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JOSÉ CARLOS RODRIGUES (1950-2021) - IN MEMORIAM

JOSÉ CARLOS RODRIGUES (1950-2021) - IN MEMORIAM

O PROFESSOR JOSÉ CARLOS RODRIGUES E A SUA ESPOSA, BERNADETE, EM 2018

Faleceu recentemente, no dia 10 de setembro, em Juiz de Fora, o professor José Carlos Rodrigues. Encontrei ele pela última vez quando da homenagem que me foi prestada pelos meus ex-alunos de Filosofia da UJFJ, ao ensejo do Colóquio Antero de Quental realizado nessa Universidade, em junho de 2019, conjuntamente com o Instituto de Filosofia luso-brasileira de Lisboa e com apoio do UNIPTAN (Centro Universitário Tancredo Neves de São João del Rei). Tive então a oportunidade de rever José Carlos, e outros amigos como Lucas Berlanza, Eduardo José Passarella Freire, José Esteves Pereira, Arsênio Corrêa, José Afrânio Vilella, Antônio Campolina Martins, José Maurício de Carvalho, Humberto Schubert Coelho, Luciano Caldas Camerino, Renato Epifânio e Manuel Cândido Pimentel.

José Carlos, a quem conheci quando realizamos os estudos de doutorado na Universidade Gama Filho entre 1979 e 1982, foi orientado, como eu, pelo saudoso Mestre Antônio Paim (1927-2021). José Carlos defendeu, em 1982, a tese de doutorado, que teve como título: Ideias filosóficas e políticas em Minas Gerais no século XIX. Essa tese foi publicada, em 1986, em coedição pelas editoras Itatiaia, de Belo Horizonte e EDUSP, de São Paulo. O professor José Carlos foi mais um eficiente gestor educacional do que um escritor.

Escreveu, entretanto, valiosos ensaios filosóficos e de história das ideias, entre os quais lembramos os seguintes: “O krausismo em Portugal e a sua repercussão no Brasil”, (Revista Ciências Humanas, Rio de Janeiro, Universidade Gama Filho, Volume V, número 18, janeiro-março de 1981: pp. 15-17); “A Filosofia alemã” (publicado nos Anais do 1º Encontro Nacional de Professores e pesquisadores da Filosofia Brasileira, Londrina: Universidade Estadual de Londrina / Centro de Estudos Filosóficos de Londrina - CEFIL, 1989, Vol. I); “A filosofia política de Hobbes no Leviatã”, (publicado no Boletim da II Semana do Professor, Juiz de Fora, volume I, nº 1: pp. 4 ss., 2000); “Metafísica e subjetividade”, (Anais da Semana de Filosofia, Juiz de Fora: UFJF, 2011); “Prefácio” à obra de Mara Conceição, intitulada: A sagração da crítica do discurso político: Murilo Mendes e Gianni Vattimo, (Juiz de Fora: Editora da FUNALFA, 2008); “Prefácio” à obra de Paulo Klinger de Souza, intitulada: Dialética e liberdade em Locke, (publicada em Londrina pelas Edições Humanidades, em 2003); “Prefácio” à obra de Mário José dos Santos, intitulada: Os Pré-Socráticos (publicada pela Editora da Universidade Federal de Juiz de Fora em 2001); “O neokantismo no Brasil e em Portugal”, (Revista Convivium, São Paulo, vol. 36: pp 102-119, 1993); “A disciplina Filosofia no Brasil na Universidade” (Revista Brasileira de Filosofia, vol. 35, pp. 305-308, 1985)

Em 1983, quando, a convite do Paim, me vinculei à Pós-graduação da Gama Filho como docente, fui convidado pelo professor José Carlos para visitar a Universidade Federal de Juiz de Fora, onde ele tinha organizado o Curso de Pós-Graduação em Pensamento Político Brasileiro, um programa inspirado no que, na Universidade Estadual de Londrina, eu tinha criado em 1982.

Eu e o Paim fomos convidados pelo José Carlos como professores visitantes do Mestrado em Pensamento Brasileiro, que ele criou na UFJF em 1984, tendo sido este o primeiro Curso de Mestrado dessa Universidade. Desses tempos data a estreita amizade que iniciei com José Carlos, com a sua esposa Bernadete e os filhos Arthur e Bernardo.

Na Universidade Gama Filho, tive oportunidade de ser orientador de colegas do professor José Carlos que cursaram o doutorado em Filosofia. Foram eles os saudosos Mário José dos Santos e Aristóteles Ladeira Rocha, Joel Neves, Pedro Paulo de Araújo Ferreira, Luciano Caldas Camerino, docente do Departamento de Ciências Sociais e Mário Sérgio Ribeiro que lecionava na Faculdade de Medicina da UFJF. Também orientei, no doutorado da Universidade Gama Filho, professores da antiga Faculdade Salesiana “Dom Bosco” de São João del Rei com a qual colaborava o professor José Carlos. Provenientes dessa Faculdade eram Thiago Adão Lara (que foi orientado por Antônio Paim), José Maurício de Carvalho, Mariluze Ferreira de Andrada e Silva, Adelmo José da Silva e os padres Fábio Rômulo Reis e Sílvio Firmo do Nascimento (que foram orientados por mim).

Quando, em 1984, a Universidade Federal de Juiz de Fora abriu concurso para professor do Departamento de Filosofia, a convite do José Carlos fiz inscrição, tendo sido aprovado como professor do Departamento de Filosofia. Passei, então, a atender a graduação, lecionando a disciplina “Cosmologia” e mantive a minha vinculação com o novo Mestrado. A bem da verdade, eu tinha concursado com o intuito de me dedicar integralmente à Pós-graduação. José Carlos pensava diferente: considerava que professores doutores deveriam também prestar os seus serviços na Graduação, com a finalidade de criar linhas de pesquisa que incentivassem no aprofundamento dos autores clássicos. Com o correr dos anos, tirei a conclusão de que o meu saudoso amigo estava certo. As atividades de pesquisa e a seleção dos alunos interessados realizam-se já na graduação, como ocorre, aliás, em grandes centros universitários da Europa e dos Estados Unidos.

Vivenciei isso ao ensejo da minha pesquisa de pós-doutorado, realizada no prestigioso Centro de Pesquisas Raymond Aron, da Haute École des Sciences Sociales em Paris, onde fui orientado pela professora doutora Françoise Mélonio. Ela me contou que uma das suas atividades fundamentais consistia em preparar conferências para os alunos da graduação em Letras da Universidade da Sorbonne, em Paris, que em número de 700 a 800 assistiam, semestralmente, às conferências dos grandes pesquisadores. Talvez se tivéssemos no Brasil esse compromisso dos professores doutores que atendem à pós-graduação, o nível das nossas Universidades Públicas seria bem melhor.

O professor José Carlos era, também, como já foi destacado, um incentivador das atividades acadêmicas de pós-graduação. Colaborou na elaboração de projetos nessa área com a Faculdade de Educação e também com o Departamento de Ciências da Religião da UFJF, que iniciou um Curso de Especialização, o qual evoluiu, com o correr dos anos, para Mestrado e, depois, para Doutorado. Ajudou também o Departamento de Ciências Sociais a dar os primeiros passos na organização de Cursos em nível de pós-graduação. Colaborou com várias instituições mineiras na organização de Cursos de Pós-graduação. Tais instituições foram o Centro de Estudos Superiores de Juiz de Fora - CES, que organizou o programa de Mestrado em Educação, bem como a Universidade do Vale do Rio Verde em três Corações, que desenvolveu programas de Mestrado e Doutorado em Educação.

Na atividade de professor da Pós-graduação, José Carlos orientou 13 monografias (na UFJF), 11 dissertações de mestrado (na UFJF e na Universidade Vale do Rio Verde em Três Corações, MG), participou de 23 bancas examinadoras de Mestrado (na UFJF, na UFRJ e na Universidade do Vale do Rio Verde em Três Corações) e de 3 bancas de doutorado (na UFRJ e na Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro).

Na parte correspondente à gestão universitária, o professor José Carlos deu muita importância ao desenvolvimento de Planos de Gestão que renovassem a base administrativa dos cursos de graduação e de pós-graduação. Trabalhou, ao longo de décadas, no sentido de aprimorar a gestão acadêmica. Trabalho silencioso, mas de rara eficácia, no que tange à melhora dos níveis de atendimento aos alunos, quer da graduação, quer da pós-graduação. Enxergava longe no terreno da gestão, se sobrepondo às naturais rusgas burocráticas, tão comuns nos nossos centros de ensino. Lembro-me de que, novo professor do Curso de Filosofia, aprovado em concurso em 1984, terminei me indispondo com o coordenador, por questões de programação do horário. Exaltado, escrevi a minha carta de renúncia. Sem dizer palavra, o professor José Carlos procurou-me e rasgou, na minha frente, a carta demissionária, ponderando que isso não era solução coisa nenhuma e que, quando o ambiente se serenasse, conversaríamos. Não fosse a atitude mineira do meu amigo, teria perdido a oportunidade de desenvolver o trabalho que, durante décadas, realizei na UFJF com grande satisfação, tendo chegado a me aposentar por tempo de serviço nessa Instituição, em 2013. Ainda agradeço a José Carlos por essa sua prudente atitude, fruto da amizade entre nós cultivada ao longo de anos.

José Carlos era, politicamente, um liberal. Incomodava-se com os rumos cartoriais e autoritários dados à gestão universitária pelo PT. Em 1989, colaborei com ele na campanha para eleição de reitor, tendo sido eleito e nomeado nosso candidato, o ex-aluno do Mestrado em Filosofia, o professor Eduardo Miguel Passarela Freire.

José Carlos Rodrigues foi membro fundador da Academia Brasileira de Filosofia, tendo ocupado a cadeira de número 23, cujo patrono é o médico e escritor juiz-forano Antônio da Silva Melo (1886-1973). Tendo feito os estudos completos de Filosofia e Teologia no Seminário de São João del Rei, José Carlos, após exercer a função clerical durante alguns anos, retirou-se da vida eclesiástica e passou a ser professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Conservou, no entanto, nexos de amizade e colaboração com a hierarquia, tanto em São João del Rei quanto em Juiz de Fora. Grande foi a amizade que teve com Monsenhor Luíz de Freitas, ex-reitor do Seminário de Santo Antônio em Juiz de Fora e pároco da Igreja de São Matheus na mesma cidade. Dom Luíz era um sacerdote de cunho liberal tradicional, à maneira do “Pároco da Aldeia”, belamente caracterizado por Alexandre Herculano (1810-1877) no seu famoso romance. Ou seja, um clérigo aberto ao mundo e à pluralidade das ideias, com uma concepção liberal-conservadora que o levava a dialogar com todos e com especial sensibilidade em face daqueles que, tendo sido sacerdotes, por motivos pessoais tinham abandonado a vida clerical. Lembro-me de que Monsenhor Luiz, na casa paroquial de São Matheus, tinha, sempre, um apartamento preparado para “esses meninos”, os jovens ex-padres, para quando quisessem ter um tempo de recolhimento. Não foram poucas as vezes em que, em companhia do professor Antônio Paim (que tinha grande apreço por Monsenhor Luíz), nos reunimos, com José Carlos e Mário José dos Santos (outro jovem ex-padre) na casa paroquial para conversar, descontraidamente, sobre os rumos do Brasil, do pensamento brasileiro e da educação humanística.