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O CÍRCULO VICIOSO ENTRE OPERADORES DE PROPINA E FINANCIAMENTO DE ELEIÇÕES - Por: ANTÔNIO ROBERTO BATISTA (Médico. Mestre em Ciências - Sociologia - USP. Especialista em Filosofia Social, PUCCAMP. Editor)).

O CÍRCULO VICIOSO ENTRE OPERADORES DE PROPINA E  FINANCIAMENTO DE ELEIÇÕES - Por: ANTÔNIO ROBERTO BATISTA (Médico. Mestre em Ciências - Sociologia - USP. Especialista em Filosofia Social, PUCCAMP. Editor)).

DR. ANTÔNIO ROBERTO BATISTA

Assisti, há poucas horas, a gravação de uma palestra do procurador Deltan Dallagnol, na TED, em que comenta o ciclo vicioso entre nomeação de operadores de propina e financiamento de eleições. Duas atividades que já existiam no varejão da corrupção política entre nós, antes mesmo dos governos petistas transformarem isso em uma máquina azeitada, onipresente e articulada no país inteiro.

Para quem ainda alimenta ilusões à respeito da gravidade a que se chegou e da culpa imputada aos condenados da operação lava-jato, o procurador lembra a devolução de 4 bilhões ou mais de reais por parte de acusados e optantes por colaboração premiada. Sempre foi muito difícil - para não dizer impossível - sobreviver na política brasileira sem arrendar algum espaço dentro da máquina pública, sem ser proprietário ou inquilino de alguma gleba no Estado brasileiro. Por essas e por outras, este cresceu e cresceu ininterruptamente para acomodar os novos e antigos proprietários.

Enquanto isso, a nossa legislação eleitoral se preocupava em regulamentar bobagens: datas para declaração de candidatura e início de campanha, como se fosse tiro de partida em alguma corrida em pista; proibição de pequenos brindes (lápis, borracha, boné etc.) considerados vantagens indevidas; entrevistas e debates preferenciais; distribuição de segundos no horário gratuito (que o contribuinte paga); e por aí vai. Sem contar a justiça eleitoral (quase uma jabuticaba) apitando faltas no meio do jogo, como se fosse uma partida de handebol, e distribuindo penalidades temporárias.

Em contrapartida, o caixa 2, dinheiro de propinas, denúncias de má-fé, coligações para vender horários gratuitos e sabe Deus que outras espertezas mais, comendo solto. Como muitas coisas no Brasil, aplica-se aquela regra atribuída por Cristo aos fariseus em matéria de moral: coar os mosquitos e engolir os camelos.

Com o advento dos meios eletrônicos de comunicação em massa, conforme empiricamente demonstrado nas últimas eleições, toda essa máquina sofreu uma depreciação brutal. A importância relativa dos grandes meios clássicos de comunicação - jornais e TVs principalmente - perderam grande parte do seu valor relativo e, quem sabe, capacidade de sedução e chantagem. Não é preciso o estúdio de uma grande emissora para fazer um bom documentário ou peça de publicidade, nem para distribuí-lo. A comunicação passou a ser direta, com verdades e mentiras, opiniões bem ou mal fundamentadas, não importa. A qualidade do conteúdo, aliás, sempre foi assim, por mais que queiram nos convencer de que a mentira, batizada agora de "fake news", foi inventada pela internet.

Perderam relevância os grandes financiadores e os detentores de megacontratos públicos. A corrupção terá que se reinventar e, em alguns casos, é de temer que recorram a métodos mais violentos, particularmente em certos setores do nível municipal.

Atentemos agora, se me permitem, para o seguinte: da mesma forma como há um esforço concentrado em diversas instâncias, particularmente no STF, para desfazer o trabalho desenvolvido pela operação lava-jato, há, também, um esforço para reverter os benefícios obtidos pela autonomia de comunicação alcançada no uso amplo dos meios virtuais. Na minha modesta porém convicta opinião, o ovo da serpente foi plantado quando se passou a considerar as chamadas redes sociais como corresponsáveis pelo conteúdo que veiculam, em vez de ferramentas neutras onde os autores são responsáveis por aquilo que publicam.

Deveria haver uma garantia de não vedação de matéria por parte dos controladores da tecnologia e não o contrário. Se querem olhar exceções vou citar um exemplo: imaginemos que alguém poste um tutorial ensinando como elaborar uma bomba caseira usando produtos comuns encontrados no comércio. O que a rede social deveria fazer seria solicitar ao judiciário permissão para excluir o conteúdo, o que já valeria também como denúncia e geração de inquérito. Note-se que não estamos falando de uma "opinião", boa ou ruim segundo quaisquer critérios, mas da disponibilização de uma técnica de forte potencialidade criminal.

Qualquer crime cometido por meio digital, atrevo-me a dizer, é análogo ao seu correspondente pelos meios convencionais. O que muda é o meio de realização e, consequentemente, o meio de investigação. Crimes, como sabemos, são investigados e punidos depois de realizados; qualquer tentativa de fazê-lo preventivamente tornaria o mundo uma loucura, como já visto em um filme de ficção (não lembro o nome) feito baseando-se nessa hipótese.

Liberdade de expressão, dito de forma um tanto irreverente, significa o direito que todos têm de dizer qualquer besteira. Tentar impedir isso resulta em puro despotismo e se alcançasse sucesso levaria o mundo a um silêncio sepulcral. O curioso é que as mesmas pessoas que, com certeza, criticam sensatamente os inconvenientes históricos do "index librorum prohibitorum", por exemplo, ou as tolices do episódio relatado nos "Laranjais do lago Balaton" (Maurice Duverger), ou as maluquices da censura, que no Brasil chegou a remendar letra de samba, acham que devem ser banidos do mundo virtual autores de páginas ou opiniões impuras, portadoras de mensagens casualmente ou até intencionalmente equivocadas. Se puderem fazer isso, não se tenha dúvida, poderão banir muita porcaria, mas junto serão eliminados conteúdos críticos de valor, por ignorância e idiossincrasia. Os que se voluntariam para donos do poder terão recuperado ou alcançado o controle sobre os corações e mentes como tanto desejam. E terão ferramentas mais vigorosas.

Outra ilusão é de que a internet propicia um grau de disseminação de mentiras e falsidades maior do que tínhamos antes. Ledo engano: facilita tanto o mentir como o desmentir, com a mesma eficiência, coisa que os velhos jornais de papel, por exemplo, nem sempre ofereciam. O embuste está na história do mundo desde o gênesis até os dias atuais e sempre vitimou os tolos, mas não somente estes. Se em vez de usar os métodos convencionais de intriga, Iago tivesse caluniado Desdêmona pela internet, provavelmente Otelo não teria chegado a matá-la e Shakespeare perderia uma trágica história para contar.

Fica, ainda, a pergunta: e o que fazer com as ideias e opiniões repulsivas? A pergunta já padece de um problema de origem, porque o que é repulsivo para uns pode não sê-lo para outros. Mas vamos a um exemplo. Não faz muito um jornalista da Folha escreveu um artigo manifestando o desejo de que o presidente da república morresse de Covid. Considero um artigo repugnante porque, graças a Deus, nunca augurei a morte de ninguém, muito menos recorrendo a justificativas falaciosas. O articulista traçava uma pirueta filosófica recorrendo a um argumento supostamente consequencialista. Foi o que bastou para despertar outras falácias em sentido contrário. Houve quem desejasse vê-lo preso porque incitava o ódio, embora ele próprio achasse que era movido por amor ao próximo; houve quem alegasse que devia ser banido e, pior, houve até quem negasse a existência do modelo ético consequencialista.

Há muita polêmica séria sobre consequencialismo; pior ainda quando se aborda o pensamento dos utilitaristas ingleses. Estudei isso no passado, tive que aceitar que todos os modelos éticos contém dilemas praticamente insolúveis e elaborei, na época, uma complicada saída baseada na legitimidade do agente de decisão. O consequencialismo sempre passa por um mecanismo de cálculo, onde reside, a meu ver, sua principal fragilidade.

Em resumo: o articulista tem o direito de expressar sua opinião, por equivocada e repugnante que me pareça. Ele pode sentir e expressar seu ódio ao presidente, assim como outros podem e têm o direito de amá-lo. Isso é a tal liberdade de pensamento e expressão e detesto a ideia de que agora tenhamos que andar a medir palavras, às vezes até por conta de falsa etimologia. É completamente diferente de emitir uma "fatwa" propondo que qualquer fiel devoto vá matar o presidente. Se alguém acha que propôs, vá reclamar na polícia; caso contrário, escreva um artigo discordando.

Reparem que escrevi sobre esse assunto quase sem usar o famoso anglicismo. Não é preciso. No Brasil, usando o português as coisas ficam mais claras.