, porquanto a falta de perspicácia, que revela, (para compreender as razões profundas pelas quais exigiu a sociedade um poder colocado acima das instituições do sistema representativo), teria curso, ao longo do período republicano, determinando que a instância moderadora acabasse sendo improvisada no bojo das crises.

A argumentação de Tobias Barreto desdobra-se em dois segmentos. No primeiro, afirma que o governo parlamentar é uma criação inglesa resultante do desenvolvimento histórico daquela nação, estando fadadas ao fracasso as tentativas brasileiras de copiá-lo, porquanto não se podem reproduzir aqui as condições que lhe deram origem. O segundo segmento da argumentação resume-se à crença de que a ciência pode desvendar a “lei” do curso histórico brasileiro. Essa crença não se sustentaria na sua obra posterior. Para fazer justiça a Tobias Barreto cumpre indicar que, mesmo na fase cientificista, jamais desceu a qualquer espécie de materialismo.

Tobias Barreto distingue governo parlamentar de constitucionalismo. Para ele, o governo parlamentar inglês é a expressão exterior de algo profundamente arraigado em tradições. Afirmaria a propósito: “O regime parlamentar dos ingleses é um regime segundo as leis e por meio das leis. O que nos apraz designar pelo nome de constitucional, ali é simplesmente legal. As leis, por que se regula o exercício da autoridade pública, têm adquirido uma extensão crescente desde o tempo da Magna Carta (1215). O direito administrativo inglês, baseado em inúmeros estatutos do Parlamento e milhares de leis, forma a parte desconhecida da Constituição do Estado. O que mais importava conhecer da organização política, foi justamente aquilo que se deixou de lado. Como os próprios juristas nacionais, que têm a procurar nos papéis do Parlamento, em número de mais de dois mil infólios, a matéria e os motivos das leis vigentes, não poderiam acomodá-los à compreensão do estrangeiro, só restava, para seguir-se, este alvedrio: - considerar não existente a porção desconhecida do direito público inglês. Daí resultou que todos os trabalhos de cultura e transplantação se concentraram no que havia de mais superficial. Destarte, a composição das duas câmaras, o direito eleitoral ativo e passivo, os modos de eleição, os direitos do Parlamento, sua influência sobre o gabinete (...) eis o que tem ocupado, desde os tempos de Montesquieu (1689-1755), a sociedade europeia”.

Em seu ensaio Tobias Barreto examina, de forma pormenorizada, as características peculiares da evolução cultural e política da Inglaterra. Os acréscimos de 1883 tiveram, mais que tudo, este propósito. Em síntese, a sua conclusão é a seguinte: ”De feito, admitidas as premissas, nem eu concluiria que tudo deve ser confiado à bondade do rei, nem também, como é fácil inferir, que a Constituição se ressente de vícios e lacunas capitais. Minha conclusão seria outra. O Governo do Brasil não pode ser parlamentar, à maneira que oferece a terra dos Pitt e dos Palmerston; porquanto esse regime supõe ali uma penetração recíproca do Estado e da sociedade, que em geral, nos outros países vivem divorciados. O Governo do Brasil não pode ser tal, atento [ao fato de que] que o sistema inglês é resultado de um germe poderoso, deposto pela Providência, isto é, pela mesma índole do povo, no largo ventre de sua história”.

5 – A atualidade da questão.

No esquema imaginado por Locke no Segundo Tratado do Governo Civil (1690), os poderes do sistema representativo seriam o legislativo, o executivo e o federativo. Parecia-lhe que o legislativo não precisaria dispor de existência permanente, cabendo-lhe reunir-se periodicamente para elaborar as leis. O executivo é que funcionaria ininterruptamente. Sem embargo, proclama que o legislativo é o poder supremo, cabendo ao executivo tão-somente cumprir seus ditames. O poder federativo ocupar-se-ia da segurança externa e das relações com outros países.

A experiência do meio século de funcionamento do Parlamento inglês seria resumida por Montesquieu, quando então se populariza a doutrina dos três poderes. Ao transplantar-se o sistema inglês para outros países – sobretudo de tradição católica – tornou-se imprescindível explicitar algo que se achava implícito na experiência social da Inglaterra: a existência, na sociedade, de uma esfera que não está sujeita à barganha ou à disputa político-partidária. Quando se criou, na Inglaterra, o sistema representativo, supunha-se que todas as questões atinentes à convivência social inseriam-se em sua esfera de competência. A prática e a discussão pública levaram à dissolução do nexo entre moral social e religião. Fixada a independência da moralidade social em face da religião, o debate teria lugar em torno de critérios segundo os quais a sociedade sanciona os princípios e as regras morais.

Sobretudo, depois da Revolução Francesa, emerge no Continente a consciência clara de que algumas questões extravasam a competência, seja do Príncipe, seja dos Partidos que compõem o Parlamento. A principal delas seria a conservação do próprio sistema representativo. Assim, a faculdade de dissolver o Parlamento adquiriu extrema magnitude. Dessa forma, embora o instituto do Poder Moderador tenha sido enxertado na Constituição Brasileira de 1824, para atender ao autoritarismo de D. Pedro I, o tema revestia-se da maior importância, nos destinos do sistema representativo em nossa terra. Silvestre Pinheiro Ferreira é, sem dúvida, o pensador que mais de perto apreendeu a singularidade da experiência social inglesa e, por essa razão, buscou diluir a competência, naquela matéria, que ultrapassava a política partidária, e que definiu como dizendo respeito à guarda dos direitos dos cidadãos e à independência e harmonia dos poderes públicos. A isso denominou de Poder Conservador.

A doutrina do Poder Conservador de Silvestre Pinheiro Ferreira não seria adotada pela elite imperial que o seguiu em diversos outros passos. A par disto, a prática do Poder Moderador acabaria obscurecendo a questão magna da moral social. O país não chegou a criar os mecanismos requeridos pelo estabelecimento do consenso nas questões relativas àquela esfera, mecanismos que foram substituídos pelo magistério moral do Imperador e da Igreja Católica. Os críticos da Monarquia Constitucional brasileira, em especial a geração de 1870, tampouco contribuíram para situar o tema de forma adequada. Na verdade, acabaram regredindo aos primórdios da prática do sistema representativo, quando se desconhecia a magnitude dos problemas que ultrapassavam a competência da política partidária, como a integridade do território, a manutenção do sistema representativo, etc. Ao longo da República, toda vez que tais princípios estiveram em perigo, considerou-se legítima a intervenção das Forças Armadas, sem que, entretanto, o tema tivesse ensejado discussão teórica.

A Escola Superior de Guerra, ao identificar o que denomina de objetivos nacionais permanentes, contribuiu, sem dúvida, para delimitar aquela esfera que, correspondendo às aspirações supremas da Nação, ultrapassaria os simples limites da política partidária. Contudo, não se preocupou em determinar as formas de seu estabelecimento, contentando-se com vagas alusões à tradição, sem enfatizar o papel do consenso, nem deter-se no exame de seus possíveis mecanismos. Além disso, a hierarquia de tais objetivos não é dada automaticamente a partir do seu simples enunciado, como bem o demonstrou o professor José Alfredo Amaral Gurgel (1929-2012) [Cf. Gurgel, 1976]. Por tudo isto, a questão do Poder Moderador preserva inteira atualidade.

II – As origens ideológicas da Propaganda Republicana.

Herdeira da tradição liberal radical que empolgou as revoluções americana (1776) e francesa (1789), a nossa propaganda republicana prolongou, também, os ideais cientificistas ensejados pela reforma pombalina em Portugal. Frei Caneca (1779-1825) e a escola do liberalismo radical que vingou no Seminário de Olinda foram elementos que pesaram, definitivamente, na orientação modernizadora e não parlamentar que caracterizou os ideais republicanos. Este texto analisa os principais aspectos da propaganda republicana, a partir dos Manifestos, até a análise do republicanismo presidencialista e federativo dos bacharéis do Largo de São Francisco, em São Paulo.

1 – Análise dos principais Manifestos Republicanos. [cf. Pessoa, 1973].

A - Manifesto da Revolução Pernambucana de 1817.- Embora neste documento não encontremos explicitado o termo “Repúblicas”, contudo, achamos nele elementos que serão reivindicados, posteriormente, por movimentos declaradamente republicanos, como a separação da Província de Pernambuco com relação à Corte, a crítica ao despotismo do poder central, a defesa de uma vaga ideia democrática, bem como a insistência na necessidade de um governo ilustrado. Duas ideias principais podemos salientar no Manifesto: a Providência está à frente do movimento de emancipação da Província, de um lado e, de outro, acredita-se numa fraternidade universal. Em segundo lugar, este Manifesto salienta que a Revolução, que visava separar Pernambuco como Província independente, foi motivada pelo despotismo da Corte. Em terceiro lugar, salienta-se a concepção de governo que empolga os revolucionários e que se identifica com o ideário pombalino, que defendia um poder ilustrado que garantisse a riqueza e a força da nação.

B – Manifesto do Levante Pernambucano de 1824.- Encontramos, na parte inicial deste documento, uma profissão de fé liberal, que é expressa nos seguintes termos: “É inato no coração do homem o desejo de ser feliz, e este desejo, como princípio de toda sociabilidade, é bebido na natureza e na razão, que são imutáveis. Para preenche-lo é necessário um governo que, dando expansão e coordenando todos os recursos, eleve os associados àquele grau de prosperidade e grandeza que lhe estiver destinado nos planos da Providência”.

A profissão de fé liberal dos revolucionários pernambucanos de 1824 inspira-se, sem dúvida, em parte, na literatura revolucionária americana e francesa. Da Revolução Americana toma as ideias, expressadas por Thomas Jefferson (1743-1826), na Declaração da Independência dos Estados Unidos da América, em 1776, dos direitos inalienáveis do indivíduo à vida, à liberdade e à procura da felicidade, bem como a de que a função do governo consiste em preservar esses direitos naturais. Inspirada, também, pela literatura que empolgou a Revolução Francesa, é a ideia da soberania da nação. É ideia básica, no trecho final do Manifesto, a convicção de que as constituições e as leis devem ser para os povos e não para estes estarem a serviço dos governos.

C – Manifesto do levante baiano de 1837.- Dois documentos materializaram as ideias e as causas que motivaram o Levante Baiano de 1837, chamado de “a Sabinada”: de um lado, as atas da Assembleia da Província da Bahia de 7 e de 11 de novembro de 1837; de outro lado, o Manifesto do vice-presidente da Província, João Carneiro da Silva Rego. Duas ideias ressaltam no Manifesto Baiano: em primeiro lugar, a crítica ao despotismo político e financeiro do Governo Imperial e, em segundo lugar, a reafirmação da luta em prol da liberdade do povo baiano, sem que se chegue a determinar as instituições que garantiriam o real exercício dessa liberdade.

D – Manifesto da República de Piratini.- O Manifesto, que data de 1838, sintetizou os ideais de luta dos revolucionários farroupilhas e o seu leitmotiv, como o dos anteriores, a ideia separatista.

Podemos resumir, assim, as 13 razões que motivaram a revolução separatista farroupilha, segundo o citado Manifesto: 1 – A necessidade de preservar a honra rio-grandense ultrajada pelo Governo Imperial; 2 – um dever de “subtrair-se a um juízo insuportável, cruel e ignominioso, opondo a resistência à injúria, repelindo com força a violência”; 3 – a convicção que o Rio Grande tem de ser ”igual aos Estados soberanos, seus irmãos” e de que “o povo rio-grandense não reconhece outro juiz sobre a terra, além do Autor da Natureza, nem outras leis além daquelas que constituem o Código das Nações”; 4 – a incúria dos burocratas imperiais para atenderem às justas reclamações dos sul-rio-grandenses; 5 – o desprezo, do Governo Imperial, pelo sentimento de honra dos gaúchos; 6 – a inaceitável tentativa do despotismo imperial de criar e fortalecer uma entidade estranha a todas as associações filantrópicas do país, a Sociedade Militar, numa clara tentativa de dissolver as associações livres; 7 – a tentativa do Império de utilizar as dissenções internas da República Oriental do Uruguai, para desestabilizar o Rio Grande; 8 – a interpretação, por parte do mesmo governo imperial, da hospitalidade sul-rio-grandense para com os profícuos políticos da República Oriental, como crime de lesa-pátria; 9 – as vexações a que foram submetidos, pelas autoridades imperiais, os cidadãos e as instituições sul-rio-grandenses; 10 - a acusação, por parte do Império, de que os sul-rio-grandenses queriam se separar do resto do Brasil, ligando-se aos orientais; 11 – a lei imperial de criação de uma guarda pretoriana no Estado, a ser sustentada pelos sul-rio-grandenses, a fim de esmagar qualquer oposição; 12 – o controle do poder imperial sobre a imprensa; e, 13 – as irregularidades constitucionais e as violências cometidas pelo delegado do Governo Imperial ao deixar o Rio Grande.

O Manifesto farroupilha terminava salientando a adesão dos revolucionários ao sistema republicano, desconhecendo o poder do Imperador e conclamando as restantes províncias a se emanciparem da tutela imperial.

E – Manifesto republicano de 1870.- Este documento, assinado por Joaquim Saldanha Marinho, ex-presidente de Minas e São Paulo, e por mais 57 republicanos, salientava, em primeiro lugar, que o autoritarismo e o regime de privilégios eram as principais causas da decadência política do Império. Ao longo da história brasileira do século XIX, frisa o documento, prevaleceu a preservação dos interesses dinásticos sobre a soberania popular, que foi burlada pela dissolução, à mão armada, da Constituinte.

Para os autores do Manifesto de 1870 não podia haver, sob a monarquia, regime representativo autêntico, pelo fato de serem irreconciliáveis a monarquia hereditária e a soberania nacional. Os republicanos de 1870 desconheciam qualquer validade à representação dos interesses permanentes da Nação, que simplesmente não existiam.

Os republicanos de 1870 sentiam-se herdeiros da tradição radical que empolgou os movimentos revolucionários anteriores, como o de 7 de abril de 1831, a Confederação do Equador de 1824, ou o Levante Pernambucano de 1817. Na sua conclusão, o Manifesto insiste num aspecto que é comum aos anteriores: “Somos da América e queremos ser americanos”. Não seria descabido ver, nessa declaração dos republicanos brasileiros, a influência da doutrina exposta pelo presidente norte-americano James Monroe (1758-1831), a “doutrina Monroe”, que considerava inaceitável qualquer tentativa europeia de ter colônias no Novo Mundo.

F – Manifesto do Congresso do Partido Republicano Paulista de 1873.- Este manifesto obedecia à finalidade prática de divulgar as linhas mestras traçadas pelos republicanos paulistas no Congresso realizado em São Paulo em 1873, no aspecto relacionado com a orientação do Partido na Província. Uma preocupação salta à vista: esclarecer a opinião pública quanto à posição moderada assumida no referente ao tema da abolição. O manifesto repete, a respeito, a posição tomada pelos representantes paulistas, em 1872, que confiavam a decisão sobre a questão servil à vontade popular. Os republicanos paulistas mostravam-se, assim, bastante mais realistas e menos doutrinários do que os seus antecessores, levando em consideração, basicamente, a realidade econômica do seu Estado.

G – Manifesto do Clube Republicano do Pará, 1886.- Pela primeira vez, no texto de um Manifesto Republicano, aparecem juntas as ideias da fraternidade americana e a dimensão mística dessa luta, que tem os seus próprios mártires. Juntam-se, assim, duas tradições: a do republicanismo político, originário da Revolução Americana, acrescido do tom radical da Revolução Francesa, e a tradição religiosa-política do messianismo saint-simoniano, que empolgou o ideário republicano francês, ao longo da segunda metade do século XIX. Contrariando a ortodoxia comtiana que garantia um trânsito ordeiro pelo caminho das reformas, graças à educação regeneradora da Sociedade, o manifesto paraense reconhece, entretanto, repetindo palavras de Pierre Laffitte (1823-1903), a necessidade da insurreição. Os republicanos paraenses aderem, no Manifesto, a uma versão heterodoxa do positivismo, muito semelhante àquela que, alguns anos mais tarde, pôs em prática o Castilhismo no Rio Grande do Sul.

H - Manifesto do Congresso do Partido Republicano Federal de 1887.- Este manifesto, como os anteriores, faz uma ampla crítica à Monarquia e ao sistema de governo do Império. Todos os aspectos que configuraram a crise do Brasil no Império, são sintetizados pelos autores do documento numa manifestação essencial: a crise moral, decorrente da tendência a particularizar a política, considerando-a como negócio individual. Encontramos, no Manifesto do Partido Republicano Federal de 1887, tanto a influência positivista, quanto a liberal. Os autores do Manifesto parecem aderir, no entanto, a uma versão próxima do Castilhismo, ao fazer depender da crise política a crise moral ou privada. Contudo, em que pese essa tomada de posição, os autores do Manifesto assumem, novamente, uma posição liberal, ao aconselharem a ação pacífica e legal da propaganda republicana, como forma de reação contra a crise social.

I – Manifesto do Congresso do Partido Republicano Paulista de 1888.- Este Manifesto refere-se, em primeiro lugar, à Lei Áurea, que extinguiu a escravatura. O Manifesto salientava, assim, o papel decisivo que desempenhou, na promulgação dessa lei, a vontade popular e do Exército. Embora reconheça o valor sentimental que teve o ato da Princesa Isabel (1846-1921), o Manifesto liga, diretamente, a monarquia à escravatura, salientando que esta era o sustentáculo da primeira. O Partido Republicano, segundo o Manifesto, dedica-se a observar, atentamente, os acontecimentos e, à luz dessa análise, conclui pela necessidade de se engajar na luta para a derrubada definitiva da monarquia. Assim, não pode ser aceita, de nenhum ponto de vista, a hipótese de um terceiro reinado, em que pese os projetos para organizar uma federação, por meios constitucionais.

J - Manifesto do Partido Republicano de Pernambuco – 1888.- Este Manifesto é um dos mais influenciados pelas ideias positivistas e não podia ser de outra forma, visto que entre os seus assinantes figuravam conspícuos líderes positivistas como Aníbal Falcão, A. de Souza Pinto e J. Isidoro Martins Júnior. O Manifesto Pernambucano de 1888 salienta, em primeiro lugar, a mística republicana que o empolga, bem como a herança da luta patriótica que recebeu dos pernambucanos que morreram pela fé republicana. Segundo o Manifesto pernambucano, a República é a grande opção das Nações Ocidentais Modernas, depois da crise gerada pelo liberalismo. O Manifesto interpreta a República, também, como um regime ditatorial em que imporá a responsabilidade moral e legal dos depositários do poder político. Convém salientar, por último, a íntima relação existente entre o Castilhismo e os republicanos pernambucanos de inspiração positivista, autores do Manifesto de 1888.

2 – Síntese doutrinária dos Manifestos Republicanos.

Sem pretendermos esgotar o conteúdo doutrinário dos Manifestos analisados, podemos salientar oito aspectos que consideramos comuns a eles e que constituem a base da concepção política da propaganda republicana. Esses aspectos são os seguintes: a mística republicana; a adesão a uma visão absoluta da ética, entendida como defesa da honra; o despotismo esclarecido; a crítica radical à monarquia e às instituições imperiais; a tergiversação do sentido da representação; a defesa do federalismo radical; a pregação da fraternidade americana; e, por último, a limitada inspiração liberal.

A – A mística republicana.- A adesão à convicção religiosa de que o movimento literário em prol da República constituía uma tradição sagrada, foi uma linha de inspiração comum aos Manifestos Republicanos. Essa tradição teve a sua origem nos movimentos revolucionários do século XVIII, que inspiraram as lutas de independência das nações hispano-americanas. Os manifestos que mais explicitamente fazem referência à mística republicana são o de 1838, o de 1870 e o de 1886. O Manifesto Pernambucano, de 1888, identifica a mística republicana com a “pureza e sublimidade” de intenções dos que lutam contra a monarquia e considera essa posição como condição que possibilita o conhecimento científico do futuro.

B – A ética absoluta de defesa da honra.- É importante salientar que nos Manifestos Republicanos de 1824 (Pernambuco), de 1838 (República de Piratini), de 1886 (Pará) e 1887 (Partido Republicano Federal), entende-se a oposição radical à monarquia, mesmo através da luta armada, como uma questão de honra que está por cima de qualquer princípio. Assim, o padrão ético que acompanhava a mística republicana era de tipo absoluto: não admitia negociação. Esse padrão ético, a partir de 1870, será reinterpretado pelos republicanos, no contexto do positivismo e encontrará a sua manifestação mais evoluída no moralismo castilhista, muito próximo, aliás, da ética absoluta que empolgou o estamento militar e que eclodiu na chamada “questão militar”, nas últimas décadas do Império [cf. Mercadante, 1978].

C – Despotismo esclarecido.- Em que pese as críticas que os republicanos formularam, em todos os Manifestos, contra o que eles consideravam despotismo imperial da Monarquia, é certo que o modelo de governo que defendiam não era, propriamente, democrático representativo. Os primeiros Manifestos, como o de 1817 e o de 1824 (Pernambuco) apelavam para um governo ilustrado que impusesse o novo regime e garantisse a grandeza do Estado, no contexto do ideário pombalino em que se inscrevia o radicalismo liberal de Frei Caneca. Seguindo a trilha do despotismo ilustrado, o Manifesto de 1870, que já acusava influência positivista, criticava, como deletério, o parlamentarismo imperial e propunha a República como opção modernizadora e progressista, sem indicar, paradoxalmente, quais seriam as regras do jogo, para que se tratasse de um regime democrático e representativo.

D – Crítica radical à Monarquia e às instituições imperiais.- Coerentes com o radicalismo da inspiração política, os Manifestos Republicanos foram, em geral, implacáveis com a Monarquia. Para eles, tanto as revoluções anti-monarquistas quanto a propaganda republicana tiveram uma única causa: o despotismo monárquico.

E – Tergiversação do sentido da representação.- Os Manifestos insistiam na identificação de governo representativo com governo eleito pelo sufrágio popular. Ora, já Benjamin Constant de Rebecque, em Princípios de Política (1810) tinha deixado claro que nem todo governo eleito representa os interesses dos votantes, se não se fixaram previamente as normas da representação. Nem todo governo eleito é, portanto, representativo dos interesses dos votantes. Essa falsa ideia de representação é formulada no Manifesto de 1824 e consagrada no de 1870. Os Castilhistas, aliás, repetiram à saciedade esse arrazoado fantasioso, quando foram acusados, pelos liberais gaúchos, de terem abandonado a estrutura do governo representativo na Constituição estadual de 1891. A confusão mencionada constitui uma espécie de paradigma dos Manifestos Republicanos. A Constituição Castilhista encampou esa confusão, tendo virado uma espécie de protótipo do republicanismo, surgido do voto popular e avesso à representação.

F – Federalismo radical.- Os Manifestos Republicanos, em geral, defendem um federalismo extremado, ao considerar que as Províncias deveriam ser Estados praticamente autônomos. Essa ideia de federalismo radical aparece nos Manifestos de 1824, 1838, 1870, 1873, 1886 e 1887. O único que adota uma posição um pouco diferente é o Manifesto de 1888, que propõe a implantação progressiva do modelo republicano, começando pela descentralização administrativa, sem, contudo, negar a fórmula radical no final do processo.

G – Fraternidade americana.- Essa ideia é enfatizada pelos Manifestos de 1817 (que se referem, genericamente, à “fraternidade universal”), de 1828, de 1870 e de 1886. No entanto, o tema da fraternidade universal, no contexto da retórica republicana, deita raízes, também, na própria ideologia pós-revolucionária de 1789. No entanto, a conotação americanista que marca a ideia de fraternidade, presente nos Manifestos Republicanos, deve ser atribuída, também, à Doutrina Monroe e à repercussão que ela teve no mundo hispano-americano.

H – Inspiração liberal limitada.- A influência do pensamento liberal anglo-saxão foi deveras limitada nos Manifestos Republicanos. Aparece nas reivindicações, pouco numerosas, aliás, dos direitos inalienáveis dos indivíduos, da soberania popular, da liberdade, da propriedade, etc. Mencionam explicitamente essas reivindicações os seguintes Manifestos: 1824, 1837 e 1870. Essa pouca presença do ideário liberal clássico é devida, ao nosso modo de ver, ao fato de os Manifestos terem-se inspirado, preferencialmente, na chamada por Thomas Jefferson, “retórica utópico-democrática” que empolgou as revoluções americana (1776) e francesa (1789), lembrando que a primeira moderou o democratismo com os freios e contrapesos adotados pela Constituição de Filadélfia, abertamente ligada à questão da representação.

3 -O republicanismo incendiário de Silva Jardim.

Antônio da Silva Jardim nasceu em Capivari (Província do Rio de Janeiro, atualmente Município de Silva Jardim), em 1860. Formou-se em Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, no ano de 1882. Iniciou a sua vida profissional como professor da rede pública de ensino na Província do Espírito Santo, tendo, também, desempenhado funções docentes na Escola Normal de São Paulo. A partir de 1888, morando em Santos, na Província de São Paulo, vinculou-se à propaganda republicana, como fiel militante do Partido Liberal. A atividade propagandística de Silva Jardim, no ano de 1889, foi bastante intensa. Pronunciou inúmeras conferências em cidades das Províncias do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. Entre essas conferências, merece destaque a pronunciada em São Paulo sob o título de: “Política republicana revolucionária”, na qual já desenhava o itinerário das suas ideias: apostava na proclamação armada da República, a partir da aproximação entre o Exército e o Povo, a fim de instaurar um regime republicano de cunho despótico-ilustrado, nos moldes cientificistas do espírito pombalino. Em 2 de outubro de 1890 dirigiu um “Manifesto” ao Partido Republicano do Estado do Rio, visando analisar os resultados do primeiro pleito eleitoral, acontecido sob o novo regime.

Em novembro desse ano partiu para a Europa. Em 19 de abril de 1891 pronunciou um discurso, na França, em Bong-la-Reine, em resposta ao psiquiatra francês Dr. Jean-François Robinet (1825-1899), que tinha sido médico de Augusto Comte (1798-1857). Escreveu, em 31 de março, uma carta a Alberto Torres (1865-1917). Em 1º de julho de 1891, morreu de uma forma espetacular: foi tragado por uma fenda fumegante da cratera incandescente do Vesúvio. Simbólico fim de um republicano radical, que acreditava na implantação do novo regime pelas armas e sem nenhum tipo de negociação. O escritor e jornalista português Manuel Joaquim Pinheiro Chagas (1842-1895), na crônica fúnebre publicada no jornal O Paíz, logo após a morte de Silva Jardim, escreveu: “Quando se submergia, viram-no os seus companheiros tapar os ouvidos com as mãos como se escutasse um ruído medonho (...). O que ouviria ele naquela enorme rampa rugidora, que foi há dezenove séculos o túmulo de Plínio?” [apud Jardim, 1891: 453-454].

Sem buscarmos abranger todos os aspectos da ampla propaganda republicana de Silva Jardim, poderemos concluir que existe uma linha de continuidade entre os temas básicos da propaganda republicana, expressa nos manifestos analisados, e a propaganda de Silva Jardim. A diferença entre aqueles e esta aparece no referente ao meio escolhido para implantar a República: enquanto os manifestos, na sua generalidade, deixam aberta a porta para uma mudança pacífica, Silva Jardim insiste no caráter revolucionário, em sentido estrito, que deveria ter a implantação da República.

Em Silva Jardim encontramos viva a tradição modernizadora do Marquês de Pombal (1699-1782). Herdeiro da tendência cientificista da Universidade pombalina, que foi largamente divulgada pela filosofia positivista, Silva Jardim adere à concepção do Patrimonialismo Modernizador, que consiste em entender o poder autoritário do Estado alicerçado no culto à ciência. Assim, Silva Jardim entendia a República como “Sociarquia da Opinião Pública”, na trilha dos espíritos ilustrados que trabalharam pela Pátria futura, entre os quais estão o Marquês de Pombal, o Conde de Linhares (1755-1812), que foi o organizador da Real Academia Militar, José Maria da Silva Paranhos (1819-1849), visconde do Rio Branco, fundador e diretor da Escola Politécnica e todos aqueles que se bateram de armas na mão por uma República em moldes cientificistas, como Frei Caneca e Júlio de Castilhos. O modelo político defendido por Silva Jardim seria, assim, o do despotismo ilustrado ou Patrimonialismo Modernizador, que somente aceita do Liberalismo a retórica utópico-democrática, surgida ao ensejo das revoluções americana e francesa. Mas o seu autoritarismo está longe de aceitar, em plenitude, o modelo liberal clássico do governo representativo.

O jovem tribuno deixou claro que a sua admiração pelos Estados Unidos estava polarizada sob o ângulo modernizador, no contexto do ideário pombalino. Cuidadosamente excluiu a prática da democracia representativa. “(...) O que queremos – frisava – não é transportar para o nosso país aquilo que não pudermos assimilar, mas somente o que nos for possível adaptar ao nosso, ás condições da natureza humana, sem desprezar as diferenças de educação de povo a povo, sem desatender às suas muitas circunstâncias de meio bruto, ou celeste ou telúrico, vivo, vegetal ou animal, humano, histórico ou presente”. Silva Jardim estava mais perto da visão estatizante e modernizadora do Marquês de Pombal, do que do modelo liberal e democrático de governo representativo. A República foi anunciada por ele como o que realmente seria no regime castilhista e no Estado getuliano: poder forte e modernizador.

4 – Rui Barbosa (1845-1923) e o Bacharelismo Liberal.

Rui Barbosa nasceu em Salvador, em 1849 e faleceu em Petrópolis (Estado do Rio de Janeiro) em 1923. Em 1870 formou-se bacharel em direito pela Faculdade de São Paulo. O seu nome alcança projeção nacional em 1877 com a tradução da obra intitulada: Der Papst und das Konsil (1939, O Papa e o Concílio), de Johan Joseph Döllinger (1799-1890), que foi publicado com uma introdução em que Rui Barbosa criticava a atitude assumida pelo Imperador diante da questão religiosa. Deputado provincial e deputado geral em 1878, destacou-se no Parlamento na discussão sobre as eleições diretas (1881) e nos pareceres sobre a reforma do ensino (1882-1883), que lhe valeram o título de Conselheiro. Foi memorável, também, o seu parecer sobre a emancipação do elemento servil (1884). Defendeu o federalismo no último Congresso do Partido Liberal. Recusou-se a participar do gabinete presidido pelo Visconde de Ouro Preto (1839-1912), o último da Monarquia.

Depois de proclamada a República, em 1889, ocupou a pasta da Fazenda tendo imprimido à política financeira orientação decididamente industrialista. Junto com os outros ministros demitiu-se em 1891. Eleito Senador no mesmo ano, desempenhou o mandato até o seu falecimento, em 1923. No seu papel de relator dos projetos de Constituição apresentados por uma comissão de juristas nomeados pelo Governo Provisório, introduziu neles reformas radicais, tendo o substituto, de sua autoria, rompido completamente com a tradição parlamentarista do Império, ao passo que consagrava o regime presidencialista, nos moldes norte-americanos, inclusive na parte referente ao Poder Judiciário.

Opôs-se ao governo autoritário de Floriano Peixoto (1839-1895), tendo sido processado e perseguido com ocasião da revolta da Armada. Viveu como exilado em Buenos Aires, Lisboa e Londres, tendo retornado ao Brasil em 1895. Tratou de organizar, em 1897, o Partido Republicano Conservador, mas não conseguiu. Representou o Brasil na II Conferência de Paz realizada em Haia (1907), tendo defendido ali o princípio da igualdade das nações. Candidato à Presidência em 1910, perdeu as eleições para o Marechal Hermes da Fonseca (1855-1923) na chamada “campanha civilista”. Em 1913 tentou novamente organizar um Partido Nacional, o Republicano Liberal. A iniciativa, contudo, não teve sucesso. Em 1916, como representante do Brasil no primeiro centenário do Congresso de Tucumán, na Argentina, pronunciou discurso que comprometeu a neutralidade brasileira na Primeira Guerra Mundial, tendo defendido a causa dos aliados contra a Alemanha.

Em 1919, candidato à Presidência com Epitácio Pessoa, perde as eleições para este. Em 1921, foi eleito pelo Conselho da Liga das Nações como Juiz da Corte Permanente de Justiça Internacional em Haia. Morreu em 1923, sem ter assumido este honroso cargo e depois de ter perdido, aos 71 anos de idade, a sua última campanha política, na terra natal, Bahia, em que impugnou, ao lado de Paulo Fontes, a candidatura de José Joaquim Seabra (1855-1942) à Presidência do Estado.

Rui Barbosa foi, essencialmente, uma mentalidade de advogado, segundo Oliveira Vianna (1883-1951), tanto pelo seu culto ao formalismo quanto pela sua sensibilidade em relação às questões administrativas. As fontes imediatas da sua formação jurídica, segundo frisa Nelson Saldanha, foram “(...) fartas leituras civilistas italianas e francesas, com austero domínio das fontes latinas; em direito público, um vasto elenco de obras norte-americanas e inglesas. Anote-se, por sinal, a admirável mestria sistemática e terminológica que exibiu nestas áreas, somente comparável, no Brasil, à de Pontes de Miranda (1892-1979)”. Múltiplas são as facetas que apresenta o liberalismo de Rui Barbosa. Nesta exposição, que visa mais esclarecer a contribuição dele à propaganda republicana, centraremos a atenção no aspecto relacionado com o conceito de Estado.

 Foi grande, sem dúvida nenhuma, a contribuição de Rui Barbosa ao divulgar no Brasil, as ideias básicas do liberalismo anglo-americano. No entanto, faltou ao seu esforço uma adequada compreensão do sistema parlamentar do Império e da dupla representação de interesses que garantia a estabilidade política: a dos mudáveis, por parte do Parlamento, e a dos permanentes, cujo representante era o Poder Moderador. Aí radica, ao nosso ver, outra das limitações do estadista baiano: não soube enquadrar a experiência do sistema representativo do Império, no contexto histórico em que emergiram as instituições consagradas na Carta de 1824. Era evidente a sua preocupação por pautar a nossa experiência de governo representativo pelos parâmetros da experiência britânica. Devemos reconhecer os esforços feitos por Rui Barbosa, no decorrer do Congresso Constituinte da República, em 1891, no sentido de frear o federalismo radical. Podemos falar, assim, de uma contribuição de Rui à propaganda republicana, no sentido de introduzir um conceito moderado de federação, que não esfacelasse por completo a unidade do País. Descartado, porém, esse aporte de Rui ao federalismo moderado, a sua contribuição em prol do estabelecimento da democracia representativa, no Brasil republicano, foi deveras limitada.

5 – Os bacharéis do Largo de São Francisco.

Duas tendências podemos observar entre os bacharéis do Largo de São Francisco, em São Paulo, que se devotaram à causa republicana: uma moderada, cujos máximos representantes foram Prudente de Morais (1841-1902) e Manuel Ferraz de Campos Salles (1841-1913). Outra, radical, cujos arautos foram Silva Jardim e o grupo de bacharéis gaúchos influenciados pelo positivismo e cujos principais expoentes foram Júlio de Castilhos (1860-1903) e José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915).

Campos Salles, como Prudente de Morais, representou a ala moderada dos bacharéis formados no Largo de São Francisco. Em que pese o republicanismo moderado de Campos Salles, dois elementos de caráter radical aparecem, no entanto nos seus escritos de 1887-1889: federalismo extremado e aceitação da via revolucionária como meio para evitar o Terceiro Reinado. Duas causas, também, podemos assinalar para esse radicalismo: a propaganda incendiária de Silva Jardim, de um lado, que como vimos, não cessava de aliciar a revolta popular contra a monarquia, descrente dos processos evolutivos pacíficos. Em segundo lugar, o radicalismo gaúcho, que na década seguinte seria encampado pelo castilhismo.

O federalismo exacerbado foi o segundo elemento radical que aflorou na retórica republicana de Campos Salles, no período de 1887 a 1889; sem dúvida que as ideias federalistas radicais, originárias de Ubaldino do Amaral (1842-1920) e de João Alberto Salles (1857-1904), irmão de Campos Salles, e que empolgaram o Congresso Republicano Paulista do ano 1887, tiveram influência no separatismo, que Campos Salles defendeu nesse mesmo ano.

No Rio Grande do Sul, a propaganda republicana iniciou-se sob a direção de Francisco Xavier da Cunha (1835-1913) e de Apolinário (1844-1904) e Apeles Porto Alegre (1850-1917). Seus esforços pioneiros foram coroados com a fundação de um Clube Republicano na Capital da Província, em 1878, e a eleição de vereadores republicanos para a Câmara Municipal, em 1880. Castilhos fizera os primeiros contatos com o movimento republicano de Porto Alegre desde a mocidade, antes de viajar a São Paulo. Quando voltou à Província, com a firme resolução de trabalhar pela queda da Monarquia, juntou-se novamente aos republicanos rio-grandenses. Até 1882, ano em que se reuniu a Convenção Preliminar do Partido Republicano Sul-Rio-Grandense este tinha sido seguidor do seu congênere paulista e se mostrava bastante ligado aos princípios do Manifesto de 1870.

A Constituição Política para o Estado do Rio Grande do Sul, elaborada por Castilhos entre fevereiro e abril de 1891, é a prova mais completa e sistemática do seu republicanismo radical. Wenceslau Escobar (1857-1938), comentando o radicalismo da carta sul-rio-grandense, frisa que “por tal sistema constitucional, ficava o presidente investido de grande soma de poder público; era quase, senão, um ditador, cuja atribuição ia até nomear seu próprio substituto legal. Esta obra, pondo em evidência o espírito de seita, quadrava-se perfeitamente à natureza autoritária do Dr. Júlio de Castilhos” [cf. Vélez, 1980: 42-43].

6 - Gaspar da Silveira Martins.

O grande tribuno liberal nasceu em Bagé (1835) e morreu em Montevidéu (1901). Formou-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, depois de ter estudado dois anos na Faculdade de Direto do Recife. Uma vez formado, desempenhou o cargo de Juiz Municipal na Corte, durante o ano de 1858. Em 1860, fundou o Partido Liberal Histórico. Foi eleito deputado provincial pelo Rio Grande do Sul em 1862, representando no Parlamento a sua Província na 15ª e na 17ª legislaturas.

Em 1872 derrotou o Gabinete Rio Branco nas eleições gerais para a renovação da Assembleia, apoiado pelo Partido Liberal da Província. Em 1878 foi ministro da Fazenda no Gabinete presidido pelo Visconde de Sinimbu. Em 1880 foi eleito Senador. Em 1889 foi distinguido pelo Imperador com os cargos de Conselheiro de Estado e Presidente da Província do Rio Grande. Em 22 de dezembro de 1889 foi desterrado e partiu para a Europa. Em 19 de novembro de 1890, foi renovado o decreto de desterro. Em 1892 promoveu a reunião de um congresso em Bagé, no qual era pedida a revisão da Carta estadual de 14 de julho de 1891, que instaurou o regime castilhista, tendo sido proposto por ele um modelo parlamentar de governo para a República.

Durante o mesmo ano de 1892 eclodiu a revolução federalista no Rio Grande. Silveira Martins apoiou-a, se opondo a Júlio de Castilhos. Ao terminar a contenda, o tribuno foi desterrado novamente, desta vez para Buenos Aires. Dali dirigiu-se, pouco tempo depois, para a Europa. Em 1896 regressou ao Brasil e participou do Congresso Federalista de Porto Alegre, onde apresentou um modelo de Constituição parlamentar que foi aproveitado na Carta de 1934. Para Gaspar da Silveira Martins, a representatividade do governo baseava-se no “direito de todo cidadão de delegar o poder a algumas pessoas para garantir os seus interesses”. Ele considerava que uma autêntica representação exigia as seguintes condições: em primeiro lugar, o voto direto, através do qual o povo faz explícita a sua vontade.

A segunda condição necessária para lograr uma autêntica representação consistia, para o tribuno gaúcho, em que os cidadãos tivessem a possibilidade de votar em ideias e não simplesmente em pessoas. Seguia-se daí que os diferentes deputados seriam representantes de seus respectivos partidos que, por sua vez, poderiam canalizar as preocupações e interesses populares. A terceira condição para a verdadeira representação radicava na autonomia do Poder Legislativo, “que deve ser absolutamente independente do Executivo e estar somente submetido à Lei”. A República, entendida na pureza de sua significação originária como “coisa pública” e organizada constitucionalmente sob um governo de caráter parlamentar, seria a única forma possível de superar a monarquia. Para Silveira Martins, a existência da República dependia, eminentemente, do respeito às liberdades individuais.

Silveira Martins salientava, como condições essenciais para o bom governo, a liberdade de indústria e de comércio, que fundamentasse a riqueza da Nação, bem como a liberdade de ensino que garantisse o esclarecimento da nova geração, a fim de assegurar a evolução da sociedade. Quanto ao primeiro ponto, Silveira Martins combateu, decididamente, todas as formas de protecionismo e de monopólio estatal da economia, como medidas atentatórias contra a liberdade dos cidadãos. No tocante à liberdade de ensino, Silveira Martins considerava que o regime do Império era contrário ao desenvolvimento da mesma, ao dependerem as escolas diretamente do Imperador. A liberdade de ensino deveria se basear no princípio de “Igreja livre no Estado livre”, que acarretaria a desvinculação da instrução pública da Igreja Católica, com evidente ameaça para a estabilidade do regime monárquico, pois colocaria em questão o papel das oligarquias dependentes da monarquia.

Em síntese, o pensamento político de Silveira Martins situava-se na linha do liberalismo anglo-americano, ao considerar que a finalidade do governo representativo consistia em garantir a liberdade dos cidadãos, assegurando-lhes o enriquecimento e a educação. Em que pese o fato de Silveira Martins não ter compreendido o sentido do Poder Moderador como representante dos interesses permanentes da Nação, a sua proposta constitucional respondia à problemática autoritária ensejada, especialmente, pelo castilhismo. Faltou-lhe, contudo, uma maior base teórica para efetivar a crítica abrangente do fenômeno autoritário.

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