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MESSIANISMO POLÍTICO, UTOPIA E LIBERTAÇÃO

MESSIANISMO POLÍTICO, UTOPIA E LIBERTAÇÃO

O CONDE  CLAUDE-HENRI DE SAINT SIMON (1760-1825), FORMULADOR DO MESSIANISMO POLÍTICO MODERNO

Ao ensejo da formulação de uma “Teologia dos Pobres” ou “Teologia da Libertação”, surgiu na América Latina, ao longo dos anos 70 e 80 do século passado, uma “Filosofia da Libertação” que se singulariza porque parte, à maneira medieval, dos pressupostos básicos do discurso teológico, para arrazoar ao redor deles. Configura-se, assim, o tradicional modelo da “Philosophia Ancilla Theologiae” que caracterizou às grandes sínteses doutrinárias do século XIII, mas que acompanhou, também, a filosofia pensada ao ensejo da Segunda Escolástica. Diríamos que não houve mudança de paradigma: o hodierno discurso filosófico que se pretende mais latino-americano, o Libertador, é fiel à velha tradição de filosofar à sombra da teologia.

O tema acerca do qual versa a Filosofia da Libertação também não é novo: a questão da pobreza. Essa problemática, de caráter eminentemente moral, vem sendo objeto de reflexão desde o século XIX. Os doutrinários franceses, notadamente François Guizot (1787-1874), debruçaram-se sobre ela, bem como a geração posterior, cujo mais importante representante na França foi Alexis de Tocqueville (1805-1859) [cf. Vélez. 1998, 1999]. Mas não somente seria discutida a mencionada problemática do ângulo liberal. Também aprofundaram nela autores de outras tendências como Claude-Henri de Saint Simon (1760-1825) e Augusto Comte (1798-1857). Na França do final do século XIX aparece uma importante contribuição metodológica com a escola de Frédéric Le-Play (1806-1882): a problemática da pobreza precisa ser discutida à luz de uma delimitação clara da mesma, utilizando o método monográfico. Essa será a perspectiva que passará a influenciar nos autores brasileiros como Sílvio Romero (1852-1914) e os demais teorizadores do chamado “culturalismo sociológico”. Na Inglaterra, à época de Tocqueville, a questão ganhou grande relevo com John Stuart Mill (1806-1873), os Fabianos e os primeiros ideólogos do Labour Party. A reflexão de Karl Marx (1818-1883) insere-se no primeiro ciclo da meditação sobre a problemática, mais ou menos na mesma época em que Stuart Mill desenvolveu as suas análises. Anotemos que a atualidade da discussão sobre a pobreza decorre da sua situação no terreno da moral: sempre será válido meditar sobre as questões relacionadas ao ideal da justiça, como expressão da nova realidade ontológica destacada pela cultura judaico-cristã: todos somos filhos de Deus, criados à sua imagem e semelhança. Se este é um princípio válido, por que as enormes disparidades sociais? Mais ainda: se o Cristianismo apregoa como mandamento fundamental o amor ao próximo, que sentido têm as injustiças sociais? A reflexão sobre a pobreza e o equacionamento desse problema possuem, portanto, grande apelo moral. Situa-se nesse contexto o valor do chamado décimo-primeiro mandamento, que teria sido explicitado por Marx: Não explorarás o trabalho alheio.

Já desde os primórdios da discussão, apareceram claramente delineadas duas alternativas teóricas: de um lado, a dos que colocavam a questão em termos de uma multiplicidade de variáveis, sendo a econômica uma delas, mas sem pretender reduzir as outras a ela, por se tratar de uma alternativa multidisciplinar e aberta. De outro lado, a alternativa dos autores que absolutizavam a variável econômica, pretendendo reduzir toda a análise da pobreza a essa perspectiva. Um exemplo da primeira alternativa seria a forma em que os doutrinários e Tocqueville abordaram a questão. Um exemplo da segunda alternativa, seria a forma em que Marx formulou o seu materialismo histórico para, a partir de uma perspectiva em que as relações de produção eram consideradas como a base de todo o edifício social, passar a discutir e equacionar o problema da pobreza em termos estritamente econômicos.

É importante destacar que, ao ensejo da primeira forma de abordagem surge, como resposta, um modelo de sociedade plural, em que são reconhecidas várias ordens de interesses, sem que se pressuponha que, para resolver a questão da pobreza, seja necessário reduzir a sociedade a uma única variável. O modelo postulado pela primeira abordagem é o liberal. Paralelamente, ao ensejo da segunda forma de abordagem, surge uma sociedade entrópica, em que todos os interesses devem ser reduzidos a uma única ordem: a do bem público, com explícita eliminação dos interesses particulares.

Decorrente do centripetismo desenvolvido nas sociedades ibero-americanas pelo Estado Patrimonial, a abordagem da problemática da pobreza não percorreu, nas nossas culturas latino-americanas, o caminho liberal do reconhecimento de múltiplas variáveis, entre as que se inseriria a econômica. Paralelamente, a solução apontada não poderia ser a liberal, que apresentasse um modelo de sociedade plural, organizada em diversas ordens de interesses. A solução viria, de forma vertical, a partir da identificação de uma ordem única de interesses, os correspondentes a um vaporoso bem público, que historicamente correspondeu, nas nossas sociedades, à defesa dos interesses da nomenklatura manipulada pelos donos do poder. Solução de tipo rousseauniano, que foi explicitamente cultuada pelo libertador Simón Bolívar (1783-1830) e que ainda hoje emerge travestida de diferentes maneiras, sob as roupagens populistas do peronismo, do varguismo, do castrismo, do chavismo, do fujimorismo, do sandinismo, do farquismo, etc.

Inserida no arquétipo rousseauniano, a solução à problemática da pobreza não poderia deixar de ser apresentada nos moldes do messianismo político. Porque ele é da essência do pensamento político do filósofo de Genebra. O meio para restabelecer o equilíbrio numa sociedade injusta, para Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), seria muito simples: que todos os cidadãos se identificassem com a vontade geral, que seria a expressão do predomínio do bem público em todos os espíritos. Os puros (aqueles que se identificaram totalmente com o interesse público, tendo se despido dos interesses particulares) seriam os chamados a enquadrar a sociedade nesse marco de ferro. Esses puros encarnariam a missão messiânica de serem os salvadores da pátria. Ora, a Teologia da Libertação emerge no contexto latino-americano, amarrada ao modelo do messianismo político moderno, que já tinha inspirado as Revoluções Francesa (1789) e Bolchevique (1917). Mas convém destacar um aspecto importante: como a versão mais completa de messianismo político que se consolidou no século XX foi a do marxismo-leninismo, a Teologia da Libertação passou a ser cooptada por esse viés teórico, que terminou conferindo ao discurso libertador ampla conotação totalitária.

Em decorrência dessa particularidade, serão analisados aqui os singulares fenômenos do Messianismo Político e da Teologia da Libertação, a partir dos quais se formula a Filosofia Libertadora. Comecemos, no entanto, por destacar o aspecto essencial da Filosofia da Libertação: ela se caracteriza porque pretende elaborar uma releitura de toda a cultura ocidental, radicalmente interpretada à luz da dialética opressor-oprimido, que constitui a chave mestra do marxismo-leninismo.

1 – Índole radical e totalizante da Filosofia da Libertação.

Dois autores, no segundo pós-guerra, salientaram os traços essenciais do totalitarismo: no plano da ficção, George Orwell, pseudônimo do jornalista inglês Eric Arthur Blair (1903-1950). autor da conhecida obra de ficção intitulada: 1984; no terreno da sociologia do conhecimento, a filósofa política alemã de origem judaica Hannah Arendt (1906-1975). Na obra The Origins of Totalitarianism (1951), esta escritora caracterizou o totalitarismo hodierno sob os três aspectos em que se manifestou: antissemitismo, imperialismo e totalitarismo como paroxismo do poder. Neste último aspecto, Hannah Arendt salienta que um dos pontos marcantes do totalitarismo é a substituição da busca da verdade e da comunicação entre as pessoas, pela propaganda. No caso da propaganda comunista, dá-se a pretensão de instaurar cientificamente um único discurso, cuja validade deve ser aceita por todos; quem se situar do lado de fora desse discurso, é ameaçado com a possibilidade de ser substituído pela história, de se atrasar irremediavelmente em relação ao tempo, de esbanjar a sua vida inutilmente. Como na moderna propaganda, tudo é afirmado em nome do progresso e da ciência.

Orwell salientou, na sua anti-utopia 1984, outro aspecto importante da propaganda totalitária: a técnica do duplipensar. Tudo, no universo do discurso, deve levar a reforçar o estado de poder total; por isso, nenhuma brecha deve ser deixada sem cobertura pelo discurso ideológico do totalitarismo. Termos que porventura ameaçarem a verdade dos detentores do poder devem ser banidos, junto com aqueles que ousarem pronunciá-los. Todos sabemos da ingente tarefa que significa reescrever a história, de que se desincumbia o Ministério da Verdade orwelliano [cf. Orwell, 2021].

As referências a Orwell e a Hannah Arendt tornam-se necessárias para avaliar adequadamente o surto de literatura de inspiração totalitária aparecida na América Latina, ao longo das últimas décadas do século passado e no que vai corrido do século XXI. Sob o pomposo título de Filosofia ou Teologia da Libertação, inúmeras publicações aparecem todos os anos. No Brasil, é claro o compromisso das maiores editoras católicas com esse surto ideologizante – favorecido hodiernamente pela ascensão do Papa Francisco, que optou por prestigiar essa tendência, tendo inclusive canonizado um dos artífices da teologia libertadora em El Salvador, o falecido bispo dom Oscar Romero (1917-1980). É imperativa, pois, uma avaliação crítica das obras mais representativas.

Nesse contexto de ideologia totalizante situa-se a obra do argentino Enrique Dussel (1934-) intitulada: Filosofia da Libertação na América Latina (1983). Como em toda ideologia a serviço do poder total, interessa construir uma nova visão de mundo, em que todos os fatos sejam reinterpretados em função do leitmotiv que constitui o ponto nevrálgico do sistema: a libertação dos oprimidos. A história polarizar-se-á entre exploradores e explorados. Exploradora será a filosofia europeia (chamada do Centro); explorada é a filosofia da Periferia, inserido aí o pensamento latino-americano. Na trilha do duplipensar orwelliano, o autor vai peneirando, em monótona sequência, a história do pensamento ocidental: qualquer surto renovador teria emergido da Periferia, mesmo que para isso o autor tenha de fazer incríveis acrobacias mentais para imaginar um Kant (1724-1804)  ou um Descartes (1596-1650) “periféricos”!

A Filosofia da Libertação apregoada por Dussel é omnicompreensiva. Como boa ideologia total, não deve deixar de fora nenhum átomo da realidade. Tudo deve ser reinterpretado. Assim, o livro em apreço torna-se um tratado de omni re scibili et de quibusdam aliis, ou como diríamos em bom português é um angu epistemológico. Basta examinarmos o conteúdo da obra para perceber isso: em escassas 284 páginas à Filosofia da Libertação são aproximadas a geopolítica, a mitologia, a sexologia, a política, a psicologia, a religião o lazer, a macrofísica, etc. Tudo deve entrar na inevitável ciranda libertadora.

A Filosofia da Libertação, na visão de Dussel, cumpre perfeitamente com a tarefa intimidatória de todo discurso totalitário: quem ficar do lado de fora é irremediavelmente expulso da história. O verdadeiro sentido dela repousa, de maneira inexorável, na praxe revolucionária dos que lutam por libertar os oprimidos. “A Filosofia da Libertação – frisa o autor - pretende (...) formular uma metafísica (...) exigida pela praxis revolucionária e pela poiesis tecnológica, a partir da formação social periférica, que se estrutura em maneiras de produção completamente entrelaçadas. Por isso é necessário (...) descrever o sentido da praxis de libertação que somente de forma parcial vislumbram os críticos pós-hegelianos de esquerda europeus e que somente a praxis dos atuais povos oprimidos da periferia, da mulher violada pela ideologia machista e do filho domesticado podem, na realidade, revelar-nos” [Dussel, 1983: 21].

A Filosofia da Libertação que nos propõe Dussel é mais uma expressão do dogmatismo marxista-leninista formulado na América Latina e possui a rara virtude de esterilizar a reflexão filosófica, tornando-a mera adjacência de um todo mais amplo, identificado com o esdrúxulo processo radical, que conduziu às ditaduras totalitárias em Cuba, na Venezuela e na Nicarágua.

2 – Messianismo Político e Teologia da Libertação.

Jacob Leib Talmon (1916-1980) fez uma completa caracterização do messianismo libertador na sua clássica obra intitulada: Messianismo Político [Talmon, 1969]. A influência do saint-simonismo, do ponto de vista político, teve ampla repercussão em autores tão variados quanto Augusto Comte, Jules Michelet (1798-1874), Giuseppe Mazzini (1805-1872) e o próprio Karl Marx.

Um profundo sentimento apocalíptico empolgava ao conde Claude-Henri de Saint-Simon, que apregoava o nascimento de uma religião universal, a qual imporia a organização pacífica da sociedade. Eis um trecho que revela claramente tal sentimento: “Isto é o que dissemos sem dilação: os dias das soluções incompletas chegaram ao fim. É necessário dirigir-se resolutamente em direção ao bem geral. É a verdade na sua totalidade o que deve ser salientada perante as circunstâncias atuais: é chegado o momento da crise. Essa crise profetizada por muitos dos textos do Antigo Testamento e para a qual, durante muitos anos, têm-se preparado as sociedades bíblicas, é a crise cuja existência acaba de demonstrar a instituição da Santa Aliança, união fundada nos mais generosos princípios da moralidade e da religião. Esta é a crise que os judeus esperaram desde quando, expulsos do seu país, têm andado errantes, vítimas de perseguições, sem jamais renunciar à esperança de ver o dia em que os homens conviveriam como irmãos. Finalmente, essa crise tende diretamente ao estabelecimento de uma religião autenticamente universal e a impor a todos uma organização pacífica da sociedade” [apud Talmon, 1969: 21].

Saint Simon encarava, dessa forma, autenticamente messiânica, a crise sofrida pela sociedade francesa após a Revolução de 1789. Diante da desagregação ensejada pelo Jacobinismo e o Terror, o filósofo apresentava-se como peça-chave para a redenção, não somente da França, mas de toda a Humanidade. A respeito, escreve Talmon. “Estava convencido de ser um Napoleão (1769-1821) da ciência e da indústria pela promessa que lhe fez Carlomagno (748-814), durante um sonho que teve quando esteve preso na cadeia de Luxemburgo em 1774, de que conseguiria tanta glória como filósofo, quanto o seu famoso antecessor tinha alcançado nas artes da guerra e do governo (...)” [Talmon, 1969: 22-23].

O conde Saint-Simon assistiu passivamente à Revolução Francesa como observador arguto, em que pese o fato de ter sido eleito, em 1790, como presidente da Assembleia Eleitoral da sua comuna, o que motivou a renúncia ao título de nobreza. Anos atrás, o jovem nobre tinha participado como voluntário do exército que, sob o comando do general Lafayette (1757-1834), ajudou os revolucionários americanos a proclamar a independência das treze colónias, em 1776. A Revolução Francesa não foi, no sentir de Saint- Simon, uma révolution régéneratrice, mas um espetáculo de destruição, de inútil debate e de desordem social. Frisava a respeito dessa situação crítica: “É a falta de ideias gerais o que nos tem levado à ruína; não poderemos renascer autenticamente senão com a ajuda de ideias gerais; as velhas ideias caíram (...) e já não é possível rejuvenesce-las. Precisamos de ideias novas (...), um sistema, quer dizer, uma forma de opinião que seja, por natureza, cortante, absoluta e exclusiva” [Apud Talmon, 1969: 26].

Ao passo que Saint-Simon desconhecia o valor de heróis aos protagonistas da História da França, considerava, pelo contrário, que Napoleão Bonaparte encarnava esse valor, não por ter sido militar ou conquistador, mas pelo fato de ter-se firmado como “o chefe científico da Humanidade (...) e a sua cabeça política” [apud Talmon, 1969: 26], tendo legislado alicerçado em princípios racionais.

Saint-Simon preocupou-se por achar um princípio total que permitisse a explicação racional do universo. Nessa busca, inspirado nas descobertas de Pierre Simon de Laplace (1749-1827) no terreno da física e da astronomia, terminou professando uma visão determinística do homem, que Talmon caracterizou assim: “(...) O homem é como um pequeno relógio dentro de outro maior, o universo, do qual recebe a energia para movimentar-se. Saint-Simon sonhava com deduzir passo a passo as leis determinantes do universo em ordem de sucessão (...) para, no final, chegar às leis da organização social mediante a reconstrução prévia da interdependência do orgânico e do inorgânico, dos corpos fixos e dos fluidos, da matéria e do movimento”. Nesse contexto, a sociedade é concebida como “verdadeira máquina organizada” ou como um “organismo” que, ao longo dos tempos, criou os seus próprios órgãos para se adaptar às diferentes situações. A unidade inteligível da História não é nem o Estado, nem a Nação, mas a sociedade organicamente considerada. As suas forças e processos não são criação deliberada de ninguém, mas frutos do organismo social.

O essencial dos processos sociais é representado, no entanto, pelos sistemas filosóficos que seriam, assim, o principal mecanismo de adaptação do organismo social às diferentes épocas. Como frisa Talmon, todo o sistema social é, assim, “a aplicação de um sistema filosófico. A religião, a política, a moral, a instrução pública, não são mais do que reflexo e aplicação de um sistema de ideias, uma Weltanschauung (...)” [Talmon, 1969: 30]. Dado o caráter orgânico da sociedade, a expressão dos sistema de ideias corresponde, nas diferentes épocas históricas, a uma cabeça que pensa pelo todo social. Como frisa Émile Bréhier (1876-1952), Saint Simon “é aristocrata demais para poder acreditar que o povo, em cujo favor trabalha, seja capaz de fazer alguma coisa em prol de sua renovação” [Bréhier, 1948: 2, 712]. Assim, é importante identificar aquele ator social a quem corresponderia a tarefa de explicar o novo sistema de ideias, que regeneraria a sociedade após a Revolução Francesa.

Na formulação do plano salvífico da sociedade por parte de uma elite, o pensamento saint-simoniano percorreu duas etapas: uma, cientificista e outra, religiosa. Essa dupla feição é típica também de um discípulo de Saint-Simon: Augusto Comte, cuja obra oferece essa dupla vertente de cunho cientificista e religioso-dogmático. Na primeira fase da sua obra, o mestre de Comte, Saint Simon, considerava que a elite pensante que presidiria como como cabeça o corpo social, devia ser integrada pelos industriais, que figuravam à frente do sistema produtivo. A sua gestão na sociedade não se revestiria do caráter coercitivo das épocas anteriores, pois prevaleceria não a força, mas a razão das coisas. Todo o trabalho a ser feito consistiria, portanto, em explicar a cada um o lugar que deveria ocupar na sociedade industrial. Saint Simon considerava que, nela, “os homens desfrutariam com essa ordem de coisas, do mais alto grau de liberdade compatível com o estado de sociedade” [apud Talmon, 1969: 41].

Em que pese o fato do caráter irreversível da sociedade industrial, Saint-Simon considerava que o seu advento devia ser induzido por outra elite esclarecida: os savants positifs, a cuja frente ele próprio se colocava. O papel deles consistiria em preparar a grande revolução que seria a passagem da sociedade tradicional para a industrial. Saint-Simon previa “uma ação que, por sua natureza, é brusca e cortante, pois esta transformação tende a modificar subitamente os hábitos intelectuais assumidos pelo espírito público” [apud Talmon, 1969: 43]. Contudo, não é confirmado esse caráter aparentemente violento da revolução, quando Saint-Simon entra a explicitar as forma em que deverão proceder os savants positifs na efetivação da mesma. O papel deles é eminentemente persuasivo, não violento, devendo limitar-se a mostrar aos reis, povos, aristocracias e governos a inevitabilidade do advento da sociedade industrial, cujo caráter construtivo será também explicado. Assim advirá a nova sociedade.

Apesar do papel de liderança atribuído por Saint-Simon aos savants positifs, aos poucos foi reconhecendo, na segunda fase da sua obra, a necessidade de alicerçar o comportamento coletivo harmônico numa base mais ampla do que a pura ciência, a fim de abranger os sentimentos humanos, que jogam um papel tão importante na conduta dos homens. Saint-Simon procurou, assim, forças mais profundas numa religião vital. Achou que o fator religioso desempenhava um papel de primeira ordem na organização social. A propósito, escrevia: “A religião tem servido e servirá sempre como base da organização social (...). A humanidade tem atravessado crises científicas, morais e políticas, sempre que a ideologia religiosa tem experimentado algum câmbio” [apud Talmon, 1969: 50]. E dedicou a última parte da sua vida à procura desse embasamento religioso para a sociedade industrial. Destaquemos que o discípulo de Saint-Simon, Augusto Comte, reproduziu na sua obra as duas etapas identificadas na obra do seu mestre: uma primeira parte, de cunho cientificista e uma segunda parte, de feição messiânica e religiosa.

3 – Teologia da Libertação e tradição despótica.

A Teologia da Libertação, enquanto discurso teológico que pretende garantir a inserção da Igreja no mundo subdesenvolvido, ganha muita atualidade no Brasil contemporâneo, na medida em que inspira a ação político-pastoral dos setores progressistas, identificados com as comunidades eclesiais de base. Numa avaliação da problemática política e religiosa atual, é imprescindível o seu estudo.

Embora existam interpretações que, de um lado, tentam desligar a Teologia da Libertação de qualquer identidade com o marxismo e analisam-na no contexto do discurso eclesiástico, reivindicando o seu caráter soteriológico [cf. Romano, 1979], ou que, de outro lado, embora reconhecendo alguma inspiração marxista, consideram ser possível a sua permanência no seio da teologia católica, mediante alguns ajustes que limassem as arestas ideológicas [cf. Lepargneur, 1979: 122], acho que a parcela mais agressiva e representativa dos teólogos libertadores aderiu explicitamente ao marxismo. O padre e poeta nicaraguense Ernesto Cardenal (1925-2020) expressou, com clareza, essa adesão, em entrevista concedida em 1979 à revista soviética América Latina, ao relatar a sua atividade guerrilheira na comunidade de monges e camponeses no arquipélago de Solentiname, no Lago da Nicarágua: “Começamos a estudar o marxismo junto com os camponeses que estavam mais integrados conosco, especialmente com os jovens. E fomo-nos identificando com o movimento guerrilheiro da Nicarágua, com a Frente Sandinista de Libertação Nacional. E fomos descobrindo que as ideias cristãs originárias eram, em sua essência, revolucionárias, e que colocavam o problema da luta de classes, que o mundo estava dividido entre exploradores e explorados e que os explorados triunfariam sobre os exploradores e seria estabelecida na terra uma sociedade justa. E nos identificamos, então, com a luta do Movimento de Libertação da Nicarágua, e chegamos já praticamente a pertencer a esse movimento” [Cardenal, 1979: 178].

O exemplo de radicalização da comunidade de Solentiname expressa perfeitamente o fenômeno acontecido, no decorrer das décadas de 60 e 70 do século passado, ao longo da América Latina: não foram as massas de cristãos as que, em primeiro lugar, fizeram a opção marxista. Foram os sacerdotes. E eles levaram à radicalização, posteriormente, as suas comunidades, ensejando, assim, o surgimento de uma nova forma de clericalismo. E na radicalização dos sacerdotes pesou muito a influência da revolução cubana e da mística revolucionária por ela difundida. Para o padre Cardenal, não existe dúvida de que o cristianismo é totalmente compatível com o marxismo, e de que a expressão dessa unidade é a  Teologia da Libertação: “Nesses anos (da década de 70) – frisa -surgiu na América Latina o movimento chamado Teologia da Libertação. Eu e os outros membros da minha comunidade em Solentiname percebemos que não havia nenhuma incompatibilidade entre o autêntico cristianismo do Evangelho e o marxismo. A partir de então começamos nós também a pertencer a esse grupo, já muito grande, na América Latina, de cristãos marxistas. Isso também influenciou na minha poesia” [Cardenal, 1979: 180].

Segundo Cardenal, quem formulou primeiro essa sintonia entre cristianismo latino-americano e revolução foi Che Guevara (1928-1967), ao afirmar que “quando os cristãos, na América Latina, fossem autenticamente revolucionários, a revolução seria inevitável”. Sem dúvida, Guevara formulou e encarnou o modelo de mística revolucionária, sobrepondo os elementos da religiosidade popular do povo latino-americano ao arcabouço do messianismo político marxista. Para ilustrar essa afirmação, eis o trecho final da carta enviada pelo Che a Carlos Quijano, do semanário Marcha de Montevidéu, em que o líder guerrilheiro sintetizava a sua visão revolucionária nestes termos:

“Nós, socialistas, somos mais livres porque somos mais plenos; somos mais plenos pelo fato de sermos mais livres. O esqueleto da nossa liberdade completa está formado, falta a substância proteica e a roupagem; criá-los-emos. A nossa liberdade e o seu fundamento cotidiano têm cor de sangue e estão cheios de sacrifício. O nosso sacrifício é consciente; quota para pagar a liberdade que construímos. O caminho é longo e desconhecido em parte; conhecemos as nossas limitações. Faremos, nós mesmos, o homem do século XXI. Forjar-nos-emos na ação cotidiana, criando um homem novo com uma nova técnica. A personalidade joga o papel de mobilização e direção, enquanto encarna as mais altas virtudes e aspirações do povo e não se afasta do caminho. Quem abre o caminho é o grupo de vanguarda, os melhores entre os bons, o Partido. A argila fundamental da nossa obra é a juventude: nela depositamos a nossa esperança e a preparamos para receber de nossas mãos a bandeira. Se esta carta balbuciante esclarece alguma coisa, cumpriu o objetivo com que a escrevo. Receba a nossa saudação ritual, como um aperto de mãos ou um Ave Maria Puríssima. Pátria ou morte!” [Guevara, 1977: 2, 383-384].

Os estudiosos soviéticos consideravam a Teologia da Libertação como um movimento progressista inspirado no marxismo, que ajudava às revoluções democráticas na América Latina. Valentina Andrónova, da Academia de Ciências da União Soviética, frisava, por exemplo, que o aspecto essencial da mencionada Teologia é a sua inspiração no marxismo, alicerçada no pressuposto de que cristianismo e marxismo são afins. “Os teólogos – escrevia Andrónova – consideram que se for tomado o melhor de um e de outro, essa fusão poderia levar a resolver eficazmente os problemas sociais. O cristianismo é portador de valores espirituais e morais; o marxismo comporta o princípio racional que oferece solução real e prática ao problema” [Andrónova, 1980: 47].

De outro lado, as comunidades eclesiais de base eram apresentadas por Andrónova como núcleos de protesto social da Igreja progressista, que ameaçavam a estabilidade do status quo na medida em que punham em prática os princípios da Teologia da Libertação. A grande extensão dessas comunidades seria expressão do seu potencial político. “As estatísticas – frisava a comentarista soviética – podem calcular o número das comunidades de base. Atualmente existem em cada país latino-americano chegando a umas 150 mil. Somente no Brasil existem perto de 50 mil e abrangem um milhão de pessoas!” [Andrónova, 1980: 48].

Em que pese essas considerações, os estudiosos soviéticos reconheciam, contudo, que a Teologia da Libertação não constituía uma teoria íntegra, em parte devido a que em sua elaboração participaram teólogos de formação diferente, tanto católicos quanto protestantes; a imprecisão e a confusão afetavam muitas vezes a utilização do conceito de luta de classes e, por último, a linguagem figurada de muitos desses teólogos terminava por confundir a claridade dos conceitos. Apesar dessas críticas, Andrónova salientava que a posição prática dos que formularam a Teologia da Libertação era cada vez mais consequente e mais firme, do ponto de vista da opção revolucionária [Andrónova, 1980: 46-47].

José Grigulévich (1913-1988), da Academia de Ciências da URSS, expressou claramente o papel instrumental que representavam a Igreja progressista latino-americana e a Teologia da Libertação, na estratégia de penetração soviética no continente: “A experiência destes quatro lustros ensina que, apesar de participar ativamente da luta popular contra as forças reacionárias, a Igreja não tem possibilidades para se converter em fator determinante do processo de mudanças na América Latina, à imagem e semelhança do Islã, que se tornou força reitora do dinamismo revolucionário iraniano (...). Isso é compreendido perfeitamente pelos comunistas que, alheios a um anticlericalismo ostensivo, têm promovido sempre uma política de colaboração com a Igreja e os católicos em prol da paz, da democracia e das mudanças sociais indispensáveis” [Grigulévich, 1980: 31].

Podemos, a esta altura, formular uma pergunta que surge espontaneamente do exame dessa mútua atração entre um fenômeno tão tipicamente latino-americano como a Teologia da Libertação e o marxismo: quais foram as razões histórico-culturais que fizeram do mundo ibero-americano caldo de cultura apto para que nele vingasse essa síntese de messianismo político? Tentemos, embora a grandes traços, esboçar uma resposta.

Na Península Ibérica, como também na Rússia, desenvolveu-se uma experiência de absolutismo ensejada pelo despotismo oriental. Ao passo que essa experiência deu-se na Rússia em decorrência da invasão tártara no século XIII e da influência bizantina, na Espanha e em Portugal apareceu a partir da invasão e da dominação árabes, fenômeno que se estendeu de 710 até 1490. Como acertadamente anota Alexandre Herculano (1810-1877) na sua História de Portugal [1914: 2, 19-20], durante todo esse período a minoria cristã, que se refugiou nas montanhas do norte, sofreu uma forte influência da cultura e dos hábitos políticos dos sarracenos, tendo esquecido os costumes medievais de desconcentração de poderes e tendo chegado a imitar os procedimentos centralizadores dos califas. Isso era explicável pela superioridade técnica e cultural dos muçulmanos sobre a nobreza visigótica. Os príncipes herdeiros de Portugal, desde Afonso Henriques (1109-1185), foram influenciados por essa maré centralizadora e despótica.

Se de um lado é certo que os efeitos desse despotismo foram o progresso econômico e urbanístico da Hispania sarracena, de outro lado não é menos certo que essa experiência contribuiu para a difusão da cultura árabe, particularmente no que diz respeito ao papel destinado à religião, no contexto social. Esse papel, conforme mostrou Karl Wittfogel (1896-1988), é claro no contexto do despotismo oriental e consiste na utilização da variável religiosa para reforçar o poder absoluto do Estado. A respeito, escreve esse autor: “Diferentemente da sociedade europeia feudal, na qual a maior parte dos chefes militares (os barões feudais) não estavam ligados aos seus suseranos senão por frágeis laços e um contrato, e na qual a religião dominante era independente do governo secular, (no seio do despotismo hidráulico) a religião dominante estava estreitamente ligada ao Estado” [Wittfogel, 1977: 127].

É fora de dúvida que tanto Espanha quanto Portugal, após a expulsão dos árabes, conservaram a tendência para a utilização dos fatores culturais (entre eles, o religioso), como elementos que garantissem a estabilidade do Estado. Fidelino de Figueiredo (1888-1967), no seu ensaio intitulado As duas Espanhas, explica bem como o Império espanhol, sob a dinastia dos Áustrias, no século XVI, utilizou os fatores científicos, religiosos e jurídicos para consolidar um modelo absoluto de dominação.

Quanto à utilização do fator religioso, frisa Fidelino: “Entretanto, Carlos V (1500-1558) fora eleito Imperador da Alemanha, em sucessão do seu avô (e) arrogara-se o título de majestade e simbolizara numa águia a amplitude nova e ambiciosa da sua política. Esmagada a resistência dos comuneros, estava fundado o Império germano-espanhol. Mas era necessário atribuir-lhe algum conteúdo espiritual, porque o que mais estreita os homens é o dinamismo propulsor duma ação em comum. As rivalidades com a França e a Inglaterra eram escopo muito limitado. Deveria ser alguma coisa de maior prestígio, e mais promotora de energias combativas. É a reforma religiosa, explodindo, que sugere esse conteúdo unificador: a defesa da fé católica sob a bandeira do espírito da Contra-Reforma que, em breve, também acharia no ambiente espanhol um dos seus instrumentos essenciais. E a velha herança romana do imperialismo sobre o alicerce de um pensamento único, nunca esquecida nos séculos medievais e avivada na Renascença, realiza-se pelo consórcio do império espiritual do pensamento único, que era o papado, com o império militar de mando único, que era a dinastia austríaca” [Figueiredo, 1959: 76-78].

A herança do despotismo oriental da Espanha estendeu-se à dinastia borbônica, cujo regalismo era, segundo Fidelino de Figueiredo, mais absorvente que o dos Áustrias, tendo chegado a realizar uma centralização absoluta [cf. Figueiredo, 1959: 112-113]. Da herança despótico-oriental não fugiu Portugal que viu consolidar, sob a dinastia de Avis (1385-1580), os alicerces do Estado patrimonial [cf. Faoro, 1958: 1, 33ss.]. A irrupção de Portugal na modernidade, obra do Marquês de Pombal (1699-1782), consolidou mais ainda a centralização de poderes no Estado, bem como a fundamentação deste na ciência e na religião oficiais [cf. Paim 1978].

A modernização do Estado português teve, aliás, elementos comuns ao processo empreendido pela Rússia czarista. Teófilo Braga (1843-1924) salienta que a criação do Colégio dos Nobres de Lisboa, efetivada em 1761 para garantir a formação de uma elite esclarecida que servisse à primazia e à estabilidade do Estado na sociedade, foi inspirada pelo médico de origem judaica Antônio Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783), que tinha prestado serviços à Imperatriz da Rússia Ana Ivanovna (1693-1740) como conselheiro, médico e pesquisador no Colégio dos Nobres de São Petersburgo [cf. Braga, 1898: 3, 350-351].

Em que pese o cientificismo professado por Pombal, o seu projeto modernizador considerava a variável religiosa como elemento essencial à consolidação política do Estado. A propósito, comenta Laerte Ramos de Carvalho (1922-1972): “Na defesa dos interesses da sociedade, a política pombalina procurou furtar-se aos termos do dilema Sacerdócio-Império porque, pela força das condições históricas, tentou construir, de acordo com o apoio do próprio clero português, excetuados os jesuítas, a república que, dentro do espírito do absolutismo, se tornara a preocupação dos teóricos mais avançados do tempo. A religião, na mentalidade que então predominava, era o esteio da ordem civil, o tribunal que, ao resguardar a pureza da fé, resguardava, ao mesmo tempo, os interesses mais legítimos do poder temporal. O homem natural pertence tanto à religião quanto aos seus parentes e pátria: somente na união cristã, que não lisonjeia os interesses desnaturalizantes da Igreja, sem pátria e sem fronteiras, pode a sociedade civil viver e prosperar. Não se pretendia propriamente a consagração, tão no gosto do radicalismo cismontano, do aforismo – non respublica est in ecclesia, sed ecclesia in respublica – mas uma tentativa de conduzir, numa harmonia de interesses, conjuntamente, a República e a igreja pelo caminho do progresso material e espiritual da nação lusitana [Carvalho, 1978: 48-49].

Os Estados surgidos na América Latina após os processos de independência das metrópoles espanhola e portuguesa, herdaram do despotismo ibérico fortes tendências centralizadoras e burocráticas, das quais formou parte a tentativa de utilizar os fatores religiosos, científicos e jurídicos como elementos da estabilidade política, num contexto absolutista. Esse centralismo burocrático, aliado à tendência a considerar o poder como instância patrimonial de quem o detém, levou à atrofia da cultura, segundo um ensaísta como o argentino Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888), que escrevia: “Um espanhol ou um americano do século XVI deve ter afirmado: existo, logo não penso”. E considera que tal cidadão não viveria se tivesse a desgraça de pensar. Para Sarmiento, o cerne dessa situação é o despotismo ibérico, fortemente alicerçado no elemento religioso: “Filipe II (1527-1598) – escreve – é a concentração do princípio maometano-espanhol da unidade de crenças.. Ele, e não o Papa, funda a Inquisição (...). Sem Maomé não haveria Inquisição na Espanha (...). O Papa conservou sem fogo a Inquisição. Porém, só na Espanha e com ex-maometanos (...) podiam ser levantados altares ao canibalismo, à aversão à velha (bruxa) que conservaram os selvagens (...)”. Essa é, segundo Sarmiento, a mentalidade herdada pelos hispano-americanos. E conclui: “O terror está em nós” [apud Zea, 1976: 113-114].

A tendência à utilização do fator religioso manifestou-se como uma constante da cultura latino-americana, com variadas formas de clericalismo a serviço dos interesses políticos [cf. Vélez, 1978: 85 ss.). Não estranha, assim, a tremenda força de propostas messiânico-políticas a serviço de um projeto de dominação despótica, como a Teologia da Libertação. Os russos compreenderam perfeitamente o valor do elemento religioso na América Latina. Herdeiros – como nós – de longa tradição despótica oriental, convertida para eles, ao longo do século XX, em sistema totalitário, souberam utilizar o fator religioso como ponta de lança para a penetração soviética no continente latino-americano. E estimularam, até a queda do Império da URSS, a difusão da Teologia da Libertação.

Antes da reunião do CELAM em Medellín (1968), a Teologia da Libertação deitava raízes nos esforços de alguns padres ativistas por aderirem à dialética marxista, como instrumento-chave para a análise sociopolítica da realidade latino-americana. Destaca-se nesse esforço o sacerdote colombiano Camilo Torres Restrepo (1929-1966), que estudou na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica e foi o primeiro a explicitar o princípio de que não se pode pregar o Evangelho num continente mergulhado por completo na injustiça social, sendo obrigação dos pregadores, primeiro, se engajarem na luta armada em prol da instauração do socialismo. Essa opção radical acelerou-se, em nível continental, após a eclosão da Revolução Cubana, a partir de 1960. Nesse amplo trabalho de doutrinação engajaram-se grupos católicos como o Movimento Internacional de Intelectuais Católicos – MIIC (que editava a Revista Víspera em Montevidéu), a Juventude Universitária Católica – JUC (que editava, com o auxílio do MIIC, farto material de conscientização marxista no meio universitário latino-americano), a JEC (Juventude Estudantil Católica) que congregava estudantes secundaristas, a JOC (Juventude Operária Católica), o Movimento de Profissionais Católicos, etc. Através do método da revisão de vida, esses movimentos aproximaram-se da praxis marxista, com a orientação de sacerdotes formados na Europa, como Camilo Torres.

A liderança intelectual sediou-se, inicialmente, no Cone Sul do Continente (Paraguai, Uruguai, Argentina, Brasil e Chile), tendo-se deslocado posteriormente para o Peru (a partir de 1972), a Colômbia e a Venezuela, na medida em que ia crescendo a repressão oficial no Cone Sul. No Brasil, a tendência à radicalização foi representada pelo sacerdote jesuíta Henrique Cláudio de Lima Vaz (1921-2002) junto à comunidade universitária. Vaz formou na dialética marxista a elite intelectual que se radicalizou na luta armada após 1964 [cf. Paim, 1979: 118 ss.].

Nas últimas décadas do século XX, o foco mais ativo dessa elite intelectual radicalizada concentrou-se no norte do Continente, na Colômbia, no Equador, na Venezuela, no México e na América Central. Em que pese o fato de no Brasil haver, na atualidade, boa parcela do clero e leigos influenciados pela Teologia da Libertação, a sua força não assumiu o grau de radicalismo que conduziu à luta armada nos países mencionados. Do ponto de vista dos russos, a Teologia da Libertação foi um instrumento valioso da luta no plano ideológico (toda vez que este se apresentava suficientemente vago e ambíguo do ângulo das propostas políticas, mas tremendamente dinâmico no sentido de motivar grandes massas de cristãos para aderirem à luta em prol do socialismo). Os revolucionários profissionais, formados pelo Partido Comunista, encarregar-se-iam de controlar e dar fecho ao processo revolucionário, instaurando ditaduras do proletariado.

O que aconteceu na Colômbia, com as FARC e na Venezuela com o Partido Socialista Unido ilustra bem esse efeito estratégico da ajuda prestada à radicalização pela Teologia da Libertação. A Revolução Bolivariana, deflagrada na Venezuela pelo coronel Hugo Chávez (1954-2013) e continuada nos seus governos e no de Nicolás Maduro (1962-), é uma prova concreta da força que a radicalização dos cristãos pode significar na mudança revolucionária do Continente. O próprio Chávez, antes de morrer, deixou clara a sua inspiração na Teologia Libertadora. Em que pese a queda do Muro de Berlim e o fracasso do Império soviético, os guerrilheiros das FARC e do ELN conseguiram mobilizar, na Colômbia, segmentos significativos da intelectualidade a partir de uma retórica libertadora que empolgou os católicos ativistas, sendo que hoje fica clara a opção pragmática dessas agrupações guerrilheiras que, tendo perdido a mesada soviética e cubana, entraram no negócio do narcotráfico, como forma de financiar as suas atividades revolucionárias [cf. Rangel, 1999; Villamarín, 1996].

A Teologia que, na sua essência, consiste num discurso racional sobre a fé, não se compatibiliza com esse tipo de radicalização política, que se reduz à conquista violenta do poder para mudar as estruturas. A Teologia cristã, como reflexão racional e sistemática sobre a fé religiosa, parte do pressuposto da aceitação da Revelação de Cristo. Ora, o cerne dessa revelação é o seguinte: 1 – Jesus Cristo, Filho de Deus, encarnou-se, morreu e ressuscitou para salvar todos os homens. 2 – A aceitação desse fato é graça de Deus, livremente aceita pelo homem, mas, afinal, graça, doação gratuita (trata-se do reconhecimento da dimensão sobrenatural da fé). 3 – A salvação consiste fundamentalmente no perdão dos pecados (que são pessoais e não anônimos nem coletivos) e na participação, após a morte, da vida eterna. 4 – A salvação oferecida por Deus através de Jesus Cristo é universal, quer dizer, visa a todos os homens, os quais podem se beneficiar dessa graça em virtude da sua retidão moral, quando tiverem procurado agir de acordo com a sua própria consciência. 5 – O fato de possuir a graça da fé, produz no beneficiado obrigações morais e não privilégios: a obrigação moral básica do cristão consistirá no testemunho do amor a todos os homens. É lógico que a versão excludente da luta de classes do marxismo-leninismo nega frontalmente essa obrigação moral básica do cristão.

Bem no fundo da Teologia da Libertação encontramos uma fonte de inspiração tão antiga quanto o messianismo político o qual, se bem foi sistematizado no mundo moderno por Saint-Simon, na sua obra intitulada: Le nouveau Christianisme (1825), é uma tentação tão velha quanto o próprio Cristianismo. Não consistiu nisso, por acaso, o cerne das tentações sofridas pelo próprio Cristo no deserto? E não foi essa, também, a pretensão que o Divino Mestre teve de combater repetidas vezes nos seus discípulos?

O Projeto libertador que acalenta a Teologia da Libertação e que pretende erigir como tradição sagrada a luta revolucionária, vem ao encontro direto de outra tendência que, originada na Rússia comunista, fez da luta revolucionária e do modelo totalitário por ela imposto, uma religião cujas divindades seriam os arautos que apregoavam a nova fórmula salvadora. A respeito, frisa Paul Blanchard: “Na santa trindade da teologia do Kremlin, Marx ocupa o lugar de Deus e Stalin o do Espírito Santo. Engels é o semideus (...). A existência dessa deidade trinitária não é especificamente reconhecida na literatura soviética, mas forma parte definida e importante do mundo comunista (...)” [Blanchard, 1952: 66]. Depois de Josef Stalin (1878-1953), poderíamos colocar, no seu lugar, os sucessivos dirigentes todo-poderosos e despóticos do PC, até o desmantelamento da URSS [cf. Barbuy, 1977].

4 - Do messianismo político ao reino da utopia: a crítica de Lima Vaz à Teologia da Libertação.

A Instrução da Congregação para a Doutrina da Fé intitulada: “Sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação”, teve maior ressonância do que se esperava nos arraiais da esquerda clerical. Apesar das declarações primárias de alguns arautos do segundo escalão da famigerada Teologia, figuras proeminentes do progressismo católico, como Henrique Cláudio de Lima Vaz (1921-2002), decidiram cerrar fileiras ao redor do documento da Sagrada Congregação. É o que se deduz do artigo intitulado: “Cristianismo e pensamento utópico: a propósito da Teologia da Libertação”, que foi publicado na revista Síntese [Vaz, 1984: 5-19].

Para surpresa dos padres engajados nas lutas políticas, que talvez esperassem do mencionado autor um posicionamento contrário ao documento do Vaticano, Lima Vaz desanca sem misericórdia a “escolástica marxista” que empolga a Teologia da Libertação. A feição epistemológica dela consiste, para o padre jesuíta, numa vulgarização depreciativa da análise marxista. Destaquemos, apenas para registrar, a concordância entre a apreciação de Lima Vaz e a dos especialistas da Academia de Ciências da URSS (José Grigulévich e Valentina Andrónova, notadamente). Para todos eles, a Teologia da Libertação carece de rigor científico suficiente como para servir de marco epistêmico confiável, com miras à uma análise crítica e objetiva da realidade latino-americana. A utilidade da mencionada Teologia, aos olhos da intelligentsia do Kremlin, seria apenas de meio de agitação.

Para arrepiar o lombo do rebanho radical, eis um trecho significativo do ensaio de Lima Vaz: “A nenhum dos clérigos entre aqueles que deram os primeiros passos na rota do que veio a ser mais tarde a Teologia da Libertação, foi dada a oportunidade de levar a cabo uma análise em nível técnico da realidade latino-americana, utilizando um instrumental conceitual de categorias marxistas. Estas lhes tombaram sob os olhos prontas e acabadas na leitura de textos (...) de certo modo ritualizados, e delas resultou essa koiné marxizante que passou a ser a linguagem proclamada científica das suas aspirações e opções e o shibbolet da sua identidade intelectual. Assim sendo, é possível compreender que o vínculo denunciado pela Instrução [Instr. VII, 1, 12] entre um certo pathos de urgência e de eficiência e o recurso à análise marxista, não se estabelece com relação entre o alvo de uma realidade a ser compreendida nas suas peculiaridades e o recurso ao único instrumento conceptual que se demonstra apto a levar a cabo tal compreensão, e, sim, como relação entre a tomada de consciência [Instr. VII, 12] de uma situação de injustiça estrutural na sociedade e os resultados de uma análise desta sociedade já feita, e que se apresenta como a única científica. Esta cientificidade, porém, como observa a Instrução [Instr. VII, 4], nem é submetida às exigências demonstrativas e às contraprovas requeridas por uma epistemologia crítica nem – eis o ponto decisivo [Instr. VII, 10] – é julgada à luz da metaciência ou da filosofia implicada nas suas proposições e que deve ser, por sua vez, submetida a critérios rigorosamente teológicos (...), no caso, a critérios de uma autêntica teologia da História” [Vaz, 1984: 9-10].

Se faltaram aos teólogos marxizantes categorias adequadas à compreensão da problemática social, bem como o rigor epistemológico e a suficiente maturidade filosófica para julgar à luz de uma autêntica teologia da História, o rasteiro materialismo histórico que os inspirava, no entanto o defeito mais grave que encontra neles o padre Lima Vaz, é a adoção mitológica do discurso utópico, que consiste, basicamente, não na utilização heurística e criativa do conceito de luta de classes, mas na adoção cosmogônica e maniquéia deste paradigma. A respeito, frisa o levita: “(...) O que aparece em inconciliável oposição com a leitura teológica da História é a teoria [Instr. IX, 2] que eleva o fato do conflito das classes à condição de princípio fundante de um peculiar lógos da História que, à maneira dos antigos mitos cosmogônicos, irá descrever o curso histórico como uma sociomaquia implacável travada entre as classes hipostasiadas em combatentes míticos. Na verdade, estamos aqui diante de uma espécie de teomaquia entre o bem e o mal, cuja última vicissitude, com a vitória assegurada do bem, anunciará, pela chegada ao poder da classe universal, a supressão de todas as classes e a instauração final do reino do homem – que aboca a si os predicados do Reino de Deus – sobre a terra [Instr. IX, 3-10)”. “Eis aí presente - sentencia com implacável lógica o padre Vaz – a estrutura típica do discurso utópico, cuja homologia com o discurso mítico aparece vigente e que, do ponto de vista da teologia cristã da História, se monstra constitutivamente um discurso ateu, pois transfere para o próprio devir histórico na sua imanência o predicado divino da aseidade (o que existe e se explica exclusivamente a partir de si mesmo: a se)” [Vaz, 1984: 10].

O que caracteriza fundamentalmente o pensamento utópico, no sentir de Lima Vaz, “(...) é o pressuposto ou o projeto de se operar, sem sair da clausura espaço- temporal, uma transformação radical do espaço e do tempo do homem - da sua história. Edificar com a matéria do espaço do mundo e com a trama do tempo empírico a cidade do homem absoluto – ou a sociedade perfeita, torre que se eleva até o céu segundo a figura mítica de Babel [Gn. 11: 1-9] – eis o desígnio titânico da utopia. Portanto, é a partir da própria imanência que se delineia o projeto de supressão radical, definitiva – e revolucionária – dessas formas de contingência da história que se exprimem nas carências, nas necessidades, nas imperfeições, nos conflitos – ou, teologicamente, no pecado inscrito nesse plúmbeo manto de injustiça que pesa sobre a condição humana – e que vão urdindo o lado obscuro do caminhar histórico. A utopia define-se, assim, como intento de negação do mundo através do paroxismo da sua afirmação ou, para usar a metáfora espacial clássica, como intento de instauração de um além do mundo na imanência absoluta do seu aquém” [Vaz, 1984: 11].

Alheio à “transascensão” ou “ascensão através de” típica da meditação crítica, o pensamento utópico, segundo Lima Vaz, reproduz as linhas fundamentais do mito e se fecha numa imanência que impede qualquer tipo de “transascensão dialética”, na trilha da qual ocorreria a superação definitiva do mito na formulação das obras-mestras da filosofia clássica, com Platão (428-348 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.). O mito utópico, no sentir do padre, “(...) se propõe como demiurgia humana do futuro, na linearidade do tempo empírico que engendra contraditoriedade, por obra do homem-demiurgo, no seio da imperfeição do seu devir, a perfeição absoluta do seu fim” [Vaz, 1984: 12].

O projeto utópico negador da dimensão transcendental (que segundo o autor, constitui o cerne da meditação filosófica) abarca também, no sentir de Lima Vaz, “o paradoxo de uma filosofia da utopia”, que seria ilustrado, hodiernamente, pelo pensamento de Ernst Bloch (1885-1977), à luz do qual se chega, irremediavelmente, à proclamação de um “ateísmo no Cristianismo”, que se explicita no momento em que Bloch estabelece o confronto entre a “estrutura utópica do pensamento de Marx” e a “teologia cristã da história”. Como se poderia formular sinteticamente esse “ateísmo no Cristianismo”, alicerçado numa visão utópica? Lima Vaz sintetiza assim esse ponto:”(...) a tentação utópica presente ao longo da tradição cristã apresenta-se, hermeneuticamente, como uma forma de leitura materialista do mistério da Encarnação (...), no sentido de que quebra, em favor da imanência, a tensão entre a Liberdade absoluta de Deus que irrompe na história e a liberdade contingente do homem assumida pelo Verbo no mistério teândrico. A politização da cristologia parece a prova mais evidente desse derivar materialista da reflexão teológica capturada nas linhas de força do pensamento utópico (...)” [Vaz, 1984: 13-14].

A tentação do pensamento utópico não é nova, aliás no contexto da teologia cristã. O próprio padre Vaz dedicou especial atenção ao estudo do “joaquimismo” desenvolvido pelo teólogo e cardeal Henri de Lubac (1896-1991), na resenha dedicada a uma das mais interessantes obras do pensador católico [Vaz, 1983: 85-87]. De outro lado, uma análise crítica do messianismo político foi desenvolvida por mim em alguns trabalhos em que salientei a influência dessas ideias na mais nova forma de clericalismo ensejada na América Latina pela Teologia da Libertação [cf. Vélez, 1982: 10-19; 1983: 31-61; 1984: 104-153; 1984: 343-354].

Para Lima Vaz não há dúvida de que o cerne do pensamento de Marx – em que pese as repetidas exclamações de admiração do padre diante do “humanismo” e da pretendida cientificidade do escritor alemão – se insere integralmente na trilha do utopismo utópico joaquimiano. Marx, segundo o padre Vaz, “(...) representa a forma mais radical de joaquimismo secularizado, a expressão mais rigorosa da utopia no sentido estrito, forjando, com o poder de seu gênio, a cadeia infrangível que liga materialismo, ateísmo e utopia” [Vaz, 1984: 18]. Lembrando uma célebre página da Fenomenologia do Espírito de Hegel (1770-1831), Lima Vaz frisa que “(...) o reino da liberdade absoluta ou a cidade da igualdade perfeita converte-se dialeticamente no reino da absoluta servidão e do Terror” [Vaz, 1984: 18]. O levita vai mais longe: lembra, parafraseando a “Instrução” do Vaticano, que “Coube ao nosso século fazer, em proporções nunca vistas, essa terrível experiência histórica (...). O projeto utópico, testemunhando a grandeza do homem, constitui-se para ele no risco supremo de perda sua humanidade, quando acidentes históricos tornam possível o estabelecimento da Utopia no poder. Foram alguns desses acidentes históricos que fizeram crescer, na terra cruel do Gulag, os germes utópicos do pensamento de Marx, sufocando sua autêntica raíz humanista” [Vaz, 1984: 18].

Não poderia sair da pena do padre Vaz condenação mais rotunda ao humanismo marxista. Marx, portador dos “germes utópicos” implícitos na crença na possibilidade de instauração da racionalidade total na cidade humana, terminaria ensejando, no terreno fértil de “acidentes históricos” (que outra coisa não são do que as famigeradas revoluções libertadoras de inspiração marxista-leninista), a incrível realidade da “Utopia no poder”, paradigma de todos os anti-humanismos, toda vez que instauradora do regime de poder total e do terror, tão bem caracterizado na literatura política do século XX por autores como Hannah Arendt [cf. 1951] ou Karl Wittfogel [cf. 1977]. A diatribe do padre jesuíta contra o utopismo de Marx e dos marxistas corresponderia, aliás, (preservadas, é certo, as regras da coerência lógica), a um mea culpa do autor pelo “acidente histórico” que o compromete com a esquerda totalitária por ele bafejada e estimulada? [cf. Paim, 1979 e 1982; cf. também Lövy & García-Ruiz, 1997: 9-32].

À luz do anterior, não podemos entender como o padre Vaz chega a afirmar, na parte final do seu artigo, que “Marx tem seu lugar assegurado na grande tradição do humanismo ocidental” [Vaz, 1984: 18]. Não podemos entender, outrossim, a afirmação de Lima Vaz no sentido de que “(...) o grande sopro humanista que atravessa a obra de Marx deveria bastar para elevar a sua herança bem alto sobre as baixas e irrespiráveis planícies do totalitarismo”, como se este “acidente histórico” não decorresse (do ponto de vista do seu conteúdo ontológico) dos germes utópicos do messianismo marxista. O grande pecado de Marx, a sua hybris, consistiu no que, hamletianamente, o padre Vaz considera, escrevendo em tom utopista, “a sua lição mais alta”, ou seja: “ler a história a partir do engendramento criador do homem por si mesmo” [Vaz, 1983: 7].

Maquiavelismos epistemológicos à parte, a análise empreendida pelo padre Lima Vaz no artigo aqui comentado oferece importantes pontos de reflexão para os que esperam coisas demais da Teologia da Libertação. Num ponto este fenômeno pode ser considerado positivo: no fato de ter ensejado análises como as que vêm aparecendo, que desmascaram o conteúdo utopista e o messianismo político da famigerada Teologia e tiram legitimidade intelectual às novas modalidades de clericalismo revolucionário, que se revelou como uma forma vulgar do mais canhestro dogmatismo.

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