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EDUCAÇÃO E MÁQUINA PATRIMONIALISTA

EDUCAÇÃO E MÁQUINA PATRIMONIALISTA

ANTÔNIO PAIM - A QUERELA DO ESTATISMO (3ª EDIÇÃO PREPARADA POR ANTÔNIO ROBERTO BATISTA. CAMPINAS: TÁVOLA EDITORIAL, 2018).

O Brasil não vai bem das pernas. O futuro está comprometido pela manutenção do Estado patrimonial que campeia, infelizmente, na mente e no dia a dia dos brasileiros. Porque se o Estado mais forte do que a sociedade, a serviço das minorias que se encarrapitaram na cúspide do poder não fosse a lamacenta maquinaria que nos ameaça, os brasileiros desfrutaríamos de expectativas de vida mais alvissareiras.

O risco do atraso, da apropriação do que é de todos por uma minoria de espertos, frisou o pesquisador Alberto Carlos Almeida no seu livro de 2007 intitulado: A cabeça do brasileiro [Rio de Janeiro: Record, 2007], parece ter-se tornado parte dos usos e costumes do nosso país. Os brasileiros, na sua grande maioria, acomodaram-se, segundo o citado autor, à prática patrimonialista de que é lícito se enriquecer com o que é de todos e não pode ser privatizado. Isso explicaria, segundo Almeida, o título do seu outro livro muito lido na época, intitulado: Por que Lula? [Rio de Janeiro: Record, 2006].

O fato irrefutável, porque concretizado em práticas e instituições, de um Estado a serviço de poucos e de costas para a Nação, essa parece ser, ainda nos dias atuais, a nossa infeliz sina. As provas são numerosas e contundentes. Só para dar um exemplo entre os muitos que apresenta, nos dias atuais, a vida política brasileira: a apropriação “legal”, por parte de entidades privadas como são os partidos políticos, de uma soma enorme de recursos para o “fundo partidário”, que chega aos 5 bilhões de reais, com a finalidade de financiar as campanhas eleitorais. Tudo feito com as bênçãos da instituição que deve zelar pela lisura da gestão pública e o cumprimento da Constituição: o Supremo Tribunal Federal. A respeito dessa anomalia, frisava o advogado Modesto Carvalhosa, no artigo intitulado: “O STF e a consolidação do patrimonialismo” [in: O Estado de S. Paulo, 9/03/2022, p. A4]:

“No dia 3 de março de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, por 9 votos a 2, a constitucionalidade do Fundo Eleitoral, criado pela Lei ordinária nº 13.487/2017 sob o apetitoso título de Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). A tese prevalecente nesse julgamento foi a de que não pode o STF intervir no processo legislativo, que é soberano ao promulgar, no caso, a apropriação de quase 5 bilhões de recursos públicos pelos partidos políticos e seus donos. Data maxima venia (...) a decisão fere a regra estabelecida pela Carta de 1988 no sentido de que apenas normas constitucionais podem instituir verbas orçamentárias para entidades privadas – como são os partidos políticos, registrados em cartório de registro civil (artigo 17 da Constituição federal). Nesse sentido, as bilionárias benesses instituídas no artigo 17 da Carta (Fundo Partidário e propaganda gratuita nas rádios e TVs) a favor dos proprietários dos partidos e seus apaniguados são numerus clausus, ou seja, exaustivas. Não pode, portanto, uma simples lei ordinária – no duplo sentido, jurídico e moral – entregar um imenso quinhão orçamentário para pessoas do setor privado”.

O advogado Carvalhosa arremata assim o seu arrazoado, que põe a nu a desfaçatez dos agentes públicos que sagram com as suas decisões as praxes absurdas do nosso Estado patrimonial: “(...) se o Brasil fosse realmente um Estado Democrático de Direito, a criação do Fundo Eleitoral deveria ser submetida a plebiscito. Mas não. O nosso Supremo entende que qualquer lei ordinária pode instituir benefícios aos partidos e aos seus proprietários, de forma ilimitada, a qualquer tempo. Para o Supremo, lei é lei, mesmo que seja promulgada em flagrante benefício pecuniário direto dos próprios legisladores”.

Modesto Carvalhosa informa que essa prática lesiva aos cofres públicos, tem sido expurgada da legislação dos países civilizados. A respeito, frisa: “(...) a imoralidade destes famigerados fundos foi reconhecida por 82% dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que os baniram totalmente sob a constatação de que capturavam e corrompiam os eleitores e os desviavam de uma livre escolha dos candidatos, impedindo o rodízio do poder (...). Por tudo isso, a cidadania e a sociedade civil recebem esta decisão do STF, da apropriação privada de recursos públicos por políticos profissionais de todos os partidos, como uma ofensa e uma afronta à situação de pobreza e miséria em que vive a maioria do povo brasileiro”.

O mestre Antônio Paim (1927-2021) já tinha alertado para o agressivo avanço da mentalidade patrimonialista na política brasileira no Prefácio do seu livro intitulado: Momentos decisivos da história do Brasil, com as seguintes palavras: “(...) tive que atualizar o que pode ser duradouro e não apenas momentâneo, como se dá no presente, o fato de que da rearticulação do elemento liberal não haja resultado a constituição no país de uma agremiação política que a encarnasse, bem como a comprovação, pela pesquisa contida no livro A cabeça do brasileiro (Record, 2007), da autoria de Alberto Carlos Almeida, de que a cúpula da burocracia estatal brasileira, sustentáculo da tradição patrimonialista, representa os sentimentos e as aspirações da maioria de nossa população. Por certo que isto pode mudar, mas enquanto tal não se der, não se vislumbra no horizonte quando poderá ocorrer o cumprimento da aspiração de sair do patrimonialismo” [Paim, 2014: 14].

As pesquisas eleitorais, ainda nestes tempos de pré-campanha, sinalizam com a preferência do eleitorado por Lula, justamente o arquiteto da desgraceira que nos empobreceu a todos, graças aos desmandos políticos das últimas décadas. O PT saqueou o Estado e os cofres da Nação. O chefe máximo do partido, Lula, foi condenado e a sentença proferida pela Justiça foi aprovada e agravada pelo Tribunal Superior correspondente. Mas ele e o seu braço direito, José Dirceu, foram soltos pela mais alta instância da Magistratura. Não admira que os dinheiros que foram recuperados pela Operação Lava Jato voltem, num futuro próximo, aos bolsos dos larápios. Tamanha a desfaçatez das práticas legais macunaímicas, nessa intrincada trama de processos escusos, retórica bacharelesca e sem-vergonhice à luz do dia em que se converteu o debate jurídico e político em torno à Lava-Jato.

O pré-candidato, aliás, que vestiu a camisa da defesa dessa Operação saneadora, recebe pedradas de quase todos os segmentos, especialmente dos ligados ao funcionamento da máquina de corrupção que passou a ser denominada de “O Mecanismo”. Ora, qual o pecado de Sérgio Moro? Não ter dado trela para os corruptos e tê-los enquadrado nos rigores da lei, em processos limpos que observaram todas as exigências legais!

Essa realidade deplorável decorre, em boa medida, do estado catastrófico em que mergulhou o nosso sistema educacional. Depois de quatro anos de governo Bolsonaro, o que poderia ter sido feito não se fez. A educação ficou patinando nos seus desvios de rota, identificados hoje com uma espécie muito peculiar de clientelismo religioso e as coisas foram se acomodando para deixar tudo como estava [cf. Júlia Affonso, Felipe Frazão, Breno Pires. “Gabinete paralelo de pastores controla agenda e verba do MEC”, O Estado de S. Paulo, 18-02-2022, pp. 1 e A8].

O erro fundamental, no terreno educacional, decorreu de uma opção equivocada do governo nessa área: foi centrada a atenção não naquilo que deveria ser feito para libertar o sistema educacional, de vez, do clientelismo sindical em que o petismo o tinha trancafiado. A importância conferida pelo bolsonarismo à educação ficou confinada, infelizmente, à variável ideológica, tornando-a refém da “guerra cultural”, bem como do clientelismo “espiritual” já referido.

Claro que era necessário desmontar a maquinaria gramsciana pacientemente montada pelos desgovernos petistas. Mas isso era apenas uma parte do trabalho a ser feito. Faltaram as reformas fundamentais. E, como a “guerra cultural” era comandada pelo guru de bolsonarismo, Olavo de Carvalho (1947-2022), o MEC ficou por conta dessa limitada missão. Quando percebi que o “apadrinhamento” do guru obstaculizava gravemente a minha atuação à frente do Ministério, pedi as contas. Considerei que não valia a pena o desgaste de uma gestão para a qual me faltava liberdade de ação, pois os parâmetros eram formulados fora do governo, com exigências absurdas de demissão dos meus principais colaboradores, acusados de pouca ortodoxia ideológica. Fui acusado de ter “tucanado”, sem jamais ter optado pela social-democracia, pois sempre adotei uma posição liberal independente.

Participei da etapa inicial como Ministro da Educação do Presidente Bolsonaro, ao longo dos cem primeiros dias do novo governo. Centrei a atenção no desmonte da maquinaria petista, no terreno educacional, não apenas na guerra ideológica. Nos três meses durante os quais permaneci à frente do MEC, elaborei o primeiro esboço das reformas a serem implementadas no Ensino Básico, Fundamental, Profissionalizante de Segundo Grau e Superior. Neste último campo, propus um modelo a ser adotado no que tange ao processo de escolha de reitores para as nossas Universidades públicas, a fim de libertá-las das exigências “orçamentívoras” dos sindicatos controlados por militantes.

O caminho escolhido por mim foi o da elaboração de projetos de lei que materializassem as reformas a serem feitas. No terreno do ensino básico e fundamental, centrei a atenção na formação de professores, criando a Secretaria de Alfabetização. Essa formação, auxiliada de início pela adoção do método fônico, tinha como missão preparar professores que ensinassem às crianças os fundamentos práticos da linguagem falada e escrita, bem como as bases cognitivas da matemática. Era necessário mudar o panorama existente de formação de professores em Faculdades de Pedagogia, altamente ideologizadas pela militância de esquerda, que tinha centrado tudo no modelo educacional de Paulo Freire (1921-1997), dirigido à implantação do socialismo sob o viés gramsciano. Considero que a queda brasileira nos índices de aprovação dos nossos alunos do Ensino Fundamental nas provas internacionais, decorre justamente da falta de domínio da linguagem e do desconhecimento das bases da matemática por parte das crianças e adolescentes. Convenhamos que a disseminação da ideologia socialista não é uma fórmula mágica para formar docentes.

Era necessário modificar radicalmente a formação de mestres, para o qual o meu propósito era reabilitar as antigas Escolas Normais voltadas para a prática do ensino. Considerei que corresponderia a duas Secretarias do MEC, a do Ensino Básico e a de Alfabetização, cuidar das reformas pertinentes à base da pirâmide educacional. Das reformas para a gestão das Universidades Públicas cuidariam a SESU e a CAPES. Das reformas pertinentes à consolidação de um Segundo Grau Profissionalizante cuidaria sobretudo a Setec.

Sem essas reformas, a educação brasileira em todos os seus níveis passou a refletir a inadequada formação dos alunos, que se manifesta no baixo nível acadêmico e no mau desempenho nas provas internacionais. Uma consequência adicional desse estado de coisas é o quase nulo interesse dos estudantes brasileiros pelas questões cívicas, fato que se revela na indiferença dos jovens em face das eleições. Os estudantes que poderiam ingressar na vida política como novos eleitores, simplesmente não se interessam pelos pleitos eleitorais. Pesquisa de imprensa mostra que “apenas 10% dos jovens de 16 e 17 anos inscreveram-se até agora para votar em outubro. O regime democrático não funciona bem se a juventude está alheia à política” [“O país precisa dos votos dos jovens”, Editorial do jornal O Estado de S. Paulo, 13-03-2022, p. A3].

É claro que esse fenômeno negativo é também potencializado pela estrutura arcaica dos partidos políticos, incapazes de dialogar com os mais jovens utilizando os recursos da internet, por exemplo. Seria necessário que as próprias siglas partidárias se interessassem em oferecer aos membros, especialmente aos mais jovens, alguns cursos de formação. É o que sugere, por exemplo, o cientista político da USP José Alvaro Moisés. “Esse trabalho, segundo ele, deveria incluir a realização de cursos de formação dentro dos partidos e o fortalecimento do ensino de conceitos políticos e do funcionamento de cada um dos três Poderes da República dentro da escola” [Gustavo Côrtes e Davi Medeiros, “Eleições 2022 – Baixa renovação dos partidos afasta jovens das urnas”. O Estado de S. Paulo, 6-03-2022, p. A7].

Iniciativa nesse sentido, absolutamente pioneira no Brasil, foi empreendida em 1982 pelo então decano de Extensão da Universidade de Brasília, o diplomata e professor Carlos Henrique Cardim, que juntamente com o professor Antônio Paim criou o Curso de Introdução ao Pensamento Político Brasileiro, oferecido pelo sistema de ensino à distância. Colaborei com entusiasmo nessa empreitada acadêmica. Quando a reitoria da UnB passou às mãos do PT em 1985, com a eleição de Cristovam Buarque, essa experiência simplesmente foi abandonada.

Algo semelhante ocorreu com o Núcleo de Ensino à Distância da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, criado no final dos anos 90 por iniciativa do professor Antônio Paim e do vice-reitor acadêmico dessa instituição, o capitão de mar e guerra Manuel José Gomes Tubino, com a colaboração do professor e diplomata Carlos Henrique Cardim. Depois de ter-se firmado como uma continuação fecunda da experiência original da UnB, (foram oferecidos Cursos sobre Introdução ao Pensamento Político Brasileiro, o Liberalismo, a Social-Democracia, etc.), o Núcleo terminou sendo fechado, infelizmente, alguns anos depois, na virada do milênio, ao ensejo da suspensão, pela CAPES, do Curso de Pós-graduação em Pensamento Luso-Brasileiro.

Parte da responsabilidade pelo desinteresse dos jovens com a política recai também sobre o sistema de ensino, que ainda não sabe preparar os jovens para utilizar de forma eficiente os recursos digitais, na construção de uma participação cidadã. Isso foi revelado pela enquete realizada recentemente pelo Pew Research Center, entre mais de 400 especialistas em tecnologia.

As conclusões da mencionada pesquisa foram quatro: 1 – “Em geral, os entrevistados esperam por um ambiente digital ubíquo – mesmo imersivo – que promova o conhecimento baseado em fatos, ofereça melhores defesas aos direitos individuais, empodere vozes diversas e forneça ferramentas para inovações e colaborações tecnológicas que solucionem as mazelas mais graves do mundo”. 2 – “Grande parte espera por plataformas inovadoras capazes de codificar formas de discurso e facilitar conversas mais honestas e menos disruptivas”. 3 – “Há grandes expectativas na capacidade das comunidades digitais de coletar e publicar conhecimentos baseados em evidências e de construir uma cultura de educação contínua baseada na colaboração de pessoas ao redor do mundo”. 4 – Como enfatizou um dos participantes da pesquisa, Mike Liebhold, do Institute for the Future, “é necessária uma revolução na educação tecnológica e serviços de mídia para ajudar as populações a se adaptarem com segurança às mudanças radicais na experiência digital esperadas para 2035” [“Revolução digital pelo bem comum”, in: O Estado de S. Paulo, Editorial, 13-03-2022, p. A3].

Uma última observação. O programa de criação de Escolas Cívico-Militares do atual governo revelou-se uma iniciativa de grande importância, para acordar nos alunos a consciência dos seus deveres cívicos e estimula-los a uma participação política construtiva, afastando os jovens do consumo de drogas e da criminalidade e retomando as aulas de “Educação Moral e Cívica” que foram abandonadas nos governos da Nova República. O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares constitui uma iniciativa do Ministério da Educação, em parceria com o Ministério da Defesa. Esse programa é realizado hoje em 26 estados, com a participação de 127 escolas públicas (estaduais e municipais) que atendem um número aproximado de 83 mil famílias.

BIBLIOGRAFIA

AFFONSO, Júlia; FRAZÃO, Felipe; PIRES, Breno [2022]. “Gabinete paralelo de pastores controla agenda e verba do MEC”, O Estado de S. Paulo, 18-02-2022, pp. 1 e A8.

ALMEIDA, Alberto Carlos [2006]. Por que Lula? Rio de Janeiro: Record.

ALMEIDA, Alberto Carlos [2007]. A cabeça do brasileiro. Rio de Janeiro: Record.

ALMEIDA, Alberto Carlos [2021]. “Lula não retornou, Lula permaneceu”. In: Revista Veja, São Paulo, edição de 16 de março de 2021. (Artigo em colaboração com Marcos Paulo Campos).

CARVALHOSA, Modesto [2021]. Uma nova Constituição para o Brasil. São Paulo: LMV Editora.

CARVALHOSA, Modesto [2022]. “O STF e a consolidação do patrimonialismo” in: O Estado de S. Paulo, 9/03/2022, p. A4.

CÔRTES, Gustavo Côrtes e MEDEIROS, Davi [2022]. “Eleições 2022 – Baixa renovação dos partidos afasta jovens das urnas”. O Estado de S. Paulo, 6-03-2022, p. A7.

EDITORIAL [2022]. “O país precisa dos votos dos jovens”, in: O Estado de S. Paulo, 13-03-2022, p. A3

EDITORIAL [2022]. “Revolução digital pelo bem comum”, in: O Estado de S. Paulo, 13-03-2022, p. A3.

PAIM, Antônio [2014]. Momentos decisivos da história do Brasil. (2ª edição revista e ampliada). Campinas: CEDET / Vide Editorial.

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [2015]. A grande mentira: Lula e o patrimonialismo petista. Campinas: Vide Editorial.

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [2017]. Patrimonialismo e a realidade latino-americana. 2ª edição corrigida e aumentada. Rio de Janeiro: BIBLIEX,.

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [2020]. Da esquerda para a direita - A minha opção liberal-conservadora. (Apresentação de Antônio Paim; Prólogo de Darío Montoya, embaixador da Colômbia no Brasil; edição preparada por Antônio Roberto Batista e E. Daher). Campinas: Távola Editorial.