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O PATRIMONIALISMO SUL-RIOGRANDENSE NA OBRA DE ÉRICO VERÍSSIMO (1905-1975)

O PATRIMONIALISMO SUL-RIOGRANDENSE NA OBRA DE ÉRICO VERÍSSIMO (1905-1975)

O ESCRITOR GAÚCHO ÉRICO VERÍSSIMO (1905-1975), AUTOR DA EPOPÉIA SUL-RIOGRANDENSE INTITULADA

Érico Veríssimo é o escritor gaúcho que, de forma mais clara e completa, caracterizou a feição patrimonialista da sociedade sul-rio-grandense. Ilustrarei os aspectos fundamentais dessa caracterização, centrando a minha atenção no romance O Tempo e o Vento que constitui, a meu ver, uma epopeia do homem dos pampas.

O gaúcho, para o nosso escritor, tem uma personalidade especial, bem definida em face dos outros grupos sociais que povoaram o Rio Grande so Sul. Rude, visceralmente ligado ao pastoreio, possuidor de um conceito de coragem que se deveria definir na luta de peito aberto contra os seus inimigos, desconfiado em face do progresso trazido pelos estrangeiros, inserido num tipo de democracia telúrica sui generis, constituída pela estância, o tipo humano apresentado por Érico Veríssimo foi burilado pela história ao longo dos séculos, desde a ocupação da antiga Província de São Pedro pelos bandeirantes vicentistas no século XVII, até os dias de hoje. Não que o gaúcho se reduza ao estancieiro e ao peão. Mas esse tipo rude é como que o centro a partir do qual foi se formatando, de maneira dialética, o conjunto de valores da alma do Rio Grande do Sul. Os imigrantes estrangeiros foram se integrando. Mas fizeram isso ao redor do “homem dos pampas”, originário colonizador dessas terras.

Eis a forma em que é descrito, na narrativa de Érico Veríssimo, o tipo gaúcho pelo tropeiro José Fandango, em contraposição aos denominados “gringos”, açorianos, italianos e alemães que foram chegando em ondas ao Rio Grande, já desde o final do século XVIII:

“Uma coisa, patrícios, eu lhes garanto: pra meu gosto o verdadeiro Rio Grande fica da margem direita do Jacuí, pros lados de são Borja e para baixo em direção de Uruguaiana, Santana do Livramento, Dom Pedrito e Bagé principalmente na Campanha, onde sempre terçamos armas contra os castelhanos. Da margem esquerda pro norte e pro mar tem gringo demais. Não gosto de alemão. Falam uma língua do diabo, olham pra gente com um olhar de pouco caso.. Tudo neles é diferente: as roupas, as danças, as comidas, as casas, até o cheiro. Quando vejo um homem de pele muito branca, cabelo de barba de milho e olho de bolita de vidro, até me dá nojo. (...) Não é que seja mesquinho, somítico ou malevo: estrangeiro também é filho de Deus. Mas cada qual deve ficar sossegado na sua terra com os seus parentes e amigos, seus costumes e cacoetes. Duns anos pra esta parte, tem chegado também muito italiano. Se empoleiraram na Serra, porque a alemoada, que chegou primeiro, pegou os melhores lugares na beira dos rios. Já andei por essas colônias da região serrana. A fala deles tem música e é doce como laranja madura e meio parecida com a nossa (...). Vassuncês são muito moços, não pegaram a Guerra dos Farrapos. Pois o velho Fandango teve a honra de servir com José Garibaldi [1], que também era gringo, mas gringo de senhoria. Sabem que foi que ele disse na sua língua atrapalhada? Que com a nossa cavalaria era capaz de conquistar o mundo (...). Na vida do continente tudo anda demudado, quase ninguém usa chiripá, agora é só bombachas. Nos fandangos já não dançam tanto a chimarrita, o tatu e a meia-canha: o que querem é balsa, chotis, mazurca, polca, essas bobagens estrangeiradas. Se há coisa que me dá quizília é ver esses tais postes do telégrafo, quando ando viajando pela campanha. Se eu fosse governo mandava derrubar tudo. Onde se viu a gente passar bilhete pra outra pessoa por um arame? Isso até é uma pouca vergonha, porque se quero dar algum recado, justo um chasque, arranjo um próprio e vou eu mesmo. (...) Pois é como estou dizendo, com tanto gringo, tanto estrangeiro com tanta moda morando em cidade nossos homens estão ficando mui frouxos. E se não hai logo uma guerra ou alguma revolução vai tudo acabar maricas. Nesse dia a castelhanada cruza a fronteira brincando e toma o continente a grito [2].

A caracterização do núcleo duro da sociedade sul-rio-grandense a partir do gaúcho das estâncias coincide, a grandes traços, com a que foi desenvolvida, no terreno da sociologia, por Oliveira Vianna (1883-1951) [3]. Para esse autor, efetivamente, a colonização do Rio Grande do Sul ensejou um tipo específico de bandeirismo, diferente daquele que prevaleceu em outras regiões brasileiras (Minas Gerais, Província Fluminense, oeste paulista e Paraná). Efetivamente, ao passo que nestas regiões prevaleceram o bandeirismo predatório e o bandeirismo minerador, no Rio Grande do Sul vingou, como atividade básica, o bandeirismo pastoral ou pastoril (com dois momentos bem definidos: preia do gado vacum e equino, no final do século XVII, e colonização a partir da consolidação de currais pastoris e do comércio do gado com a Província de São Paulo, nos séculos XVIII e XIX) [4].

As características heroicas dessa sociedade decorrem, no sentir de outro sociólogo, Simon Schwartzman (1939) [5], do fato de o Rio Grande do Sul constituir uma fronteira móvel, no contexto do país-continente, cujas outras regiões encontram-se naturalmente isoladas pelos contrafortes dos Andes, ao ocidente, pelo oceano, ao leste, e pela imensa floresta amazônica, ao norte. Destarte, os gaúchos tiveram de incorporar elementos característicos das regiões que se situam nas fronteiras da Ilha européia (Rússia e Península Ibérica): espírito guerreiro aliado a uma forte ortodoxia em matéria cultural (o que se traduziu, no Rio Grande do Sul, na ortodoxia castilhista, doutrinariamente desenvolvida como ideologia de cruzada).

Uma última anotação do ângulo sociológico: os gaúchos defrontaram-se, desde muito cedo, já no século XVIII, com um repto de eficiência no seu esforço para organizar a sociedade. Essa característica decorreu, segundo Oliveira Vianna, do ambiente de guerras constantes em que se movimentavam, o que levou aos seus dirigentes a elaborarem instituições que respondessem a necessidades vitais da sociedade. A propósito, escreve o sociólogo fluminense: “Os gaúchos movimentaram [os aparelhos de governo] com familiaridade e segurança: os atos de governo que praticaram traziam, todos, um cunho de oportunidade social e atendiam necessidades reais – e não teóricas – do povo. É que o poder público, o governo, se formara ali sob a pressão de circunstâncias muito graves – e os que manobravam os aparelhos da administração agiam como quem sabia, madura e lucidamente, o que devia fazer e o que era preciso fazer. Tinham educação prática das guerras, em que se viram envolvidos e batalharam” [6].

Desenvolverei quatro itens: 1 – Breve síntese biobibliográfica do autor. 2 – O Estado Patrimonial na narrativa de Érico Veríssimo. 3 – Os liberais sul-rio-grandenses segundo Érico Veríssimo e posição crítica em face do Estado Patrimonial. 4 – Dimensões da religiosidade na cultura gaúcha, em face do Estado Patrimonial.

1 – Breve Síntese Biobibliográfica do Autor.

Érico Veríssimo nasceu em Cruz Alta, Rio Grande do Sul, em 1905. Nos seus tempos juvenis exerceu a profissão de bancário, tendo sido, depois, sócio de uma farmácia. Em 1931 casou-se com Mafalda Halfen von Volpe. Teve dois filhos, Clarissa e Luís Fernando. Radicado em Porto Alegre a partir dos anos 30, trabalhou como redator da Revista do Globo, tendo permanecido ligado à Editora da Livraria do Globo até os seus últimos anos de vida, como secretário do Departamento Editorial e como conselheiro. No decorrer da década de 30, Érico Veríssimo consolidou a sua vocação literária, tendo publicado, em 32, o seu primeiro livro de contos sob o título de Fantoches e, em 33, o seu primeiro romance, que saiu à luz com o título de Clarissa. Alguns anos depois, em 1938, obteve um grande sucesso literário com a obra intitulada Olhai os Lírios do Campo.

Em 1941, a convite do Departamento de Estado do governo americano, realizou uma gira de três meses pelos Estados Unidos, tendo visitado, entre outras, as cidades de Washington, Baltimore, Filadélfia, Nova York, Boston, Chicago, Nova Orleans, San Francisco e Hollywood. Teve encontros com expoentes do mundo das letras e da cultura europeia e norte-americana como Hendrik W. Van Loon (1882-1947), Pearl S. Buck (1892-1973), Robert Nathan (1894-1975), Thornton Wilder (1897-1975), David Daiches (1912-2005), William Somerset Maugham (1874-1965), James Fleibeman (1904-1987), Thomas Mann (1875-1955), James Hilton (1900-1954), Walter Wanger (1894-1968) e Aldous Huxley (1894-1963).

Dessa sua primeira experiência norte-americana, o autor legou-nos um livro em que recolhe as suas impressões: Gato preto em campo de neve. Entre 1943 e 1945 voltou aos Estados Unidos, desta vez para lecionar cultura e literatura brasileiras na Universidade de Berkeley. Dessa sua segunda viagem a terras estadunidenses, o nosso autor deixou memória no livro intitulado: A volta do gato preto. No ano de 1953, Érico Veríssimo voltou novamente aos Estados Unidos, tendo desempenhado, nessa oportunidade, as funções de Diretor do Departamento de Assuntos Culturais da Organização dos Estados Americanos (OEA).

O Tempo e o Vento, a trilogia que constitui a máxima obra do nosso autor, começou a ser escrita em 1947, tendo sido terminada em 1962. Esta grandiosa obra recebeu importantes prêmios da crítica brasileira, como o Jabuti e o Pen Club. Os romances de Érico Veríssimo encontraram ampla divulgação pelo mundo afora, tendo sido publicados nos Estados Unidos, na Inglaterra, França, Itália, Argentina, Espanha, México, Alemanha, Holanda, Noruega, Japão, Hungria, Indonésia, Polônia, Roménia, Rússia, Suécia, Tchecoslováquia e Finlândia. O nosso autor destacou-se, também, como escritor de livros infantis, tais como Os três porquinhos pobres, O urso com música na barriga, As aventuras do avião vermelho e A vida do elefante Basílio. Dentre as suas últimas obras destacam-se O senhor embaixador (1965), cuja narrativa se passa num país caribenho – uma velada referência a Cuba -, O prisioneiro (1967) onde focaliza a problemática da guerra do Vietnã, Incidente em Antares (1971), crítica bem-humorada ao regime militar, na qual o autor desmistifica o princípio positivista de que “os vivos são governados pelos mortos” e Solo de clarineta (primeiro volume, 1973), que constitui as suas memórias. Ao morrer, em 1975, Érico Veríssimo estava escrevendo o segundo volume dessa obra, que foi publicada postumamente.

Uma simples enumeração da obra completa do nosso autor revela a sua enorme criatividade. Seguindo a apresentação feita para a edição de Gato preto em campo de neve, pela Editora Companhia das Letras (2005), os escritos de Érico Veríssimo podem ser agrupados em torno a três grandes eixos: narrativas avulsas, o ciclo de romances que integram O Tempo e o Vento e as obras de inspiração infanto-juvenil.

As “narrativas avulsas” abarcam as seguintes obras: Fantoches (1932), Clarissa (1933), Música ao Longe (1935), Caminhos Cruzados (1935), Um lugar ao sol (1936), Olhai os lírios do campo (1938), Saga (1940), Gato preto em campo de neve (narrativa de viagem, 1941), O resto é silêncio (1943), Breve história da literatura brasileira (ensaio, 1944), A volta do gato preto (narrativa de viagem, 1946), As mãos do meu filho (1948), Noite (1954), México (narrativa de viagem, 1957), O senhor embaixador (1965), O prisioneiro (1967), Israel em abril (narrativa de viagem, 1969), Um certo capitão Rodrigo (1970), Incidente em Antares (1971), Ana Terra (1971), Um certo Henrique Bertasso (biografia, 1972), Solo de clarineta (memórias, 2 volumes, 1973 e 1976).

O Tempo e o Vento é, certamente, a magna obra de Érico Veríssimo e constitui, como foi destacado no início, uma verdadeira epopeia do homem e da sociedade gaúcha. A obra é integrada pelos seguintes romances: Parte I – O Continente (2 volumes, 1949); Parte II – O Retrato (2 volumes, 1951) e Parte III: O Arquipélago (3 volumes, 1961-1962). A nossa análise do pensamento do escritor gaúcho acerca do Estado Patrimonial centraliza-se, preferencialmente nessa obra.

Mas Érico veríssimo caracterizou-se, também, pelo fato de ter escrito farta narrativa infanto-juvenil, se tornando assim, sem dúvida, um dos grandes expoentes dessa área da criação literária, digno de estar ao lado de Monteiro Lobato (1882-1948) e Maria Clara Machado (1921-2001). As obras que integram essa faceta da criação de Érico são as seguintes: A vida de Joana D’Arc (1935), Meu ABC (1936), Rosa Maria no Castelo Encantado (1936), Os três porquinhos pobres (1936), As aventuras do avião vermelho (1936), As aventuras de Tibiquera (1937), O urso com música na barriga (1938), Outra vez os três porquinhos (1939), Aventuras no mundo da higiene (1939), A vida do elefante Basílio (1939), Viagem à aurora do mundo (1939) e Gente e bichos (1956).

2 – O Estado Patrimonial na narrativa de Érico Veríssimo.

Autoritarismo. Essa é a característica fundamental dos governantes gaúchos flagrada pelas personagens de Érico Veríssimo. Um dos jovens rebentos republicanos na narrativa, Terêncio Prates, castilhista pelas suas origens familiares, mas crítico pela formação sociológica recebida na Europa, em cena que o autor situava nos anos 30 do século passado, fazia o seguinte balanço dos governantes gaúchos do ângulo do temperamento político:

“Eu às vezes penso nos condutores de homens que o Rio Grande tem produzido, e como eles se parecem em matéria de temperamento. Júlio de Castilhos gerou [7] Borges de Medeiros [8], que por sua vez gerou Getúlio Vargas [9]. O que essas figuras têm em comum, como um traço de família, é o caráter autoritário, a par duma certa frieza nas relações humanas [10].

O Estado Patrimonial para Érico Veríssimo prima pela sua incompetência. O que depende dele não funciona. Se os fenômenos naturais fossem da alçada da pachorrenta burocracia, haveria uma subversão no estado do tempo. Eis o que afirmava um dos representantes da última geração dos Cambará, Floriano, numa cena que se passa na Porto alegre de 1945, ao observar, junto com o seu amigo Roque Bandeira, o belo entardecer:

“É uma sorte o pôr do sol não depender do governo e de nenhuma autarquia, porque, se dependesse, o trabalho cairia nas garras de funcionários incompetentes e desonestos, haveria negociata na compra do material, acabariam usando tintas ordinárias... e nós não teríamos espetáculos como este” [11].

Ao lado da incompetência, o Estado patrimonial caracteriza-se pelo clientelismo e por uma estrutura familística e anárquica. Não há espaço público. É tudo uma emanação da Casa Grande dos poderosos. As instituições pouco importam. Império ou República, tudo depende das pessoas que mandam, dos Donos do Poder. O Império, para o povinho – simbolizado no personagem Fandango, na narrativa do Érico – é bom porque o Velho (o Imperador) é uma pessoa boa. Para que a República? A sua proclamação seria um ato puramente formal. O que importa são as pessoas de prol e as suas clientelas. Cidades, regimes, tudo poderá ser proclamado na lei, mas as coisas ficam como estão. Eis o ponto de vista do matuto (que termina sendo também o do patrão Licurgo), na narrativa do nosso autor, que situa a cena às vésperas da proclamação oficial do distrito de Santa Fé como Vila, lá pelos idos de 1880:

“ – Chô égua! Não nasci ontem. Essa história de cidade é a mesma coisa. Dias atrás não se sabia de nada, Santa Fé era vila. Muito bem. De repente chega um desses tais de telegramas e começa a folia. A Assembléia resolveu que agora Santa Fé é cidade. Todo mundo fica louco, a festança começa, é sino, viva o foguete. Mas me diga, cambiou alguma coisa? Nasceu alguma casa nova, alguma rua nova, alguma árvore nova só por causa do decreto? Não. Pois é... Pura conversa fiada, hombre! Licurgo sorria. – Se é assim, vassuncê deve ser também contra a república. – Aí estará outra bobagem. Se vier a República a gente vai ver como não cambia nada. Pode cambiar a posição das pessoas. Quem está por baixo sobe, quem está por cima desce. Mas as coisas ficam no mesmo, e o povinho continua na merda. – A república há de vir seja como for. Mas tome esse mate, disse Licurgo, estendendo para o velho a cuia que Lindoia lhe entregara. Fandango, porém, sacudiu negativamente a cabeça: - Não, Gracias. Nada de primeiros comigo. Nem com mulher nem com mate. Licurgo começou a chupar na bomba e a cuspir o líquido esverdeado no chão. – Na próxima eleição – disse ele – vassuncê vai votar com os republicanos. – Posso votar com o Curgo, que é meu amigo. O resto é bobagem. – Dessa vez havemos de eleger os nossos candidatos. – Pode ser. Mas na última eleição esse tal de Assis Brasil [12] não fez nem pro fumo... – Espere, Fandango, que no ano que vem a coisa muda. O capataz encolheu os ombros. – O Velho é bom. Certos apaniguados dele é que não prestam. Referia-se ao Imperador. – Mas pra derrubar essa cambada é preciso derrubar também o Velho e o regime, substituindo esses figurões por gente nova como Júlio de Castilhos, Rui Barbosa [13], Venâncio Aires [14] e outros. – Conversas! São todos uns bons filhos da mãe. Licurgo tornou a encher a cuja d ‘água e passou-a a Fandango. Enquanto o velho ficou entretido a chupar a bomba, ele falou com entusiasmo nos festejos do dia. Tinha a impressão – disse - de que o baile de gala do Paço Municipal, com suas formalidades e seus medalhões, ia ficar apagado diante da festa do Sobrado, onde reinaria a verdadeira democracia: negros e brancos, ricos e pobres, todos misturados e irmanados no ideal abolicionista e republicano. Mas no momento mesmo em que dizia essas coisas, Curgo percebeu que não estava sendo sincero, que não estava dizendo o que sentia. Era-lhe inconcebível a ideia de que aqueles negros sujos pudessem vir dançar nas salas de sua casa, em íntimo contato com sua família. Sabia também que pouca, muito pouca gente em Santa Fé compreendia o sentido da palavra república” [15].

O chefe político apresenta-se, na narrativa de Érico Veríssimo, como dono da verdade, dono da vida e da morte. Os chefes dos clãs em que se dividia a sociedade sul-rio-grandense, Maragatos (monarquistas liberais) e Pica-Paus (republicanos positivistas), no belicoso contexto do fim do Império, não dissimulavam o seu domínio sobre a informação. Somente podiam circular as notícias que eles permitissem e que, evidentemente, favorecessem os seus interesses políticos. Eis o primoroso relato que faz Érico acerca do comportamento do patriarca dos Maragatos de Santa Fé, o velho coronel Bento Amaral, lá pelos idos de 1880:

“A redação e as oficinas de O Arauto ficavam numa meia-água quase em ruínas, apertada entre o Paço Municipal e o casarão dos Amarais. Toda a gente em Santa Fé sabia que o jornal dirigido por Manfredo Fraga se mantinha graças ao apoio financeiro que lhe dava o Coronel Bento, o qual da janela lateral de sua residência costumava berrar sugestões para os artigos de fundo: Ataque esses republicanos duma figa. Diga que são uma corja de traidores! Ou então: Responda ao artigo de Júlio de Castilhos e conte que A Federação [16] é financiada pela Maçonaria. Ou ainda: Ameace que vamos contar donde saiu o dinheiro para construir o sobrado dum certo republicano de Santa Fé. Dê a entender que vamos desenterrar cadáveres, e que muita roupa suja vai ser lavada em praça pública! Aos oitenta e um anos de idade era ainda Bento Amaral um homem cheio de energia. Caminhava lentamente, arrastando os pés, mas recusava-se a usar bengala, mantinha uma postura ereta e detestava ser tratado como velho. (...) Ultimamente deixara de fumar, mas adquirira o hábito de mascar fumo, de sorte que muitas vezes quando da janela de seu quarto gritava ordens para o salafrário do Fraga – que lhe era útil, mas que no fundo detestava – as palavras lhe saíam da boca junto com um chuveiro de saliva parda. Da outra casa, com a mão em concha atrás da orelha – pois era meio surdo – o diretor de O Arauto escutava-lhe as ordens num silêncio servil e depois ia sentar-se à mesa de trabalho, molhava a pena na tinta e com caligrafia caprichada traçava o artigo de fundo, de acordo com as instruções do Chefe. Nunca publicava nada em seu jornal sem primeiro pedir a aprovação do Coronel Bento” [17].

O chefe como dono da verdade. No contexto do Castilhismo ou no arraial dos Maragatos, a palavra dele era a última. É o que Érico Veríssimo destaca no seguinte trecho, que traduz o desabafo de um importante castilhista, o Dr. Terêncio Prates, em face da situação eleitoral de 1930, quando a candidatura de Getúlio à Presidência da República tinha sido derrotada (o que daria ensejo à ulterior Revolução de outubro desse ano) e diante da decisão de Borges de Medeiros (1863-1961), no sentido de acatar o resultado eleitoral. Nessa circunstância, Borges tinha externado a sua decisão em Editorial publicado em A Federação, redigido com o mesmo título (“Pela Ordem”) do memorável texto, da lavra de Lindolfo Collor [18], contra as revoltas tenentistas dos anos vinte. Eis as palavras de Terêncio:

“(...) De sorte que estamos nessa situação ridícula. Perdemos a eleição, ameaçamos céus e terras... Acabamos acovardados. O Dr. Borges de Medeiros acha que a questão ficou encerrada com a decisão das urnas e deu um novo Pela Ordem que eu não aprovo mas acato, como soldado disciplinado do Partido. Se havia alguma articulação revolucionária, essa foi águas abaixo depois do pronunciamento do chefe” [19].

A mesma tendência a cerrar fileiras ao redor do chefe, quando ele se pronuncia ou toma a sua decisão, encontramos no seguinte texto, que se refere à atitude dos castilhistas e borgistas – que criticavam Getúlio pela sua aparente dilação em face da revolução em andamento, em outubro de 1930 -. Uma vez conquistado o poder nacional pelo líder gaúcho, todos têm de segui-lo, esquecendo as diferenças de ontem: “Naquela manhã de segunda-feira os jornais trouxeram o manifesto de Getúlio Vargas à nação. Terminava assim: Rio Grande de pé pelo Brasil. Não poderás faltar ao teu destino glorioso! Tio Bicho leu o documento, sorriu e ia fazer uma das suas observações mordazes quando Rodrigo o reduziu ao silêncio com um olhar duro e estas palavras: Cala a boca! Nesta hora não há lugar para céticos nem para maldizentes profissionais. Maragatos e Pica-paus enterraram suas diferenças para o bem do Brasil. Eu já esqueci as indecisões e fraquezas de Getúlio: ele é agora o chefe de todos nós. Quem não está com a Revolução está contra ela. Toma cuidado. Tu e o Aarão (Stein). Quem avisa amigo é” [20].

Esse poder para controlar a informação traduziu-se, no Rio Grande do Sul, num estatismo crescente que terminou evoluindo, com o Estado getuliano, para uma estatização da economia, pondo todas as Unidades da Federação a pedir esmola ao centro do poder. O autor desse perverso fenômeno foi Getúlio Vargas, o último rebento do Castilhismo. Eis a forma em que Érico Veríssimo deixava explícito esse processo, no diálogo que se passa entre três personagens da última saga de Pica-Paus (os Castilhistas), Terêncio, (filho de estancieiros e sociólogo), Rodrigo Cambará, valentão, namorador e festeiro (liberal, simpático ao getulismo) e Floriano (que exprime os interesses do gaúcho comum), numa espécie de avaliação do processo centralizador praticado por Getúlio ao longo dos anos 30. Note-se, no texto a seguir, a dialética entre estatismo e surgimento de hábitos de dependência dos estancieiros (que simbolizam a iniciativa privada) em face do Governo:

“Sim – retruca Terêncio – (...) a política econômico-financeira foi centralizada de tal modo que os Estados passaram a depender do governo federal, perdendo praticamente sua autonomia política. Com o nosso absurdo sistema fiscal e mais as arrecadações dos Institutos de Previdência, o governo central engorda à custa da sangria dos Estados. Todo o dinheiro da nação se concentra no Rio. E os negocistas corvejam em torno dos ministérios e das autarquias. – O Banco do Brasil tem exercido o que se poderia chamar de imperialismo interno – diz Floriano. – É um Estado dentro do Estado, Rodrigo toma um gole de cerveja e, olhando para Terêncio, sorri: - Vocês, estancieiros, são muito engraçados. Têm um sagrado horror a qualquer coisa que cheire a intervenção estatal na economia particular, mas sempre que estavam em dificuldades financeiras iam de chapéu na mão bater à porta do Governo, suplicando-lhe que interviesse nos negócios de vocês com medidas providenciais, como empréstimos, moratórias, reajustamentos... Além de incoerentes, são uns ingratos! Seja como for – diz Terêncio – isso que aí está, essa desmoralização dos costumes, essa indecência administrativa que se comunicou à nossa maneira de ver o mundo: tudo isso devemos a Getúlio Vargas. Tudo isso aconteceu, começou ou se agravou durante o seu governo...” [21].

O centralismo econômico do varguismo veio substituir um outro centralismo, que privilegiava São Paulo sobre as outras regiões do Brasil. Na República Velha, o país foi loteado pelas oligarquias estaduais, sendo que a elite paulista foi a mais privilegiada pelo governo central. Um centralismo, o getuliano, de caráter nacional, veio se sobrepor a um outro centralismo, oligárquico, exercido por São Paulo e girando em torno à economia cafeeira. A riqueza dos paulistas explica-se pelas benesses que recebiam do governo. Raciocínio tipicamente patrimonialista, à maneira pombalina: O Estado-empresário garante a riqueza da Nação [22]...Eis a descrição dessa realidade, que constituiu uma modalidade de dominação patrimonial, do governo central e de São Paulo, sobre o resto do país, com privatização dos recursos públicos por parte de uma oligarquia. Érico Veríssimo coloca essa caracterização na boca de um castilhista ilustrado, o Dr. Terêncio Prates, que estudou sociologia em Paris:

“Terêncio Prates ergueu-se, os músculos faciais retesados, e por um momento pareceu que ia esbofetear o interlocutor. Depois, com uma voz que a emoção tornava gutural e baça, mas sem perder o ar didático e autoritário, disse: - Sabe por que São Paulo é hoje o Estado mais rico da Federação? É porque sempre foi a menina dos olhos do governo central, que sacrifica o resto do país para proteger a lavoura cafeeira paulista e seu arremedo da indústria. Os fazendeiros de café recebem dinheiro adiantado do Banco do Estado, têm sua safra garantida a preços artificialmente elevados. Por isso sempre nadaram em dinheiro, viveram à tripa forra, com automóveis de luxo, grandes casas, viagens frequentes à Europa, ao passo que nós aqui no Rio Grande levamos uma vida espartana, esquecidos do Centro, envolvidos em crises financeiras e econômicas crônicas... Stein sorriu. – É o regime latifundiário, doutor. Essa situação vem do Império. Vem do período colonial, quando começaram os privilégios da aristocracia rural, que governava o país e fazia as leis de acordo com as conveniências. No princípio eram os senhores de canaviais e engenhos. Hoje são os fazendeiros de café. Mas estão todos enganados se pensam que essa prosperidade inflacionária é a solução para a economia nacional. O Brasil nunca teve lastro para garantir essas operações de crédito feitas no estrangeiro. E o resultado está aí. O crash da Bolsa de Nova York precipitou a degringolada. Os preços do café caíram. O pânico começou” [23].

Getúlio Vargas, certamente, para Érico Veríssimo, constituía a súmula do autoritarismo republicano. Ele foi o mais decidido herdeiro da tradição castilhista, e conduziria essa tendência até formatar, ao redor dela, o processo modernizador e unificador do Brasil, efetivado ao longo dos mais de quinze anos durante os quais esteve à frente dos destinos da República. Getúlio herdou o sentido da ordem autoritária do Castilhismo. Mas, alicerçado nesse legado, ampliou o âmbito da ação organizadora do Estado centralizador ao plano nacional. Fê-lo de maneira decidida, mas sem aparentar açodamento, angústia ou desconforto. O seu comportamento, diante da conquista do poder, não foi de espadachim arrojado, como o de Flores da Cunha [24], nem de orador ardente, como o do Osvaldo Aranha [25]; foi, sim, o do jogador que espera pacientemente a sua vez, para dar a cartada final, sem perder a compostura e conservando aquele fleuma que levava os seus correligionários a denomina-lo de “A Esfinge”. Uma “Esfinge” que, em face da desonra de se ver privado do poder pelo qual lutara, não recuaria nem diante da morte. No seguinte trecho, fica patente essa paradoxal caraterística do líder são-borjense:

“Afinal de contas – pergunta Rodrigo - de que pecado acusas o Getúlio? De não ter a simpatia de bom-moço, a palavra brilhante, a rica fantasia do Oswaldo Aranha? Ou as atitudes de espadachim e os impulsos epileptiformes do Flores da Cunha? Discípulo de Castilhos, Getúlio foi sempre o homem da ordem. Não queria lançar o Rio Grande numa luta perigosa. E depois, falemos com toda a franqueza, não conheço ninguém dotado de um amor-próprio mais acentuado que o dele. É natural que tenha sempre procurado evitar situações constrangedoras ou desmoralizadoras para seus brios de homem. Pode alguém censurá-lo por isso? – O que ele teria com as suas negociações por baixo do poncho – insiste Terêncio, inflexível – era, repito, inculcar-se como candidato oficial. Lutou por isso até a última hora, à revelia de amigos e correligionários. Em 1930, já havia começado o tiroteio da revolução e ele se encontrava no Palácio, seguindo em calma a sua rotina, como se nada de anormal estivesse acontecendo... Com os olhos enevoados de sono, a voz pastosa, Tio Bicho conta: - Sei de uma historiazinha pouco divulgada que ilustra muito bem o caráter do amigo do Dr. Rodrigo. Na tarde de 3 de outubro de 1930, o momento exato em que Flores da Cunha, Oswaldo Aranha e um punhado de paisanos e elementos da Guarda Civil atacavam de peito descoberto o Quartel General da Região, uma dama, esposa de um dos líderes que naquela hora arriscavam a vida no assalto, entrou no gabinete de Getúlio Vargas, no Palácio do Governo, e encontrou o nosso homem fumando serenamente um charuto com o seu angorá branco. Indignada diante daquela atitude de indiferença, explodiu: O senhor já pensou, Dr. Getúlio, que se essa revolução fracassar estamos todos perdidos? Ele ergueu os olhos plácidos para a dama e respondeu sem altear a voz: Já. Tanto pensei, que trago aqui no bolso um revólver. Vivo, eles não me pegam. O Getúlio não é homem de suicidar-se! Exclama Terêncio.- Barganhará com a morte até o fim, como tem barganhado com os homens e com a vida” [26].

Vale a pena cotejar o texto que acabo de citar, com este outro extraído do Diário de Getúlio Vargas, a fim de percebermos a fidelidade de Érico Veríssimo na exposição do arrazoado varguista. Efetivamente, no dia em que estoura a Revolução, em 3 de outubro de 1930, Getúlio escreveu nesse precioso documento: “Quatro e meia. Aproxima-se a hora. Examino-me e sinto-me com o espírito tranquilo de quem joga um lance decisivo porque não encontrou outra saída digna para seu estado. A minha sorte não me interessa e sim a responsabilidade de um ato que decide do destino da coletividade. Mas esta queria a luta, pelo menos nos seus elementos mais sadios, vigorosos e ativos. Não terei depois uma grande decepção? Como se torna revolucionário um governo cuja função é manter a ordem? Eu serei depois apontado como o responsável, por despeito, por ambição, quem sabe? Sinto que só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um fracasso” [27].

Um pouco mais adiante, nas anotações que correspondem aos dias 6 e 7 de outubro do mesmo ano, escrevia Getúlio: “Consigo fazer meus preparativos a fim de seguir para o teatro de operações, no Paraná. Desejo fazê-lo, porque esse é meu dever, decidido a não regressar vivo ao Rio Grande, se não for vencedor. Em Oswaldo Aranha encontro apoio decidido e essa ideia” [28].

Peça-chave do autoritarismo castilhista era a tendência a legislar por decreto, que tinha sido consolidada pela Constituição Estadual de 1891, da lavra de Castilhos [29]. Essa tendência foi longamente praticada por Borges de Medeiros e por Getúlio, no plano estadual. Chegado ao poder federal, Vargas repetiu a prática da legislação por decreto do Executivo, ao pôr em execução a política de equacionamento técnico dos problemas, que funcionava assim: perante uma questão a ser resolvida, o Executivo pedia a opinião dos seus técnicos, especialistas em cada área (modelo inspirado no famoso Conseil d’État napoleônico); uma vez apresentadas, pelos técnicos, as várias alternativas possíveis, o Presidente da República, soberano, escolhia a variável que melhor lhe parecesse. Tudo isso, evidentemente, à margem da deliberação política.

Eis a forma em que Érico Veríssimo colocava sobre o tapete esse tema, pela boca de dois dos seus personagens, Rodrigo e Terêncio, que dialogam acerca da Constituição de 1934, de inspiração liberal (fato que é apontado pelos amigos de Getúlio, como responsável pela impossibilidade de governar sob tal estatuto legal):

A Constituição de 1934 – diz Rodrigo – a carta pela qual vocês democratas tanto suspiravam, não passou dum aborto, um mostrengo híbrido. Aqui esquerdizante, mais adiante fascistizante (para acompanhar a moda) e ainda mais além reacionária, recebeu no fim uma leve e vistosa camada do açúcar cristalizado do liberalismo. Não tinha unidade doutrinária nem técnica. Ora parecia uma constituição feita para povos verdadeiramente civilizados, como os escandinavos, ora dava a impressão dum estatuto destinado a reger uma comunidade colonial de botocudos. Uma verdadeira salada mista... e com azeite rançoso! Como muito bem disse o Getúlio, a nova carta deixava o Presidente da República sem recursos para defender-se diante da desenfreada disputa dos Estados. Terêncio ergue a mão em cujo anular brilha também um rubi: - A coisa é mais simples. O Getúlio não sabia mais administrar dentro dum regime legal. Estava viciado em governar por decretos” [30].

Getúlio, no sentir de Érico Veríssimo, preparou a sua ascensão ao plano nacional, já quando passou a desempenhar as funções de Presidente do Estado do Rio Grande do Sul, após ter participado do gabinete de Washington Luís (1869-1957) como Ministro da Fazenda. Poderíamos dizer, à luz dos estudos desenvolvidos mais recentemente, que Vargas descobriu a dimensão nacional dos problemas brasileiros muito tempo atrás, quando, a partir de 1923, passou a presidir a bancada gaúcha no Congresso Nacional, como Deputado pelo Rio Grande do Sul. Duas coisas aprendeu o jovem parlamentar: o Brasil não se resume ao Rio Grande e, para conquistar o poder, é necessário saber se mimetizar sem contrariar os processos históricos, optando pelo reformismo, mais do que pelos golpes revolucionários que desconheçam a tradição das nações.

A leitura da obra de Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951) [31], certamente, acordou Getúlio para a dimensão nacional dos problemas. E o convívio com o universo parlamentar da época tornou-o um homem de mundo. De posse de uma visão mais ampla do país, Getúlio estava armado com instrumentos suficientes para encarar os grandes problemas nacionais. No seguinte texto fica clara essa nova visão do líder são-borjense, bem como a sua política de composição com as várias forças políticas, típica da sua concepção saint-simoniana, que o levava a entender o corpo social não como uma máquina (à maneira pombalina e positivista), mas como um organismo (do jeito saint-simoniano). Consta que Getúlio, assíduo leitor de Émile Zola (1840-1902), assimilou os princípios saint-simonianos nos romances do grande escritor francês. A seguir, o texto de Érico Veríssimo em que o nosso autor, liberal de coração, não deixa de reconhecer que o Rio Grande se transformou, também, por obra da luta dos idealistas seguidores de Gaspar da Silveira Martins (1834-1901) [32] e Assis Brasil, que derrotaram o borgismo em 1923:

“No entanto – interrompe-o Rodrigo – depois de eleito Presidente do Rio Grande, quando o Dr. Borges de Medeiros lhe apresentou uma lista de sugestões para a formação de seu secretariado, o Getúlio teve um belo gesto de independência, dizendo: Já convidei os meus secretários. E todos aceitaram. Terêncio quer retomar o discurso, mas Rodrigo fala mais alto: - Depois de assumir o poder, transforma por completo a vida política e social do Rio Grande. É preciso que vocês não esqueçam isso. Pela primeira vez na história de nosso Estado, as vitórias eleitorais da oposição eram reconhecidas. Getúlio governou com imparcialidade, à revelia de seu Partido. Chegou ao extremo de nomear para postos importantes adversários políticos, Libertadores e Gasparistas. Era um vento novo e sadio a soprar sobre as coxilhas. E a coisa era tão subversiva e inesperada, que chegou a causar uma espécie de pânico entre a velha guarda republicana. Se isso não é ter personalidade, então não sei mais nada... – Ora – replica Terêncio – Getúlio fez todas essas coisas com um olho frio e calculista na presidência da República, esperando congregar republicanos e maragatos num bloco unido que amparasse sua candidatura. – E quem o pode censurar por isso? – pergunta Rodrigo, inclinando o busto para frente. – Já viste alguém ganhar eleição sem votos? E o que importa, Terêncio, é que a situação do Rio Grande melhorou. Todos aqueles intendentes e delegados de polícia façanhudos e bandidotes que, à sombra da indiferença ou da cegueira do borgismo, viviam fraudando eleições, espaldeirando e assassinando membros da oposição, todos esses cafajestes se aplacaram... ou foram destituídos de seus postos. Com o governo de Vargas começou o declínio do caudilhismo e do banditismo oficial no nosso Estado. – Mas não se esqueça – intervém Floriano – que nada disso teria sido possível sem a Revolução de 23. – Como é que vou esquecer essa revolução, menino, se andei metido nela? [33].

A Revolução de 30 somente poderia vingar, no sentir de Érico, se os Castilhistas da Segunda Geração, à cuja testa estava Getúlio, tivessem cooptado o elemento militar. Diferentemente do que aconteceu na Argentina, onde os militares, já após as guerras de Independência, passaram a exercer muitas vezes o poder, dando ensejo ao caudilhismo armado do tipo de Juan Manuel de Rosas (1793-1877) [34], os Castilhistas, no Rio Grande do Sul, constituíram, sob o rigoroso controle de Castilhos e de Borges de Medeiros, uma liderança civil que terminou, habitualmente, cooptando os militares. Não foi diferente quando da tomada do poder nacional pelos gaúchos em 30. O autor coloca o seu pensamento neste trecho, em que Rodrigo, getulista entusiasta, reflete a partir das notícias que comenta com um conterrâneo seu, Juquinha Macedo. A cena se passa na véspera da Revolução de 1930:

“Rodrigo quis saber de pormenores da revolução argentina. O judeu mostrou-lhe os jornais. Uma junta presidida pelo general Uriburu [35] tinha assumido o governo do país vizinho. No manifesto que os militares haviam lançado à nação, Rodrigo descobriu um trecho que se poderia aplicar, sem mudar sequer uma vírgula, à situação brasileira. Declaravam os militares que se haviam rebelado para intimar os homens que atraiçoaram no governo a confiança do povo e da República, ao abandono imediato dos cargos que não exerceram para o bem comum, mas em exclusivo proveito de seus apetites pessoais. Rodrigo, porém, não se mostrou entusiasmado com a queda de Irigoyen [36]. Quando Juquinha Macedo lhe perguntou por que, explicou: - Seria um desastre se nosso Exército, seguindo o exemplo do argentino, depusesse Washington Luís. Teríamos então uma ditadura militar e a situação ficaria ainda pior. Nossa revolução tem de ser feita por nós com a participação do Exército. Tem de ser uma revolução civil e popular” [37].

O getulismo cooptou o elemento militar, tendo-se explicitado esse fato no apoio que o Clube 3 de Outubro, integrado por oficiais do Exército, deu constantemente a Getúlio ao longo da sua permanência no poder. A expressão burocrática desse apoio traduziu-se na instituição dos Interventores Militares que o ditador espalhou pelos quatro cantos do país, ao lado dos Interventores Civis. Dessa presença habitual e ativa do Exército emergiu, na nossa realidade social, o fenômeno do patrimonialismo estamental [38] que, completado pelos Conselhos Técnicos Integrados à Administração, constituiu uma das marcas registradas do tecnocratismo autoritário getuliano, cujas raízes se prolongam até os dias de hoje, com a presença decisiva dos tecnocratas (ao lado dos militares, no ciclo 1964-1985) ao redor do Executivo hipertrofiado. Essa participação do Exército como quadro estamental de sustentação do poder terminou entregando, no período getuliano, a política de segurança interna aos militares, com os desmandos que se tornaram habituais entre os membros da Força Pública. Uma primeira revelação desse estado de coisas é feita por Érico, nas palavras que põe em boca de Rodrigo, o fiel getulista, numa cena que se passa nos anos 30; a repressão brasileira não deixava nada a dever à que se praticava na União Soviética:

“Cala essa boca, Arão (Stein) – exclamou Rodrigo com uma agressividade paternal. – Tua panacéia bolchevista não vai resolver nossos problemas. E uma coisa te digo: se te prenderem de novo, não contes mais comigo pra te tirar da cadeia. Tens a língua solta demais – Não se pode falar nem academicamente – perguntou o judeu, com um sorriso contrafeito. – Academicamente ou não – replicou o dono da casa - levaste várias sumantas de borracha na Polícia, não foi? Uma vez te quebraram três costelas, te deixaram sem sentidos, quase te liquidaram. Se eu não interviesse terias morrido e ninguém ficava sabendo... Já vês que nossa Polícia não compreende a linguagem acadêmica, e nisso ela se parece muito com essa GPU que vocês têm na União Soviética. Stein passou a mão perdidamente pelos cabelos. – Eu sei... – murmurou, como que a recordar-se das torturas sofridas e passadas. – Acontece que as costelas são minhas, doutor, e minha vida é minha” [39].

Anos mais tarde, ao fazer o balanço das violências policiais do período getuliano, já derrubado o Estado Novo, em meados da década de 40, o nosso autor põe na boca dos seus personagens a seguinte avaliação da violência do período ditatorial, destacando a ausência de valores morais que se tornou habitual entre os detentores do poder, de um lado, e dos que foram vítimas dele, como Luís Carlos Prestes (1898-1990):

“Acusam o ditador – diz Floriano – de muitos pecados que me parecem apenas veniais. A meu ver o seu pecado mortal, o maior de todos, foi o de ter feito vista grossa aos banditismos de sua Polícia. Rodrigo retesa o busto e exclama: - Te asseguro que ele não sabia de nada! – Como podia não saber? – replica Terêncio. É inadmissível. – Uma vez – improvisa o dono da casa, absolvendo-se ao mesmo tempo da mentira – cheguei a perguntar a Getúlio se havia algum fundamento nas negras histórias que corriam sobre a Polícia, e ele me respondeu que tinha mandado fazer uma investigação, mas que nada fora apurado de positivo. Disse mais: que tinha entregado inteiramente o setor policial aos tenentes... – E depois disso naturalmente lavou as mãos... – murmura Tio Bicho - . Não vais me dizer também diz Terêncio – que teu amigo não ficou sabendo que seu governo entregou a esposa de Prestes [41], grávida de muitos meses, à Gestapo, que a mandou para a morte num campo de concentração. Rodrigo pensa em replicar: Tratava-se dum complicado caso de direito internacional, mas cala-se, lembrando de quanto ele próprio havia ficado revoltado ante o fato. – A insensibilidade moral de Getúlio Vargas – e ao dizer isto a voz de Terêncio está cheio dum surdo rancor – só encontra par na de Luís Carlos Prestes, que, ao sair da prisão, não hesitou em estender a mão e oferecer uma aliança política ao homem que foi seu carcereiro durante nove anos e, pior ainda, ao homem que havia entregado sua esposa aos carrascos nazistas, tornando-se assim seu co-assassino. Encontraram-se os dois monstros num palanque de comício político. O chefe comunista lívido e grave, o Ditador rosado e sorridente. Prestes aceitava a situação como um sacrifício imposto pelo seu Partido, em nome duma ideologia, dum programa político definido. E Getúlio? Por que se sujeitava à situação constrangedora? Por puro desejo de continuar no poder? Ou apenas como uma consequência da sua supina descrença dos homens e dos valores morais? [42].

Mas se a violência policial era marca registrada do regime do Patrimonialismo Modernizador instaurado pelo getulismo, também formava parte dessa cultura política o carisma do chefe, indiscutível para o nosso escritor, que coloca em boca de um membro do clã dos Cambarás, o simpático Rodrigo, o reconhecimento dessa qualidade do líder da Revolução de 30. Eis o relato acerca do carisma getuliano, inserido no contexto da viagem empreendida por Getúlio, em Outubro de 1930, de Porto Alegre até o Rio de Janeiro, para tomar posse do poder:

“Cerca das dez horas da manhã, o trem presidencial chegou sob aclamações à estação de Santa Fé. A plataforma estava atestada de povo e o entusiasmo atingia as raias do delírio. Empurrado pela multidão que queria ver o Presidente de perto, um velho caiu entre as rodas do trem, que felizmente estava parado, e em poucos segundos foi içado para a plataforma, pálido, escoriado e trêmulo, mas já dando vivas à Revolução. Getúlio Vargas apareceu na parte traseira do último carro, sorriu, acenou para a multidão, que prorrompeu em vivas, aplausos e gritos. Estava metido num uniforme militar caqui e tinha no pescoço uma manta com as cores da bandeira do Rio Grande que uma dama lhe dera o dia anterior no Rio Pardo. O primeiro membro da comitiva presidencial que Rodrigo abraçou foi João Neves da Fontoura [43]. Caiu depois nos braços de Flores da Cunha. Por fim conseguiu subir para o carro e foi abraçado pelo Presidente, que lhe perguntou: Qué é isso no braço? – Um recuerdo da noite de 3 de outubro – murmurou Rodrigo. E ante o sorriso aberto, de bons dentes, de Getúlio Vargas, pensou: Eu não me lembrava como este patife é simpático! [44].

Um outro traço da cultura patrimonialista que assoma na caracterização que Érico tece da liderança de Getúlio, é o relativo à corrupção no seu governo. Embora não conste que o líder são-borjense tivesse se enriquecido pessoalmente com os dinheiros públicos – pelo menos, nesse aspecto, manteve-se fiel à velha tradição castilhista de respeito ao tesouro do Estado – no entanto, os seus colaboradores e amigos tiveram longo sucesso financeiro, haurido às expensas dos cargos oficiais. O nosso escritor não põe meias palavras na constatação dessa realidade, que é denunciada pelo intelectual e estanceiro Terêncio, em que pese os panos quentes que o seu amigo Rodrigo Cambará tenta pôr no assunto:

“Com o rancor verde nos olhos, o estancieiro (Terêncio) continua: Jamais se roubou tanto e tão descaradamente nas esferas governamentais do Brasil como na era getuliana, em que imperou, como nunca em toda a nossa História, o empreguismo, o nepotismo, a advocacia administrativa, o peculato, o suborno, a malversação de fundos públicos...E a imoralidade dos homens de governo e de seus sócios nas negociatas ao fim de algum tempo acabou por contaminar irreparavelmente quase todas as classes sociais. Rodrigo olha para Terêncio e sorri com indulgência, como se estivesse diante duma criança ou dum débil mental. – A atitude do Ditador, que permaneceu apático, sorridente ou omisso diante de todo esse descalabro moral – continua o outro - conseguiu anestesiar a opinião pública, que passou a rir do que lhe devia provocar choro e ranger de dentes, aceitando o regime da safadeza e do golpe como norma, de tal modo que hoje em dia a palavra honesto tem entre nós um sentido pejorativo. Rodrigo fez um gesto de impaciência – Que ideia fazem vocês do Presidente da República? A de que ele é um guarda noturno? Um ecônomo da sociedade recreativa? Um fiscal? Um mestre-escola de palmatória em punho a castigar os maus alunos? Ou um feitor com um chicote na mão? Como pode um homem sozinho, fechado no Catete, ser responsável por tudo quanto acontece num país do tamanho do nosso? Ora, vocês estão exigindo de Getúlio qualidades de mago, de demiurgo. – Não, Rodrigo – replica Terêncio, eu me refiro também à patifaria, aos desmandos e às negociatas que se processaram debaixo do nariz do Ditador, e que foram praticadas por amigos, parentes e áulicos. Eu não acuso, e ninguém até hoje acusou Getúlio de desonestidade pessoal, no que toca aos dinheiros públicos. Mas eu o acuso, isso sim, de ter sido tolerante com ladrões, de se haver acumpliciado com eles pelo silêncio ou pela indiferença” [45].

Na trilha da generosidade para com os dinheiros públicos, fartamente utilizados como instrumento político, Érico destaca um outro aspecto que caracterizou o Getulismo: o desenvolvimento da imagem do líder como “Pai dos Pobres”. Num diálogo entre os gaúchos próximos do poder, o nosso autor ilustra esse aspecto do populismo varguista. Falam do Presidente, em meados dos anos 40, Rodrigo Cambará, o seu filho Floriano e o amigo Roque Bandeira:

“Dizem que ele suprimiu as liberdades civis, fechou a Câmara e o Senado, instituiu a censura, deu força ao DIP, e mais isto e mais aquilo... Floriano, vai me buscar uma toalha lá no quarto de banho... Quando o filho traz a toalha, Rodrigo põe-se a enxugar as costas e o peito por onde o suor escorre em grossas bagas. – Vocês intelectuais vivem enchendo a boca com a palavra liberdade. Agora eu pergunto: para que massas hão de querer liberdade? Para que querem imprensa livre os favelados? O que essa pobre gente deseja mesmo é ter o que comer, o que vestir e onde morar. – Luís Carlos Prestes falou pela sua boca... – diz Bandeira.- Espera, Roque. Me deixa continuar. Este país precisava e ainda precisa dum homem como o Getúlio, dum governante paternal capaz de descer ao nível do povo e dar-lhe exatamente o que ele necessita. Reconheço que ao assumir o governo provisório em fins de 30 o Getúlio não tinha programa definido, não sabia o que fazer, mas depois encontrou duas grandes metas, dois grandes objetivos: melhorar as condições de vida do povo e proclamar a independência econômica do Brasil. Olhem para trás e vejam quanta coisa esse homem extraordinário realizou...” [46].

Talvez o aspecto que mais chamou a atenção do nosso autor em relação ao Estado patrimonial getuliano foi a volúpia do poder que animava ao líder são borjense. Volúpia, mas também índole racional e fria, que o levava a esperar o desenrolar dos acontecimentos sem se precipitar, nem por paixão, nem por medo. O quadro que emerge dos diálogos entre os personagens de Érico é o de um novo Napoleão Bonaparte (1769-1821), seguro de si mesmo, corajoso, intuitivo, aglutinador dos seus seguidores, capaz de atrair os possíveis contendores para depois elimina-los, um a um. Em síntese, a figura de um Maquiavel caboclo. Eis uma primeira caracterização desse aspecto, num diálogo entre Rodrigo Cambará, Tio Bicho, Florêncio e Terêncio Prates:

“Há um silêncio que Rodrigo quebra com uma risada. – O Getúlio merece um livro! – exclama. - Acho que sou eu quem vai escreve-lo – ameaça Terêncio. – E por que não? Só te peço uma coisa. Trata primeiro de conhecer bem o homem. – Tu o conheces bem? – Bem, bem mesmo não posso dizer que o conheça. Ninguém conhece... Só Deus. Mas melhor que tu, ah!, disso tenho a mais absoluta certeza. E se queres, posso desde já te dar umas notas psicológicas sobre o nosso herói... – Considero-te suspeitíssimo no assunto. – Mas escuta. Escutem todos vocês. Antes de mais nada o biógrafo de Getúlio Vargas terá de levar em conta certos traços de seu caráter que o tornam uma figura singular neste país, dando-lhe vantagens muito grandes sobre os outros políticos. É um homem calmo numa terra de esquentados. Um disciplinado numa terra de indisciplinados. Um prudente numa terra de imprudentes. Um sóbrio numa terra de esbanjadores. Um silencioso numa terra de papagaios. Domina seus impulsos, o que não acontece com o Flores da Cunha. Controla sua fantasia, coisa que o Oswaldo Aranha não sabe fazer. Se o João Neves usa da sua palavra privilegiada para dizer coisas (e coisas que às vezes o comprometem), Getúlio é o mestre da arte de escrever e falar sem dizer nada. – E tu consideras isso uma virtude? – Pergunta Terêncio. - Num país imaturo como o nosso, considero. Muitas vezes não dizer nada para um político é um gesto de defesa comparável ao de certos animais que por mimetismo conseguem tornar-se da cor do terreno, para ficarem invisíveis e para salvarem a pele. – Não esqueças que o Getúlio se tem revelado o maior corruptor da nossa História... – interrompe-o Terêncio. Só se corrompe aquilo e aqueles que são corruptíveis. Como dizia Machado de Assis [47], a ocasião faz o furto e não o ladrão, porque este já estava feito. Não queiras culpar meu amigo da vulnerabilidade dos outros políticos brasileiros. Vítimas de suas paixões: mulheres, jogo, cavalos de corrida, luxo e outras fraquezas e vaidades, ficam às vezes à mercê de quem tem a chave do Banco do Brasil e dos grandes empregos. – Mas o que estás dizendo é algo monstruosamente cínico! – Perdão. Eu não inventei este mundinho em que vivemos. Ele existiria mesmo que eu não existisse. Faz-se um silêncio, ao cabo do qual Floriano se dirige ao pai: - O senhor afirma então que Getúlio é um homem absolutamente sem paixões? Rodrigo hesita um instante. Depois: - Não – diz. - Acho que sua grande, talvez a sua única paixão é a do poder. – Poder para que? – pergunta Terêncio. – Para nada? – Talvez poder pelo poder – intervém o Tio Bicho: - Ars gratia artis. – Mas cinquenta milhões de brasileiros não podem ficar na dependência desse capricho pessoal! – exclama Terêncio” [48].

A volúpia do poder getuliana enraizava-se não apenas numa natureza burilada para o mando, mas também na profunda convicção do líder são-borjense de que era necessário, para sobreviver na luta política (um combate pela vida, como o das espécies), saber se mimetizar no contexto dos concorrentes, a fim de não se desgastar com agressões gratuitas, mantendo incólume a capacidade de combate para os grandes enfrentamentos. Lição de sobrevivência que, como já foi destacado anteriormente, Getúlio aprendeu do darwinismo social que empolgava a visão de mundo de Émile Zola, seguidor das ideias da fisiologia social do conde Henri-Claude de Saint-Simon (1760-1825) [49]. A respeito dessa feição getuliana, Érico deixou-nos o seguinte texto que resume um diálogo tardio (já tinha acontecido a derrubada do Estado Novo e Getúlio, após o retiro na sua fazenda de Itu, no Rio Grande, já tinha voltado, pelo voto popular, não ao Executivo, mas à cena parlamentar, que também conhecia). O diálogo se passa entre Terêncio Prates e Floriano Cambará:

“Floriano prossegue: - Quanto a Getúlio Vargas... acho que, vendo-se perdido numa floresta amazônica, cheia de bichos ferozes e venenosos, de todos os tamanhos, procedeu como o jabuti das nossas lendas indígenas. Descobriu que para sobreviver em meio dos animais maiores que ameaçavam devorá-lo, tinha de usar a astúcia e a paciência e jogar com o fator tempo. Começou a lançar um bicho grande contra outro bicho grande, uma cobra venenosa contra outra cobra venenosa, raciocinando assim: Enquanto eles se entredevoram eu continuo vivo tocando a minha flauta. Terêncio ergue vivamente a cabeça – Ninguém estava interessado na sobrevivência ou na flauta do Getúlio. E a função dum chefe de governo não é essa. Repito que ele é responsável pelo clima de imoralidade que reinou no país durante o tempo em que foi Ditador e Presidente. Floriano passa a mão pelos cabelos, com o ar de quem está perdido. – Bom – replica, se o senhor insiste nesse problema da culpa, acho que todos somos culpados em menor ou maior grau. Fomos cúmplices do Estado Novo por comissão ou omissão. Quando os carrascos da Polícia queimavam com a brasa dum charuto os bicos dos seios da companheira de Harry Berger (1890-1959) [5], eu estava estendido na areia de Copacabana, lendo Aldous Huxley (1894-1963). E havia outros em situações e posições ainda mais comprometedoras. – Se te referes a mim – diz Rodrigo – perdes o teu tempo. Tenho a consciencia tranquila. Não pertenço à súcia dos moralistas ausentes como tu e outros intelectuais. Ninguém faz omeleta sem quebrar ovos. E quem não quer se molhar, que não saia pra chuva... Terêncio levanta-se, abafando um bocejo. – Seja como for – diz Rodrigo, erguendo os olhos para o estancieiro e empunhando um exemplar do Correio do Povo [51] – o eleitorado deu a última palavra. O Getúlio está eleito deputado e senador. Não há remédio... Vocês o terão de volta à vida pública, queiram ou não queiram. E, num gesto de terceiro ato, atira o jornal aos pés de Terêncio Prates [52].

Vale a destacar um aspecto que aparece mencionado na última parte do texto que acaba de ser citado: todos os brasileiros foram responsáveis, de uma forma ou de outra, pelo advento do Estado Novo, com a sua coorte de crueldades e atos autoritários. Todos, na medida em que ninguém se prontificou para tomar parte ativa na vida pública, tendo preferido se entregar aos prazeres e afazeres da vida privada. Érico chama a atenção, aqui, para o complexo de insolidarismo clânico que afeta ao brasileiro, como destacou Oliveira Vianna em Populações Meridionais do Brasil e em Instituições Políticas Brasileiras. Não fomos formados para o espírito público! Encastelamo-nos na nossa patota. Getúlio, de outro lado, reforçou essa tendência atávica do brasileiro, propalando, ao longo do Estado Novo, o preconceito de que fazer política é “sujar as mãos”.

A arte da sobrevivência política estava acompanhada, no comportamento getuliano, por uma atitude que os personagens de Érico qualificavam de gelada. O chefe da Revolução de 30 não perdia a frieza de espírito, o que o conduzia a agir no momento oportuno, sem se incomodar com o que passava à sua volta. O texto a seguir flagra uma animada conversa entre vários personagens, dentre os quais se destaca o advogado Rodrigo Cambará. A cena se passa às vésperas da revolução de Outubro de 1930, em Porto Alegre, no momento em que é conhecida a notícia do assassinato de João Pessoa (1878-1930) [53]:

“E o Getúlio? - Indagou Juquinha Macedo. Rodrigo olhou em torno. Achavam-se no escritório, sentados e atentos às suas palavras – além do homem que fizera a pergunta – Toríbio, Terêncio Prates, Alvarino Amaral e José Lírio. - A atitude do Getúlio, ao que parece é a mesma que ele patenteou na noite em que mataram o João Pessoa. Gelada, é o adjetivo que encontro para ela. E isso me dá arrepios... (...) – Terminado o banquete – prosseguiu Rodrigo – os convivas saíram e encontraram na frente do clube uma verdadeira multidão. A notícia do crime se espalhara e o povo estava indignado, comovido e agitado. Havia gente com lágrimas nos olhos. Ao avistarem Oswaldo e os outros políticos, começaram a gritar: Fala Oswaldo Aranha! Fala Oswaldo Aranha! Eu sei dizer que se improvisou um comício. (...) O Aranha chama seu irmão mais novo, o Zê Antônio [54], um rapaz de seus dezessete anos, e mandou-o ir correndo avisar o Getúlio de que o povo estava a caminho do Palácio e que esperava dele um pronunciamento... O jovem Aranha chegou esbaforido aos aposentos do Presidente, e encontrou-o sentado a afagar a cabeça do angorá que tinha no colo. Despejou-lhe a notícia, que Getúlio escutou sorridente e sereno. Já a essa hora o povo estava na frente do Palácio e gritava: Getúlio! Getúlio! Vocês pensam que o homenzinho se afobou? Qual! Pôs o gato em cima da escrivaninha, encaminhou-se para a janela, abriu-a e ficou olhando para a multidão, que prorrompeu numa ovação, talvez a mais vibrante que ele tenha recebido em toda a sua vida. E quando a massa silenciou e todos ficaram esperando um discurso, um pronunciamento definitivo, um incitamento à revolução, a Esfinge de São Borja limitou-se a sorrir e não disse patavina!” [55].

Essa atitude gelada fazia com que Getúlio conseguisse manter a cabeça fria nos momentos de maior ebulição social, como quando eclodiu a Revolução Paulista de 1932. A confusão reinante foi a oportunidade que o Presidente escolheu para devorar s seus dois principais adversários dentro da situação: Flores da Cunha e Oswaldo Aranha. Eis o relato do maquiavelismo da Esfinge de São Borja, enquadrado numa conversa entre Rodrigo Cambará e Terêncio Prates:

“Conversas! – exclama Rodrigo. – Fantasias! A coisa é mais simples. O que São Paulo queria era recuperar a hegemonia política nacional que lhe escapou das mãos em 30. E vocês pensaram que, se essa revolução tivesse sido vitoriosa, o país seria obrigado a adotar a famigerada ortografia do General Bertoldo Klinger? [56] – Seja como for – diz Terêncio – foi um belo movimento em que os paulistas deram provas admiráveis de coragem física e moral. – De acordo – replica Rodrigo – mas foi uma revolução de grã-finos. A massa operária permaneceu indiferente. – Houve um momento – intervém Floriano – em que a vitória de São Paulo dependeu do Rio Grande. Até hoje não compreendo como e por que o General Flores da Cunha faltou com o seu apoio aos paulistas... – Muito simples – tenta explicar Terêncio. – O Flores e o Aranha sempre viveram fascinados, hipnotizados pelo Getúlio. Na hora da decisão, nosso general ficou com o Bruxo. E com o correr do tempo o Getúlio os triturou e devorou a ambos. Tirou o Flores da interventoria e forçou-o a exilar-se. E quando parecia que o Aranha começava a impor-se como um candidato natural à presidência da República, Getúlio mandou-o para Washington como embaixador” [57].

Atitude semelhante teve Getúlio Vargas às vésperas do Estado Novo, num complicado cenário nacional e internacional em que prevaleciam as posições extremadas e os golpes de força. A Esfinge de São Borja voltou a jogar um paciente xadrez em que esperou pelo desenrolar dos acontecimentos, somente intervindo quando as circunstâncias o favoreciam claramente, na sua empreitada de centralização absoluta do poder em sua mão. Para Érico, a atitude getuliana tinha tintes de malandragem macunaímica, como podemos observar no texto a seguir, que revela uma conversa desenvolvida entre Rodrigo Cambará, Tio Bicho, Floriano e Terêncio Prates:

“Floriano quer desviar a conversa para outro assunto, mas Terêncio inicia nova catilinária contra o golpe de 10 de novembro de 1937. Rodrigo escuta-o agora com uma paciência meio aborrecida e, aproveitando uma pausa do outro, diz: - Eu explico esse golpe de Estado de outro modo. Quando se aproximava o fim do período presidencial iniciado em 34, o Brasil, vocês se lembram, apresentava um quadro alarmante. Armando Salles era o candidato da plutocracia paulista saudosa do poder. Plínio Salgado [58] candidatava-se em nome dos integralistas com um programa totalitário. O Dr. Goebbels [59] lançava as suas redes de espionagem e intriga sobre o Brasil, articulando camisas-verdes com camisas-pardas. Escolhido como candidato oficial à sucessão, José Américo [60] procurava atrair as esquerdas com frases e promessas avermelhadas, e os comunistas já se aninhavam à sua sombra. O Flores da Cunha, que apoiava o Armando Salles [61], tinha no Rio Grande uns 20.000 homens em armas. Havia até quem pressionasse o Getúlio para que ele entregasse o governo aos integralistas, ficando com relação ao Plínio Salgado assim como o general Hindenburg [62] estava com relação a Hitler [63]. De Washington, preso a esse outro bruxo que era o Presidente Roosevelt [64], Oswaldo Aranha puxava a sardinha brasileira para a brasa americana... A confusão era geral. E nesse mar revolto e incerto – diz Tio Bicho - seu amigo Getúlio navegava no seu barquinho de papel, ao sabor do vento e das correntes... – E como solução para a grande crise – ironiza Terêncio – inventou-se o Plano Cohen [65]. – Hoje se sabe – diz Rodrigo - que esse documento foi forjado pelos integralistas. O Góis [66] fingiu que acreditava nele... – O Góis e o Getúlio – completa Tio Bicho. Rodrigo Sorri. – Não. O Getúlio deixou que o Góis fingisse por ele. E lavou as mãos. – Não fez outra coisa durante todo o seu governo senão parodiar Pilatos – diz o estancieiro. – E esse plano fantástico, essa conspiração inexistente foi o pretexto para ao golpe de 1937 e para o famigerado Estado Novo! – O curioso – intervém Floriano – é que já para essa época a atitude e a filosofia getuliana, essa sua neutralidade, essa capacidade de omitir-se diante dos acontecimentos, essa espécie de fatalismo cínico-gaiato de vamos ver como está para ver como é que fica tinham de tal maneira contaminado o país que o próprio Presidente quase acabou vítima dela. Eu me refiro ao assalto ao Palácio Guanabara em maio de 38. Ninguém pareceu muito interessado em salvar a vida do Ditador e da sua família...” [67].

Embora muitos dos críticos da longa ditadura de Getúlio Vargas tenham dito que o que impulsionava ao líder são-borjense era apenas o poder pelo poder, Érico Veríssimo põe de relevo no seu romance O Tempo e o Vento, que a presença de Getúlio na Presidência da República obedeceu a um imperativo de estadista: garantir a unidade nacional, evitar a privatização do Estado por oligarquias ou por minorias fanatizadas, modernizar o Brasil e prepara-lo para os reptos da industrialização no século XX. Getúlio, em que pese o seu autoritarismo e apesar dos conchavos que povoaram a sua longa permanência no cenário político brasileiro, foi o grande estadista do século que passou, assim como Dom Pedro II [68] foi, sem sombra de dúvidas, para Érico Veríssimo, o grande estadista do século XIX – e nisto deter-nos-emos em item que será desenvolvido mais adiante -. Mas o líder de São Borja não agiu sozinho. Teve, no que tange à formulação das leis sociais, um auxiliar inestimável, o gaúcho de São Leopoldo, Lindolfo Boeckel Collor (1890-1942).

Getúlio Vargas e Lindolfo Collor integraram a liderança da denominada “Segunda Geração Castilhista”, que pensou os projetos de modernização do Brasil, superando o provincianismo dos castilhistas históricos, já a partir da campanha da Aliança Liberal, em 1929. Em relação à avaliação da política getuliana sob esse prisma, Érico colocou na voz de Rodrigo Cambará e de Roque Bandeira, a exposição do arrazoado justificativo:

“Terêncio mira fixamente a ponta dos próprios sapatos, os lábios entre crespados numa expressão de ceticismo. – Manteve a unidade nacional – continua Rodrigo. – Evitou o caos e a ruína. Se não fosse a coragem e a habilidade de Getúlio, o Brasil hoje estaria nas mãos dos comunas do Prestes ou dos galinhas-verdes [69] do Plínio. – Diz o Eduardo – interrompe o Tio Bicho – que está nas mãos dos americanos. – Não sejam bobos. Virem esse disco batido. O país seria vendido aos americanos, se o candidato da UDN [70] fosse eleito, o que felizmente não aconteceu. Mas não me interrompam. O Getúlio dotou o país duma indústria siderúrgica que faz inveja ao resto da América Latina. Deu aos trabalhadores leis sociais mais avançadas que as da própria União Soviética! Mas de que é que estás rindo, Roque? – Estou rindo das leis sociais. – Tu sempre com teu espírito de contradição. Negarás acaso que devemos a nossa legislação trabalhista ao Getúlio? Bandeira depõe o copo no chão ao lado da garrafa. – Devagar com o andor – diz ele. – Quem inventou essas leis sociais foi o Lindolfo Collor, e por sinal custou-lhe muito impingi-las ao Getúlio. – Quem te contou essa mentira? – Espere e escute. Vou mais longe. O seu Presidente relutou muito em criar o Ministério do Trabalho. Foi o Oswaldo Aranha quem a duras penas o convenceu disso. E sabem que foi que o Dr. Getúlio disse, depois de assinar o decreto? Queira Deus que esse “alemão” (referia-se a Collor) não vá nos incomodar. Mais uma fantasia das muitas que se inventaram em torno do Presidente! – Foi o Marcondes Filho [71] – quem mais tarde abriu os olhos do Getúlio para o valor demagógico, a força política desse ministério e das leis do Collor. E assim o seu amigo foi empurrado para o trabalhismo... Quando minutos depois, Terêncio põe-se de pé, murmurando Bom, são horas... Rodrigo segura-lhe a aba do casaco e diz: - Senta, homem. Agora é que a conversa está ficando boa. Senta ou então tomo a tua retirada como uma confissão de derrota. Como Napoleão Bonaparte [72], Getúlio Vargas é um assunto inesgotável. Terêncio volta ao seu lugar. E Floriano, que sente a camisa ensopada de suor – pois o calor aumentou sensivelmente nesta última meia hora - olha para o estancieiro e pensa: Esse homem não sua. Jamais se despenteia. Suas calças nunca perdem o friso. O colarinho nunca se enruga. A gravata não sai do lugar. Seu hálito recende a Odol. Seu lenço a lavanda. Aposto como tem em casa a Enciclopédia do Larousse. E um binóculo francês. E uma ‘epée de combat’. Seus livros, bem encadernados, cheiram a naftalina. Coitos conjugais semanais, com a luz apagada” [73].

3. Os Liberais Sul-Rio-Grandenses segundo Érico Veríssimo e Posição Crítica em Face do Estado Patrimonial.

Érico Veríssimo era decididamente um liberal. Considerava que da Revolução Francesa restou uma herança de luz, em que pese as atrocidades do Terror Jacobino e o Absolutismo do ciclo napoleônico, que para arrumar a casa “atrasou o relógio da História”. Os ideais liberais, em O Tempo e o Vento, são geralmente expostos nos diálogos que o médico de Santa Fé, o Doutor Winter, mantém com os seus concidadãos. Ou na correspondência que ele cruza com um dos ícones das liberdades gaúchas no ciclo inicial do Castilhismo, o jornalista Karl von Koseritz (1830-1890) [74], mais uma das incontáveis vítimas da prepotência dos Pica-paus. Eis o teor de um desses diálogos, mantido com um representante do stablishment, o Major Graça:

“Em suma – e neste ponto o Dr. Winter abriu ambos os braços – descontados erros, violências, matanças inúteis, vinganças e ódios pessoais, dessa Revolução [Francesa} sobrou alguma coisa. E essa alguma coisa sobreviveu também às guerras napoleônicas. – E se me faz favor – perguntou Nepomuceno, olhando significativamente para o Major Graça - que vem a ser essa alguma coisa? Winter esclareceu: - Os Direitos do Homem, as liberdades inalienáveis do indivíduo, o direito que cada cidadão tem à liberdade, à propriedade e à segurança. A liberdade de imprensa, de culto e de palavra para todos, sem nenhuma distinção. (...) Napoleão atrasou o relógio da História. Ainda há países que não saíram de todo das sombras da Idade Média. Mas em certos círculos do mundo floresce o pensamento liberal. A semente foi lançada. Não resta a menor dúvida” [75].

A admiração de Érico pelos valores do Liberalismo encontrou nos liberais gaúchos belos exemplos de devoção à causa das liberdades. O maior deles, sem dúvida, era o Conselheiro Gaspar da Silveira Martins (1835-1901), um dos líderes do Partido Liberal do Império. Eis a forma em que o escritor gaúcho relata a visita que o ilustre homem público fizera à casa do líder castilhista na cidade de Santa Fé, Licurgo Cambará:

“Havia algum tempo Gaspar da Silveira Martins passara por Santa Fé, onde realizara uma conferência, após a qual – para surpresa de todos - em vez de ir ao casarão dos Amarais, visitara o Sobrado, onde ficara até altas horas da noite a conversar com Bibiana, Licurgo e o Dr. Rezende. Tinha sido uma noitada memorável, e a casa ficara toda cheia da voz trovejante daquele extraordinário orador cuja legenda o país inteiro conhecia. O Conselheiro deixara a gente do Sobrado impressionadíssima. Era um homem alto, de amplo peito, e postura atlética; tinha um olhar magnético e uma irresistível capacidade de sedução. O Dr. Toríbio, que quase não tivera a coragem de abrir a boca na presença do estadista, dissera dele mais tarde: É um misto de Sansão e Demóstenes. E se me pedissem para pintar Júpiter, barbudo e formidável por entre as nuvens de tempestade, com um feixe de raios nas mãos eu o representaria na figura do Conselheiro! Depois que Silveira Martins se retirara, avó e neto ficaram ainda mais duma hora a conversar, entusiasmados, sobre a personalidade do visitante da noite. Comentara Licurgo: É um grande tribuno. Pena que não seja dos nossos. Fandango, que durante todo o tempo da visita ficara de longe, bombeando e escutando o Conselheiro, resumira sua admiração numa frase: Bichinho mui especial. Bibiana dissera simplesmente: Tem o jeito do Capitão Rodrigo. É um homem” [76].

A admiração de Érico pelo grande Silveira Martins salta à vista, também, no poema com que o escritor abre o 2º Tomo de O Continente, e que põe em boca do poeta popular, o major Maneco Lírio, ex-combatente da Guerra do Paraguai:

“(...) Só existe um homem no mundo

Capaz de salvar o país

O Conselheiro Gaspar Martins, honra e glória da nação

Gigante no físico e no moral, no saber e na inteligência

Conhecedor de quinze línguas entre vivas e mortas

Mais eloquente que Gambetta [77], Demóstenes [78] ou Mirabeau [79]

E até a grande Eleonora Duse [80] quando viu o Conselheiro

Disse lá na sua língua dela

Que magnífico Otelo ele não faria!

E quando Gaspar Martins solta o verbo de fogo

Com sua voz de trovão

Os pigmeus da República se encolhem.

Pois o nosso Conselheiro é contra esta situação

E nas campinas do Rio Grande deu o grito da revolução

E de todos os quadrantes surgiram federalistas e gasparistas

De lenço colorado no pescoço

E meu filho José Lírio foi o primeiro a se apresentar.

Os dias do Castilhismo estão contados! [81].

Se Gaspar da Silveira Martins era o grande herói a ser admirado, a fonte de toda essa grandeza cívica era, no entanto, não apenas a individualidade dele, mas a personalidade do Imperador Dom Pedro II (1825-1891), que dava vida às Instituições Imperiais. Interessante destacar o caráter eminentemente personalista da abordagem que Érico Veríssimo faz da nossa realidade política, uma característica bem típica da cultura patrimonialista, que tudo reduz à dimensão das pessoas, sem se tomar o cuidado de analisar as Instituições. O nosso escritor colocou na boca do Padre Otero, vigário de Santa Fé pelos anos 80 do século XIX, as seguintes palavras que destacam a figura ímpar do Imperador:

“O Pe. Otero interveio. – Política e decência nunca andam de mãos dadas. São inimigos mortais. O oficial voltou-se para o sacerdote: - Mas o nosso Imperador sabe fazer uma política com uma decência indiscutível. – O nosso Imperador é um homem excepcional... observou o padre. Winter simpatizava com aquele Imperador barbudo e paternal a respeito de quem se contavam tantas histórias e anedotas. Havia ao redor dele uma aura de lenda. O médico observara também como a reputação da integridade de caráter do soberano influía poderosamente na vida social da nação. Era um exemplo de honradez e bondade a ser seguido. D. Pedro II como que dava a nota tônica ao ambiente moral do país. De certo modo – refletiu ainda Winter – Sua Majestade já fazia parte do folclore nacional como uma espécie de anti-Malazarte” [82].

Assim como Érico cantou as virtudes do Conselheiro Silveira Martins, dedicou também, ao Imperador Dom Pedro II, longo poema em que traça as linhas mestras do que constituiu o significado desse grande homem para o imaginário social brasileiro. Novamente, o nosso escritor coloca as suas palavras nos versos cantados pelo major Maneco Lírio, o poeta popular:

“Diacho! Hoje é 15 de Novembro. Arranca a folhinha e lê a efeméride

1889. O Marechal Deodoro [83] proclama a República. Chô mico! Antes não tivesse proclamado coisa alguma e ficasse

Em casa quieto, deixando a nação em paz

(...)

O major volta a cabeça pra dentro da sala e olha com ternura

O retrato do Imperador.

Expulsarem do país um homem como esse

Verdadeiro neto de Marcos Aurélio! [84]

(...)

Amigo de grandes homens como o Papa, Lamartine [85], Pasteur [86] e outros

Soberano democrata

Pai dos necessitados

Sábio como poucos.

(...)

E apesar de tudo isso era a modéstia pessoalmente

O grande Victor Hugo [87], o vate de “Os Miseráveis”, recebeu o Imperador em

Sua casa em Paris.

Chamou o netinho e disse

Beije a mão de Sua Majestade

Vai então o nosso Monarca, aponta para o poeta e exclama:

Esta sala mon enfant, agora só tem uma majestade:

Vosso avô.

Expulsaram do país um homem como esse!

(...)

Doutra feita, na América do Norte, sem cortejos nem fanfarras

Como um simples viajante

Nosso Dom Pedro II visitou a Exposição do Centenário da cidade

De Filadélfia [88]

Falou com Alexandre Graham Bell [89], mas não se deu a conhecer

Só perguntou

Que diabo de aparelho é esse que vosmercê tem na mão?

(...) Santo Deus! Esta coisa fala

(...)

Quero fazer uma encomenda desses tais de telefones pro governo do meu país

Mas final de contas quem é o senhor?

- Imperador do Brasil.

O outro quase caiu para trás.

E foi um homem como esse que os republicanos mandaram embora” [90].

A Monarquia é, no Brasil, uma instituição profundamente enraizada na alma popular. Essa é uma convicção que se sedimentou no pensamento de Érico Veríssimo. Convicção, aliás, que eu compartilho firmemente. O povinho, quando quer dizer que algo é excelente, relaciona-o com a Monarquia: Rei das tintas, Rei do futebol, Rei legítimo das peixadas, Rei do Carnaval... Ninguém ousaria pensar em Presidente das tintas, Presidente do futebol, Presidente legítimo das peixadas, Presidente do Carnaval... A ideia republicana ficou na periferia, ao passo que a imagem do Monarca se entranhou fundo no espírito do povo. Esta é a ideia que achamos presente no seguinte diálogo entre Licurgo, Florêncio, Toríbio e o Dr. Winter (que encarna a opinião liberal), quando todos estão a discutir a conveniência de ser proclamada a República em substituição ao Império:

“Um homem tem de ter opinião! – exclamou Curgo, partindo com desnecessária fúria um pedaço de carne. – Eu cá tenho as minhas. Só acho que não preciso andar gritando na rua o que é que penso... – Estou falando de política – tornou Curgo. -Nesta hora não é possível ser neutro! Florêncio deu-lhe uma resposta indireta: - O Imperador é um homem de bem. Eu só queria saber onde é que vassuncês vão arranjar outro melhor pra botar no governo. Curgo lançou um olhar cálido para Toríbio. – Está ouvindo, Toríbio, está ouvindo? – Como esse há milhares e milhares em todo o Brasil – exclamou o advogado. – É por isso – interveio o Dr. Winter – que eu digo que não se pode contar com o povo para derrubar a monarquia” [91].

Para Érico, a República piorou a situação do povo brasileiro, na medida em que ficou presa a um modelo autoritário, do qual jamais conseguiu se ver livre, salvo em pequenos momentos de vida democrática plena. De novo é o poeta que explicita essa frustração, nos seguintes versos do trovador Maneco Lírio:

“Tudo foi obra desses moços da propaganda republicana.

Viviam com a cabeça cheia de ideias da estranja.

Queriam a abolição

Tiveram

E pioraram a sorte dos negros.

Queriam a república

Tiveram

Derrubaram a monarquia

Instituíram a anarquia

Mandaram embora o Imperador

Que morreu, coitado, no exílio.

Mudaram a nossa bandeira

Que agora é ordem e progresso

Só por milagre não mudaram o hino nacional

O país está entregue à camarilha positivista” [92].

A República foi instaurada, no sentir de Érico Veríssimo, na contramão do Rio Grande do Sul e do país em geral. Não foi uma opção democrática, que consultasse os interesses de todas as pessoas. Foi fato vertical, que terminou privilegiando o Centro sobre as outras partes da nação. O Rio Grande do Sul sempre foi considerado Província fronteiriça, para defender o Brasil dos castelhanos, mas somente isso. A instauração do novo regime só fez piorar as coisas, em decorrência da inspiração autoritária. O nosso autor coloca esses arrazoados em boca de dois personagens, Rodrigo Cambará e Tio Bicho, que encarnam uma cena que se passa em Porto Alegre, em julho de 1930:

“De pé, na frente do sofá, Rodrigo estava com a palavra: - Em mais de quarenta anos de República nunca tivemos um Presidente gaúcho. Os paulistas sempre nos boicotaram. Em 1910 impugnaram o nome do senador Pinheiro Machado [93]. O governo federal nada mais tem feito senão fomentar as lutas partidárias do Rio Grande. – Por que? – perguntou o Tio Bicho, incrédulo. – Ora, porque querem nos dividir, nos enfraquecer! Em 35 a Corte considerava os Farrapos bandoleiros, bandidos que estavam pondo em perigo o resto do país, gente xucra de pé no chão, faca e pistola na cintura, ásperas verdades na ponta da língua. É que sempre fomos homens de frente-a-frente e não das conspiratas e intriguinhas de bastidores. A nossa franqueza rude assusta os nossos compatriotas lá de cima. O que o Governo Federal quer é que o Rio Grande continue sendo o que foi no princípio da sua História: um acampamento militar. Acham que para guardar a fronteira e conter os castelhanos somos bons. Para governar o país, não!” [94].

Os Castilhistas históricos (chefiados por Borges de Medeiros) representaram, no sentir de Érico, uma versão tacanha de República Positivista. Os gaúchos da Segunda Geração Castilhista, chefiados pelo Getúlio, pretendiam sacudir a poeira do marasmo borgista, mas os elementos mais ardentes como Oswaldo Aranha e Flores da Cunha encontravam-se reféns das indecisões getulianas. Indecisões que, como temos visto ao longo destas páginas, foram mais táticas do que provenientes da inspiração anti-mudança do líder são-borjense, que entendia os câmbios mais como reformas técnicas do que como revoluções românticas. Vale a pena registrar as reflexões do nosso autor a respeito, colocadas em boca de Terêncio Prates e de Rodrigo Cambará, que falam às vésperas da Revolução de 30:

“Rodrigo volteou-se para Terêncio: Tu vais me desculpar, mas o principal responsável por esta situação de acovardamento é o chefe do teu partido, que era também o partido de meu pai e já foi o meu. O Dr. Borges é o campeão do pé-frio, o profissional da água fria. O João Neves faz o que pode na Câmara para salvar a honra do Rio Grande. Mas a hora não é mais de oratória e sim de ação. O Dr. Terêncio Prates fitou no dono de casa os olhos mosqueados. – Pensa bem, Rodrigo, pensa sem paixão. Os mineiros também estão encolhidos. O Dr. Antônio Carlos [95] chegou à conclusão de que o movimento revolucionário está desarticulado. As guarnições federais do Norte e até as de Minas parecem estar todas do lado do governo. Seria criminoso lançar o país numa guerra civil que poderá custar milhares de vidas. Não deves ser tão severo com o Dr. Borges de Medeiros. Hás de concordar comigo em que não é muito fácil para um castilhista transformar-se duma hora para outra em revolucionário... Qual! – replicou Rodrigo. – Não se trata agora de ideias, mas de ter caracu. O Oswaldo Aranha tem. O Flores da Cunha também. – Tu sabes que o Dr. Getúlio não é nenhum covarde... Pois olha que começo a ter as minhas dúvidas. O homenzinho não arrisca nada, só quer jogar na certa. Entrou na corrida presidencial meio empurrado. Até a última hora negociou com Washington Luís por baixo do poncho, à revelia dos companheiros, na esperança de vir a ser o candidato oficial. Eu estava em Porto Alegre quando o Aranha abandonou a Secretaria do Interior. Sabes o que foi que ele me disse? Olha, Rodrigo, estou farto desta comédia, desta mistificação. Com um chefe fraco como o Getúlio, a revolução está liquidada” [96].

O nosso autor não deixava de cultuar uma visão romântica de República, uma espécie de arquétipo do país ideal, constituído por uma grande variedade de raças e com liberdade e progresso para todos. Uma verdadeira utopia liberal, da qual o Rio Grande foi, nos seus primórdios de vida independente, um prenúncio que não deve ser esquecido. O escritor coloca esse sonho na boca de um imigrante italiano, o padre Atílio Romano, que evoca o sonho de Garibaldi (1807-1882) [97] no seu entusiasta sermão, que tem lugar nos remotos tempos do fim do Império:

“Mas por que falei em Garibaldi, que aparentemente nada tem a ver com o debate de hoje?- Fez uma breve pausa, como se esperasse de alguém resposta à sua pergunta retórica. Ergueu o braço direito, com o indicador enristado. – É porque quem vos fala é um sacerdote italiano de nascimento que começa a ser brasileiro de coração; porque nesta mesma igreja hoje, sentados no meio de brasileiros, acham-se imigrantes italianos que há quase dez anos chegaram a esta província e fundaram neste mesmo município de Santa Fé uma colônia que se chama Garibaldina, em homenagem ao herói. E é porque esses colonos italianos, bem como os alemães de Nova Pomerânia, estão trabalhando juntamente com os brasileiros pela grandeza deste município, desta província, deste grande país. E nesta terra cujos conquistadores primitivos tinham nomes como Magalhães, Pereira, Fagundes, Xavier, Terra, vivem homens que se chamam Bernardi, Nardini, Sorio, Conte, Bauermann, Schultz, Schneider, Schmitt, Kung. E nesta igreja espero um dia com a graça de Deus unir em matrimônio uma Dela Mea com um Pinto ou um Spielvogel! – Filho meu não casa com gringa – declarou Bibiana mentalmente. Atílio Romano abriu os braços e por alguns momentos ficou numa atitude de crucificado” [98].

Érico Veríssimo contrapunha a essa versão libertária de República, a ordem política que emergiu da propaganda republicana. Embora formalmente fossem denominadas de República, as instituições que os Castilhistas organizaram aproximavam-se mais de uma Igreja com a sua religião, seus dogmas e o seu culto, evidentemente, da paixão dos que defendem uma fé não compartilhada por outros. É do convívio com os propagandistas – entre os quais o autor salienta os nomes de Júlio de Castilhos e do seu propagandista em Santa Fé, Toríbio Rezende - que surge esse culto republicano, que terminou transformando o patriarca do Sobrado, Licurgo Cambará, em um fanático da nova ideologia. A respeito, frisa o nosso autor:

“O convívio com Toríbio Rezende, a leitura dos artigos que Júlio de Castilhos publicava na imprensa atacando o Império e fazendo a propaganda da abolição e da república – tudo isso tinha feito de Licurgo Cambará um republicano e um abolicionista. Ficara de tal modo dominado por essas ideias que acabara quase fanatizado por elas. Fandango observara um dia: O Curgo tem três amantes: a República, a Abolição e a Ismália; às vezes vai para a cama com as três ao mesmo tempo” [99].

A República apregoada pelos Castilhistas revestia-se de uma proposta salvífica, era como passar uma borracha no regime de autoritarismo e injustiça encarnado no Império, para abrir as portas a uma Nova Ordem em que favoritismos e arbitrariedades seriam banidos da face da terra. Licurgo Cambará deveria ser o novo líder de Santa Fé, em substituição ao clã dos Amarais. Todo mundo seria salvo só mudando os articuladores da política local. O Licurgo, abolicionista, republicano e castilhista, completaria a obra que tinha sido iniciada pelo seu antepassado, o Capitão Rodrigo, que em duelo com o chefe dos Amarais, o velho Bento, tinha deixado parte do seu nome marcado no rosto do líder Maragato. É a eterna luta entre liberais e pica-paus, que passa de geração em geração. Eis a forma em que o nosso escritor expõe o cardápio salvador do propagandista republicano de Santa Fé:

“Tinha razão Toríbio Rezende quando afirmava que a ideia republicana podia ser comparada com uma onda que ia aos poucos crescendo e que acabaria não só lavando a mancha da escravidão, como também derrubando o trono! Proclamada a República, Santa Fé ficaria livre dos Amarais e homens como Toríbio e ele, Licurgo, iriam dirigir a política municipal, eliminando o favoritismo, as injustiças e as arbitrariedades. Em pensamento Licurgo via Toríbio a falar e gesticular: O Capitão Rodrigo botou sua marca no rosto do velho Bento: só ficou faltando o rabinho do R. Pois bem, Curgo. Quem vai completar o serviço (...) é você, não com uma adaga, mas simbolicamente, levando para diante a campanha abolicionista e republicana, e livrando Santa Fé de um sátrapa. Como Toríbio falava bem, com que eloquência, com que facilidade! Na mente do Licurgo a imagem do amigo desapareceu para dar lugar à de Júlio de Castilhos, cuja mão ele apertara comovidamente por ocasião do último congresso republicano de Porto Alegre. Era incrível que aquele moço retraído e de poucas palavras estivesse abalando o trono com seus artigos políticos, escritos e publicados na Província” [100].

O nosso autor tinha uma atitude crítica em face dessa proposta salvífica. Valia mais pensar no tipo de homens que dirigiriam o novo empreendimento. Já que se tratava de mudar o Império, que pelo menos se tratasse de pessoas de bem, como o Velho Imperador. Mas, quem garantiria que as coisas iriam melhorar? As questões atinentes à vida e à morte, os grandes dramas da existência humana escapavam à pletora de soluções salvíficas da propaganda republicana. O nosso autor, certamente, concordaria com Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) [101] quando, na crítica ao pensamento de Rousseau (1712-1778) [102] destacava que o problema do filósofo de Genebra era ter absolutizado o conceito de soberania, como se ela pudesse se estender a todas as esferas da vida humana. Ora, há coisas como a vida interior, o nosso pensamento, as nossas preocupações metafísicas, os nossos amores, que escapam ao poder dos governos, mesmo que sejam legítimos. O problema dos pregadores de soluções ideológicas consiste, justamente, em que absolutizam a dimensão do poder político, como se da alçada dele fossem todos os aspectos da vida humana. A soberania popular é limitada. Refere-se, exclusivamente, aos fundamentos do pacto político, que gira ao redor da defesa dos interesses materiais dos cidadãos. Nem mais nem menos. A posição de Érico é de ceticismo em face de receitas salvíficas. O diálogo que se passa entre Licurgo Cambará, o pachorrento Florêncio e o seu sobrinho, é deliciosamente entremeado pelas considerações concretas – vivenciais – do velho tio e pelas perguntas de Bibiana, que representa aquilo que escapa ao reino da política, tudo quanto se refere ao dia a dia e ao além. A respeito, escreve Érico:

“Florêncio meneou a cabeça. - Estou muito velho para acreditar em conversas – observou ele, como se estivesse se dirigindo ao próprio prato e não aos outros. – Tenho visto muita mudança de governo na minha vida e tenho lido e ouvido muita promessa de políticos. Acho que as coisas não vão mudar se vier a república. Curgo olhou vivamente para o tio e, quase agressivo, replicou: - É por essa e por outras que o Brasil não vai pra frente. Se homens como o senhor acham que não há diferença entre república e monarquia, o que é que a gente pode esperar dum gaúcho bronco, dum peão, dum... dum...homem da rua? – Olhou para o advogado e pediu: - Toríbio, conte ao primo Florêncio o que é que a República quer. Toríbio cruzou os talheres, fincou os cotovelos na mesa, trançou as mãos à altura do queixo e principiou: - Para não fazer uma dissertação muito comprida, direi, primeiro, que com a República, as províncias ficarão transformadas em estados autônomos e confederados, mas politicamente unidos. Esfregou as mãos e fez uma pausa. Bibiana aproveitou o breve silêncio para perguntar: - Mais carne, Dr. Winter? – Não, muito obrigado. - Teremos também um poder legislativo central; um tribunal superior de justiça, colaboração proporcional de todos os Estados para as despesas da nação... Winter sabia que Florêncio não estava entendendo nada. Como ele havia no país milhões de pessoas para as quais palavras não tinham sentido. A enumeração continuava. O senado seria temporário; o voto, alargado. Todos teriam liberdade de associação e de culto. Os cemitérios seriam secularizados... Neste ponto Bibiana interveio: - E os defuntos vão continuar mortos, sem saber de nada... Curgo fuzilou para a avó um olhar de censura. – Teremos o casamento civil obrigatório – prosseguiu Toríbio. – A Igreja será separada do Estado. Os ministros, responsabilizados. Não só os ministros mas também todos os agentes da administração. Acabaremos com o Poder Moderador e com o com o conselho dos Estados. Ah! E haverá a mais ampla liberdade de ensino... De repente o advogado calou-se. Florêncio fez apenas este comentário: - Tudo isso é muito bonito. Mas o Imperador é um homem de bem. Curgo deixou escapar um suspiro de impaciência. – É um caixeiro viajante! – explodiu. - Vive passeando na Europa, fazendo versos e visitando museus, enquanto o país aqui vai águas abaixo! Florêncio não respondeu. Continuou a comer serenamente. Toríbio retomou a palavra: É um Imperador para uso externo cujo principal motivo de orgulho é ser amigo íntimo de Victor Hugo! Florêncio repetiu simplesmente: - O Imperador é um homem de bem” [103].

4 – Dimensões da Religiosidade na Cultura Gaúcha, em face do Estado Patrimonial.

A religiosidade gaúcha, para Érico Veríssimo, tem uma dupla dimensão: doméstica e política. Ambas as formas encontram-se entrelaçadas no imaginário social. Na dimensão doméstica, prevalece o relacionamento com os santos como se fossem familiares das pessoas. Quanto mais profunda a fé, maior a familiaridade com o universo sobrenatural, como se ele se confundisse com o âmbito da casa e da família. Relações sobrenaturais e relações políticas solidificam-se sobre o mesmo chão: o âmbito familiar. Verdadeiro pano de fundo culturológico, sobre o qual se assenta, sem dúvida, o patrimonialismo gaúcho. Eis a forma em que o nosso autor ilustra essa primeira dimensão da religião, ao aprofundar na religiosidade da vó Bibiana. Em relação a esse ponto, escreve Érico:

“O sino começou a badalar. Eram quase dez horas da manhã e o rosto da bela imagem da Nossa Senhora da conceição resplandecia à luz do morno sol de inverno que entrava pelas janelas do templo. Para Bibiana, a Santa tinha uma fisionomia familiar, pois desde menina ela se habituara a vê-la ali, no altar com as mesmas roupas, a mesma postura e o mesmo sorriso bondoso. Vezes sem conta, quando moça, Bibiana viera ajoelhar-se ao pé da imagem da padroeira de Santa Fé, confiar-lhe suas dificuldades e fazer-lhe promessas. Foi por obra e graça de Nossa Senhora que Bibiana casara com o Capitão Rodrigo. Quando aos três anos Bolívar caíra na cama com um febrão medonho, ela viera um dia à Igreja e dissera à santa: Se vosmercê faz o Boli melhorar, prometo mandar rezar dez missas e dar cinco patacões pra Igreja. Ao chegar à casa encontrara já o menino com as roupas úmidas de suor e a testa fresquinha. Depois, com o passar do tempo, e à medida que Bibiana perdia a sua fé nos homens e nos santos, suas relações com Nossa Senhora foram deixando de ser de santa para crente para serem quase de mulher para mulher. E agora o olhar que a velha, ao sentar-se, lançara para a imagem parecia querer dizer: Bom dia, comadre, como vão as coisas? Eram ambas donas de casa e tinham grandes responsabilidades. Durante mais de cinquenta anos Bibiana não tivera segredos para com a santa. Eram velhas amigas e confidentes: entendiam-se tão bem que nem precisavam falar...” [104].

A dimensão religiosa presente na política traduz-se, no sentir de Érico, em messianismo populista. O povão gosta de santos barbudos em quem acreditar, como Antônio Conselheiro (1830-1897) [105] ou o próprio Luís Carlos Prestes (1898-1990). Essa é a base de legitimação do poder mais rápida e eficaz, porque deita raízes na alma popular. Eis a forma em que o nosso autor ilustra essa dimensão, num diálogo que se passa entre Tio Bicho, típico representante do homem comum gaúcho, e Roque Bandeira, o intelectual: o tema do diálogo é a notícia das manifestações populares – verdadeiras romarias - ocorridas na Paraíba e no Rio de Janeiro, para saudar o féretro de João Pessoa, assassinado em 1930, fato que fez deslanchar a Revolução de Outubro. Estas são as suas palavras a respeito:

“Tio Bicho encolheu de ombros e, mal movendo os lábios pardacentos, gretados pelo frio, balbuciou: - Digo que tudo acaba virando religião. – Mas isso é civismo, animal, puro civismo! [replicou Roque]. – Confirma-se mais uma vez a minha teoria de que o povo precisa de uma mística, de mitos, mártires e santos... As massas amam os profetas barbudos como Antônio Conselheiro e Luís Carlos Prestes. Isso que fizeram com o cadáver de João Pessoa foi um ato de religião e de superstição. Um simulacro de procissão do Senhor Morto. Não me admirarei se aparecer por aí a história da Vida, Paixão e Morte de João Pessoa, o Cristo do Nordeste. Washington Luís seria comparado com Pilatos, mas um Pilatos teimoso que reluta até em lavar as mãos...” [106].

Embora a religiosidade popular pendesse para o populismo que dá sustentação ao Estado Patrimonial, o nosso autor, liberal de coração e de ideias, preferia que religião e política não se misturassem. Érico defendia a tese liberal clássica da independência de poderes, da Igreja livre em face do Estado livre. A sua posição é colocada em boca do Padre Romano, vigário de Santa Fé que, como fiel sacerdote católico, defendia, em posição progressista, a ideia republicana, mas desvinculada de uma submissão do poder espiritual ao temporal. Eis a narrativa do nosso autor a respeito:

“O médico inclinou o busto para frente e voltou a cabeça para o vigário. – Padre Romano – disse ele em voz muito alta para ser ouvido no meio da balbúrdia - ainda não compreendi como é que, sendo o senhor um sacerdote católico pode simpatizar com a ideia republicana ... - Por que não? Por que não belo? Acha que um padre não deve ou não pode ter emoção cívica? – Não é isso. Um dos pontos do programa republicano é a separação da Igreja do Estado... O Padre Romano ergueu-se. – E então! E daí? – exclamou, aproximando-se do outro, como se o quisesse agredir. Segurando o médico pelos ombros com suas manoplas peludas, perguntou: - Pensa o doutor que a Igreja para sobreviver precisa do amparo do Estado? – Soltou uma risada gostosa. – Essa é magnífica! O Estado é que não poderá viver se não se amparar espiritualmente na Igreja!” [107].

Separação dos poderes espiritual e temporal no plano das instituições; separação das dimensões cognitiva e de fé, no terreno pessoal. É o Padre Romano quem ainda, no seguinte trecho, deixa clara a sua posição tipicamente liberal: razão e fé não se atrapalham porque tratam de objetos diferentes. São “duas verdades”, como diriam os averroistas [108] da Universidade de Paris nesse brilhante século XII, em que tudo podia ser discutido pela razão, sem que a fé atrapalhasse o livre esclarecimento e sem que ela perdesse o lugar importante que lhe foi assinalado pelo Criador na vida humana: iluminar os homens no que diz respeito às verdades transcendentes, deixando este mundo ao controle da razão. O nosso escritor ilustrou a sua posição, no diálogo travado entre o padre e o médico da cidade:

“Winter brandia ainda o garfo. – A Bíblia é obra de homens ignorantes; a história da criação é um mito e Laplace [109] tinha razão quando Napoleão I lhe perguntou por que não falava em Deus ao expor o seu sistema de mecânica Celeste: ‘Sire, je n’avais pas besoin de cette hypothèse!’ [110] – ‘Quos Deus vult perdere, prius dementat’ [111] – citou o Padre, soltando um arroto feliz. - O estudo das camadas terrestres demonstra à evidência que o homem é simplesmente fruto da evolução da matéria como a própria Terra, como são os mundos todos que povoam o espaço do Universo. Atílio Romano bebericava o seu vinho, fazendo-o demorar sobre a língua e depois engolindo-o com um vagar sensual. Tornou a encher o cálice. – Nada disso é novidade para mim, doutor – disse ele. – Todos esses autores ateus seus amigos são também os meus conhecidos. Tenho seus livros à minha cabeceira e isso é um sinal de que não os temo (...). A razão não tem nada a ver com a fé. (...) – Vosmecê leu Darwin [112] e Lamarck [113], não leu? – Li. E talvez melhor que o doutor. – Aceita as leis da evolução e da seleção? – Aceito. – Então? – Então o que? – Como pode reconhecer ao mesmo tempo a autoridade da Bíblia? – Mas a Bíblia fala uma linguagem simbólica, belo! (...). A hipótese evolucionista não exclui necessariamente Deus. Ela é antes uma prova da suprema, da incomparável, da sutil e imaginosa inteligência do Todo-Poderoso” [114].

A inspiração liberal de Érico Veríssimo levou-o, certamente, a tecer críticas ao Patrimonialismo gaúcho e à forma populista de fazer política no Brasil. Mas a sua atitude crítica não se limitava à avaliação das nossas instituições e costumes políticos. Abarcava, também, o confuso mundo de sua época, envolvido no terror da Segunda Guerra Mundial. O aspecto que mais preocupava a Érico era a perda de sensibilidade dos países em face do ser humano, notadamente no terreno da gestão econômica. Em 1941, em viagem realizada aos Estados Unidos a convite do Departamento de Estado, eis o que escrevia o nosso autor, ao se defrontar com a mentalidade dos produtores de cinema de Hollywood, que unicamente enxergavam para os maiores lucros que pudessem auferir de sua atividade:

“Como bons homens de negócio, procuram os magnatas do cinema contentar a todos sem prejudicar os próprios interesses pecuniários. Acontece, porém, que estamos num mundo que já provou – sangrenta e dolorosa prova! - que o erro de nossa civilização tem sido justamente esse de seus pró-homens transigirem em tudo: toleram e até provocam guerras, misérias e crimes, contanto que seus bolsos não sejam atingidos, contanto que cada um deles possa continuar tendo os seus iates, um palacete em cada ponto de veraneio e uma renda mensal de milhões” [115].

Ao ensejo de nova viagem aos Estados Unidos, para lecionar na Universidade de Berkeley entre 1943 e 1945, o nosso autor fazia uma original análise da situação internacional, do ângulo econômico – lembrando as críticas que John Maynard Keynes (1883-1946) [116] tinha feito, nos anos vinte -. Novamente o nosso autor focalizava a dimensão desumana do lucro selvagem na própria Meca do capitalismo. O lucro selvagem era, em primeiro lugar, o pecado do Estado getuliano que, insensível ao clamor popular, num momento de penúria e de fome, mandou queimar grandes estoques de café, apenas para “regular preços”, tudo com o aval da tecnocracia tupiniquim e sem ter sido feita consulta aos interessados, os cidadãos do país. Mas o nosso autor também se debruçava sobre o lucro desumano dos agentes econômicos que, em nível mundial, esqueceram-se do homem para apenas apostar num lucro que se tornou suicida, no contexto de uma maluca ciranda financeira que somente encontraria limites nas políticas do New Deal (postas em prática após 1946), que adotaram as recomendações keynesianas. Eis as esclarecidas e humanísticas críticas do nosso autor:

“Menciono o problema do lucro, que me parece um dos pontos nevrálgicos da questão. Em países onde populações inteiras vivem, ou, antes, vegetam num estado de subnutrição, gêneros de primeira necessidade são queimados ou jogados ao mar. Os técnicos explicam friamente: é uma questão de preços. Concluo: Um mundo que coloca o lucro acima das vidas humanas é um mundo perdido, corrupto e hediondo. Posso falar nos idealistas que se recusam a examinar a crise dos tempos modernos à luz da economia. Por que? Veem a tremenda luta pelo petróleo, pelo trigo, pelo carvão, pelo algodão, pelos mercados e por maiores lucros e continuam a proceder como se os homens fossem anjos. Nações inteiras têm sido conduzidas como casas comerciais com um olho nos lucros. Mais uma vez confundiram-se os meios com os fins. Esqueceram que o Estado deve servir ao povo, e não o povo ao Estado. Não compreenderam que os interesses do homem comum, isto é, da maioria, devem ser colocados acima das corporações privadas, dos cartéis e dos trustes. Esta guerra - prossigo, fazendo o possível para não assumir ares proféticos – é até certo ponto uma guerra ideológica, mas é principalmente uma guerra econômica. E se quisermos descobrir um remédio eficaz para esse horrível flagelo periódico, não devemos ignorar a sua verdadeira natureza. Há um fato que ilustra de maneira dramática o que estou dizendo. Os aviões japoneses que bombardearam Pearl Harbor empregaram, ao que se diz, gasolina americana, e as bombas que lançaram eram provavelmente feitas de ferro-velho também americano” [117].

Érico Veríssimo caracterizou-se pela coragem e pela atitude bem gaúcha de luta de peito aberto em defesa das liberdades. Em mesa-redonda transmitida pelo rádio, numa Universidade americana em 1943, o nosso autor teve uma experiência no mínimo paradoxal, num país que sempre se destacou pela defesa da liberdade de expressão. Vale a pena citar esse incidente, no relato do próprio Érico, a fim de ilustrar essa sua defesa quixotesca – eminentemente liberal – das liberdades:

“Quando chega a minha vez, a pergunta que me toca é: - Os brasileiros gostam dos americanos? Resposta: - É muito difícil responder com um sim ou com um não. Nossa tendência, no Brasil, é de gostar das pessoas. Mas para não cair em nenhum otimismo convencional preciso dizer que há no meu país várias fontes de propaganda antiamericana. – E quais são elas?... pode dizer? – Em primeiro lugar, temos os integralistas, ou seja, os fascistas brasileiros, que gostariam de ver seu país do lado do Eixo. Depois, temos os próprios alemães que residem no Brasil...Refiro-me apenas aos nazistas... – Muito bem. Continue. – Há ainda alguns membros influentes da Igreja Católica que baseiam seus sentimentos antiamericanos na ideia de que os Estados Unidos são um país protestante, que manda missionários para o Brasil, e cuja influência lhes parece indesejável. Esses membros... O moderador ergue a mão: - Espere um momento. O senhor não deve discutir religião... - Quem é que está discutindo religião? Estou apenas dizendo... O homem me interrompe de novo: - Se o senhor conhecesse as leis dos Estados Unidos nem mencionaria esses fatos... – Perdão. O senhor me fez uma pergunta e eu estou tratando de responder honestamente, e o que ia dizer não envolvia nenhuma crítica ao catolicismo brasileiro ou americano... – Bom. Vou passar adiante... – Pois passe adiante, já que não quer ouvir a verdade... O moderador está vermelho. De meu lugar posso ver o controlador do som, lá do outro lado do vidro, como um peixe de aquário. E o peixe sorri, divertindo-se com a discussão. Mas estou perturbado. Nunca esperei que me cortassem desse modo a palavra. Eu ia fazer pelo rádio um apelo aos católicos dos Estados Unidos, pedir-lhes que tratassem de explicar aos católicos brasileiros que a Igreja é forte e influente neste país, e que a liberdade de culto que aqui existe e a tolerância religiosa que aqui se exerce deviam servir de modelo para os países da América do Sul. O moderador de novo se prepara para me fazer uma pergunta: - Agora, meu amigo brasileiro, quer me dizer..? Interrompo-o: - Eu não quero dizer nada. Não acredito que o senhor esteja interessado numa resposta sincera” [118].

BIBLIOGRAFIA

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NOTAS DE RODAPÉ

[1] Giuseppe Garibaldi (1807-1882) herói italiano, lutou ao lado das tropas dos rebeldes gaúchos na Guerra dos Farrapos (1830-1840). Depois teve papel importante na unificação da Itália.

[2] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente, 2º Tomo. Porto Alegre: Globo, 1948, pp. 245-246.

[3] Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951), o grande sociólogo fluminense que, como veremos, influenciou diretamente na concepção patrimonialista (modernizadora) do Estado, que empolgou aos gaúchos que tomaram o poder em 1930.

[4] Cf. VIANNA, Francisco José de Oliveira. Populações Meridionais do Brasil – Volume 2: O Campeador Rio-Grandense. 3ª Edição. Belo Horizonte: Itatiaia; Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 1987, pp. 16 seg.

[5] SCHWARTZMAN, Simon. Bases do Autoritarismo Brasileiro. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Campus, 1982.

[6] VIANNA, Francisco José de Oliveira. Populações Meridionais do Brasil – Volume 2: O Campeador Rio-Grandense. Ob. cit., p. 136.

[7] Júlio de Castilhos (1860-1903), primeiro presidente do Estado do Rio Grande do Sul, instaurou a Ditadura Republicana, dando ensejo à corrente política do Castilhismo e à Revolução Federalista de 1892.

[8] Antônio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961), líder do Partido Republicano Rio-Grandense e segundo presidente do Estado do Rio Grande do Sul, reelegeu-se por cinco vezes, dando ensejo à Revolução Liberal que culminou com o Tratado de Paz de Pedras Altas de 1923.

[9] Getúlio Dorneles Vargas (1883-1954), quarto presidente do Rio Grande do Sul e líder da Revolução de 1930, que o guindou à presidência do Brasil.

[10] VERÍSSIMO, Érico, O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Porto Alegre: Globo, 1962, p. 719.

[11] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. Ob. cit., p. 699.

[12] Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857-1938), líder liberal gaúcho cunhado de Castilhos e oposicionista da Ditadura Científica Castilhista, foi deputado pelo Rio Grande do Sul no Congresso Nacional, diplomata e ministro da Agricultura. A sua crítica ao Positivismo inspira-se na filosofia francesa liberal conhecida como “pensamento doutrinário”.

[13] Rui Barbosa (1849-1923) líder liberal, foi deputado pela Província da Bahia no Parlamento Imperial e, no período republicano, ministro da Fazenda e candidato à Presidência. Crítico ferrenho das ideias de Júlio de Castilhos no Parlamento do Império e no Congresso Constituinte da República, em 1891.

[14] Venâncio Aires (1841-1885). Seguidor de Castilhos. Primeiro redator-chefe de A Federação, órgão do Partido Republicano Rio-Grandense.

[15] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente 2º Tomo. Porto Alegre: Globo, 1948, pp. 568-570.

[16] A Federação foi o órgão do Partido Republicano Rio-Grandense. Nesse jornal Júlio de Castilhos comandou a propaganda republicana no Rio Grande do Sul.

[17] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente, 2º Tomo. Porto Alegre: Globo, 1948, pp. 559-560.

[18] Lindolfo Leopoldo Boeckel Collor (1890-1942) foi o estrategista da Plataforma da Aliança Liberal (1929), que Getúlio pôs em execução em 1930, ao assumir o Governo Provisório da República. Foi o primeiro ministro do Trabalho, tendo elaborado as bases da legislação trabalhista getuliana.

[19] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. cit., p. 617.

[20] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. Cit., p. 688.

[21] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. cit., pp. 742-743.

[22] Cf. PAIM, Antônio. (Organizador). Pombal e a cultura brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Cultural Brasil/Portugal – Tempo Brasileiro, 1982.

[23] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. cit., pp. 622-623.

[24] José Antônio Flores da Cunha (1880-1959) acompanhou Getúlio na Revolução de 30 e depois foi Interventor no Rio Grande do Sul, durante o Estado Novo.

[25] Oswaldo Aranha (1894-1960) seguiu Getúlio na Revolução de 30 e depois foi embaixador do Brasil em Washington e chanceler, tendo acompanhado a criação da Organização das Nações Unidas, após a Segunda Guerra Mundial.

[26] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. cit., p. 715.

[27] VARGAS, Getúlio. Diário, Volume I – 1930-1936. (Apresentação de Celina Vargas do Amaral Peixoto; edição de Leda Soares). São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1995, pp. 405.

[28] VARGAS, Getúlio. Diário, Volume I – 1930-1936. Ob. cit., p. 8.

[29] Cf. a minha obra Castilhismo, uma filosofia da República. (Apresentação de Antônio Paim). 2ª Edição corrigida e acrescida. Brasília: Senado Federal, 2000, pp. 95 ss.

[30] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. cit., pp. 729-730.

[31] A obra de Oliveira Vianna que primeiro influiu em Getúlio foi Populações Meridionais do Brasil – Volume I: Populações Rurais do Centro-Sul, publicada em primeira edição em 1920. Cf., do citado Autor, Populações Meridionais do Brasil e Instituições Políticas Brasileiras. (Introdução de Antônio Paim). Primeira Edição num único volume. Brasília: Câmara dos Deputados, 1982.

[32] Junto com Assis Brasil, Gaspar da Silveira Martins foi a grande figura representativa do Liberalismo no Rio Grande do Sul. Pertenceu ao Conselho de Estado no decorrer do Segundo Reinado e foi Presidente da Província Sul-rio-grandense.

[33] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. cit. pp. 712-713.

[34] Caudilho argentino, realizou, na base da violência indiscriminada e da privatização das funções do Estado pelos líderes patrimoniais, a unificação das Províncias ao redor da Capital Federal, Buenos Aires.

[35] General José Félix Uriburu (1868-1932).

[36] Hipólito Irigoyen (1852-1933).

[37] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. cit., p. 648.

[38] Nesta forma de dominação, o líder patrimonial administra o poder como extensão da sua casa, mas possui, ao seu serviço, um rudimentar aparelho burocrático integrado por servidores fiéis, que podem constituir uma casta ou estamento. Cf. a respeito, WEBER, Max. Economía y Sociedad. (Tradução ao espanhol de José Medina Echavarría et alii). 1ª Edição em espanhol. México: Fondo de Cultura Económica, 1944, IV Volume, pp. 123 ss.

[39] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. cit., p. 623.

[40] Luís Carlos Prestes foi inicialmente um dos tenentes das revoltas dos anos 20 e terminou se radicalizando, tendo ingressado no Partido Comunista Brasileiro, passando a residir, durante vários anos, na extinta União Soviética.

[41] Olga Benário Prestes (1908-1942), alemã e membro do Partido Comunista da União Soviética, terminou morta pela polícia nazista num campo de concentração.

[42] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. Cit., p. 740.

[43] João Neves da Fontoura (1887-1963) deputado castilhista, grande orador e autor do clássico livro de Memórias, 1º Volume – Borges de Medeiros e os seu tempo. Porto Alegre: Globo, 1958.

[44] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. cit., p. 695.

[45] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. cit., p. 741-742.

[46] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. cit., p. 735.

[47] Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), a figura mais importante da literatura brasileira do final do século XIX.

[48] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. Cit., pp. 731-732.

[49] Henri-Claude de Saint-Simon. Nobre, filósofo e pensador social francês, autor de clássicos da sociologia e da filosofia política como La Physiologie Sociale e Le Nouveau Christianisme.

[50] Harry Berger, cujo nome verdadeiro era Arthur Ewert (morto em 1959), foi um militante comunista a serviço da União Soviética, juntamente com a sua companheira Elisa Ewert (Auguste Elise Saborowski Ewert) (1886-1940). O casal foi barbaramente torturado pela polícia política do Estado Novo quando da sua prisão no Rio de Janeiro, antes de serem deportados para a Alemanha Nazista.

[51] Junto com Zero Hora, um dos grandes jornais diários de Porto Alegre.

[52] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo, ob. cit., pp. 744-745.

[53] Presidente da Paraíba, foi assassinado em 1930, dando ensejo ao levante de Getúlio Vargas no Rio Grande do Sul.

[54] José Antônio Aranha foi prefeito de Porto Alegre no período de 1952-1954.

[55] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. Cit., pp. 642-643.

[56] General Bertoldo Klinger (1884-1969) participou das revoltas tenentistas e, posteriormente, aderiu à Revolução Constitucionalista de São Paulo, em 1932.

[57] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. cit., p. 726.

[58] Plínio Salgado (1895-1969). Fundador e líder do Movimento Integralista Brasileiro.

[59] Joseph Goebbels (1897-1945). Ministro da Propaganda do Governo alemão na época do Nazismo.

[60] José Américo de Almeida (1887-1980).

[61] Armando Salles de Oliveira (1887-1945).

[62] General Ludwig von Hindenburg (1847-1934) Presidente da Alemanha à época da ascensão do nazismo.

[63] Adolf Hitler (1889-1945) Chanceler da Alemanha e Chefe do Estado Alemão ao longo da Segunda Guerra Mundial.

[64] Franklin Delano Roosevelt (1882-1945), Presidente dos Estados Unidos à época da Segunda Guerra Mundial.

[65] O Plano Cohen, que revelava uma suposta conjuração comunista para a tomada do poder no Brasil, foi um documento falso elaborado pelo capitão do Exército Olímpio Mourão Filho (1900-1972) e serviu como motivo imediato para a decretação, por Getúlio, da Ditadura do Estado Novo, em novembro de 1937.

[66] O general Pedro Aurélio de Góes Monteiro (1889-1956), natural de Alagoas, foi Chefe de Gabinete de Getúlio Vargas a partir da Revolução de 1930. Defendia o alargamento da Ditadura Castilhista ao Brasil.

[67] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. cit., pp. 733-734.

[68] Dom Pedro de Alcântara de Orléans e Bragança (1825-1891), coroado Imperador do Brasil como Pedro II.

[69] “Galinhas Verdes”: nome popular dado aos Integralistas.

[70] União Democrática Nacional, partido de inspiração liberal, liderou a oposição a Getúlio Vargas no período 1951 a 1954.

[71] Alexandre Marcondes Filho (1892-1974).

[72] Napoleão Bonaparte (1769-1821) Imperador dos Franceses, coroado em 1804.

[73] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. cit., pp. 735-736.

[74] Karl Von Koseritz (1830-1890), empresário e jornalista de origem alemã de inspiração liberal, foi um dos grandes críticos do Castilhismo no Rio Grande do Sul.

[75] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente, 2º Tomo. Ob. Cit., p. 527.

[76] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente, 2º Tomo. Ob. Cit., p. 589.

[77] Léon Gambetta (1838-1882) líder republicano francês.

[78] Demóstenes (384 a.C.-322 a.C.) grande orador e líder da democracia ateniense.

[79] Conde Honoré de Mirabeau (1749-1791) controvertido parlamentar francês.

[80] Eleonora Duse (1858-1924) uma das mais importantes atrizes do teatro italiano.

[81] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente, 2º Tomo. Ob. Cit., pp. 659-660.

[82] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente, 2º Tomo. Ob. Cit., p. 520.

[83] Marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892) proclamou a República em 1889 e foi o primeiro Presidente.

[84] Imperador Marco Aurélio (121-180) grande pensador, além de excelente estrategista. A sua obra Pensamentos é um clássico da Filosofia Estóica.

[85] Alphonse Lamartine (1790-1869) poeta e parlamentar francês.

[86] Louis Pasteur (1822-1885) cientista francês.

[87] Victor Hugo (1802-1885), grande romancista francês de orientação conservadora, autor do clássico Os Miseráveis.

[88] Exposição de Filadélfia (1876).

[89] Alexandre Graham Bell (1847-1922), cientista norte-americano, inventor do telefone.

[90] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente, 2º Tomo. Ob. Cit. pp. 655-657.

[91] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente, 2º Tomo. P. 592.

[92] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente, 2º Tomo. P. 658.

[93] José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915), o mais importante representante do Castilhismo no Congresso, nos primeiros anos da República. Exercia sobre a República Velha, como dizia Rui Barbosa, uma “ditadura branca”, em defesa dos interesses republicanos do Rio Grande do Sul.

[94] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. Cit., p. 619.

[95] Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (1870-1946), Presidente de Minas Gerais e líder da Aliança Liberal no seu Estado. Foi de sua lavra a famosa frase: “Façamos a Revolução antes que o povo a faça!”

[96] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. Cit., p. 620.

[97] Giuseppe Garibaldi (1807-1882), revolucionário italiano que ajudou os Farrapos na sua luta contra o Império no período 1835-1845. Posteriormente teria grande papel na unificação italiana.

[98] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente. 2º Tomo. Ob. Cit., p. 584.

[99] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente. 2º Tomo. Ob. Cit., pp. 570-571.

[100] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente. 2º Tomo. Ob. Cit., p. 571.

[101] Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) foi um dos precursores do movimento liberal conhecido na França com o nome de Doutrinários, e que influiu decididamente no pensamento dos estadistas do Império brasileiro.

[102] Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo originário de Genebra, deitou as bases do denominado democratismo.

[103] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente. 2º Tomo. Ob. Cit., pp. 596-597.

[104] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente. 2º Tomo. Ob. Cit., pp. 575-576.

[105] Antônio Vicente Mendes Maciel, líder da Revolta de Canudos (1893-1897), que terminou sendo esmagada pelo exército da República.

[106] VERISSIMO, Érico. O Tempo e o Vento III. O Arquipélago, 3º Tomo. Ob. Cit., pp 639-640.

[107] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente, 2º Tomo, ob. cit., p. 629.

[108] Corrente de pensamento inspirada no filósofo mourisco-espanhol Averróis (1126-1198), para quem há duas verdades: teológica e racional, independentes uma da outra.

[109] Pierre Simon de Laplace (1749-1827), matemático, astrônomo e físico francês, mestre de Napoleão na Escola Militar de Paris e um dos seus ministros no período imperial.

[110] “Sire, eu não tinha necessidade dessa hipótese”.

[111] “Deus enlouquece primeiro aqueles que deseja perder”.

[112] Charles Darwin (1809-1882) cientista inglês que formulou a hipótese da evolução das espécies.

[113] Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) cientista francês, formulou a hipótese da seleção natural.

[114] VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento I. O Continente, 2º Tomo. Ob. cit., pp. 634-635.

[115] VERÍSSIMO, Érico. Gato preto em campo de neve. (Ilustrações de Rodrigo Andrade; prefácio de Luís Fernando Veríssimo). São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 396.

[116] A obra de John Maynard Keynes intitulada: O fim do laissez-faire (1926) constituiu o novo marco do capitalismo mundial, abrindo a porta para a política do New Deal posta em prática pelos Estados Unidos no segundo pós-guerra.

[117] VERÍSSIMO, Érico. A volta do Gato Preto. (Ilustrações de Rodrigo Andrade; prefácio de Clarissa Jaffe). São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 149.

[118] VERÍSSIMO, Érico. A volta do Gato Preto. Ob. Cit., pp. 153-154.