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TÓPICOS ESPECIAIS DE FILOSOFIA MODERNA - CAPÍTULO 10º - A TEORIA DO CONHECIMENTO DE JOHN LOCKE.

TÓPICOS ESPECIAIS DE FILOSOFIA MODERNA - CAPÍTULO 10º - A TEORIA DO CONHECIMENTO DE JOHN LOCKE.

JOHN LOCKE (1634-1704) E A CAPA DA PRIMEIRA EDIÇÃO DO SEU

O grande filósofo inglês elaborou a sua Teoria do Conhecimento nos Dois ensaios sobre o entendimento humano, publicados em 1690. Locke tentou realizar uma síntese acerca do conhecimento, do ângulo do empirismo inglês, que deu sequência à crítica às metafísicas tradicionais no ciclo do Nominalismo de William Ockham (1285-1347) e Duns Scot (1266-1308). O seu intuito era apresentar uma visão empirista que servisse de fundamento à concepção filosófica, mais ampla, sobre o homem e a política.

Não era Locke, certamente, um filósofo especulativo como Thomas Hobbes (1588-1679) ou Immanuel Kant (1724-1804). A sua filosofia era de caráter prático (o pensador antecipou o espírito teórico-prático dos Doutrinários franceses), e visava a deitar as bases racionais que justificassem as recentes conquistas da burguesia diante do absolutismo monárquico, que tinha se solidificado ao longo das dinastias Tudor e Stuart.

Locke se familiarizou com as filosofias continentais, tendo passado, na sua juventude, uma temporada na França, o que lhe permitiu conhecer notadamente as obras de Pierre Gassendi (1592-1655) e René Descartes (1596-1650). Do primeiro, influenciado fortemente por Epicuro de Samos (341 - 270 a. C.), adotou a simpatia pela dimensão empirista do conhecimento num contexto dominado pela mecânica, em termos de cosmologia; do segundo, tomou a perspectiva de valorização da experiência interna e a tentativa de identificação da atividade do sujeito cognoscente a partir daquela, valorizando o ponto de partida empirista da atividade da mente.

Do ângulo da filosofia política, a reflexão de Locke se refere à progressiva conquista do poder político por parte da burguesia e da classe média aristocrática, a gentry, que tinha mudado a equação do poder na Inglaterra, abrindo espaço para o domínio do Legislativo sobre a Monarquia absolutista. Diferente era, portanto, a índole da reflexão lockeana, em face da filosofia de Hobbes, estando esta situada, ainda, na defesa sistemática do absolutismo monárquico. Hobbes viu-se obrigado a recorrer ao expediente de defesa do governo absoluto, pois estava ciente de que só mediante a aliança entre a burguesia e a monarquia absolutista seria possível salvaguardar os interesses daquela. O absolutismo hobbessiano revelou-se, assim, como algo essencialmente tático, o que nos levaria a mitigar uma interpretação antiliberal do autor do Leviatã.

Continuando na linha de defesa dos interesses burgueses e da gentry, Locke dá um passo à frente: a burguesia inglesa, para a época em que escreve a sua obra fundamental, Dois tratados sobre o governo civil (1689), já não precisava da tutela absolutista do monarca, tendo-se revelado capaz de governar por si só. Tal é o sentido da “Gloriosa Revolução” (1688) que marca a queda definitiva do absolutismo na Inglaterra e a consolidação decisiva da burguesia e da nobreza rural no poder, através da instauração plena do governo representativo de tipo parlamentarista.

Se bem é certo que a obra lockeana não é um modelo de sistema especulativo lógico, ela goza, contudo, de uma unidade sistêmica entre as partes epistemológico-antropológica e política. Assim como não se dá, no plano do conhecimento, a existência de ideias inatas no seio do espírito humano, tampouco se dá um poder absoluto, fora do terreno do consenso entre os indivíduos. No estado natural, o homem nasce livre, de forma semelhante a como nasce racional. A concepção lockeana do indivíduo, centrada na ideia da produção de bens mediante o trabalho e que aponta à propriedade privada, corresponde à concepção política do poder como exercício da representação por parte dos proprietários. A sociedade lockeana é concebida em torno aos conceitos de propriedade e produção que, por sua vez, completam a concepção do indivíduo.

O filósofo português Eduardo Abranches de Soveral (1927-2003) destacou, da seguinte forma, a contribuição fundamental de Locke no terreno da teoria do conhecimento, numa perspectiva definitivamente moderna porquanto aberta ao universo das ciências, que fez dele um dos precursores do pensamento de Immanuel Kant (1724-1804) e de Edmund Husserl (1859-1938): “Preocupado, como era já corrente na época, com problemas de ordem gnoseológica, não foi, todavia, relativamente à Física e à Matemática, como em geral, que equacionou tais problemas. Daí o valor que desde logo atribuiu ao sujeito, no conhecimento, e às longas e minuciosas investigações psicológicas sobre o entendimento humano a que se dedicou; daí também que tenha sido pequena a influência recebida dos seus pares na recém-criada Royal Society, designadamente, de R. Boyle e de Newton. Kant virá a reconhecer mais tarde que John Locke entreviu algumas das principais descobertas críticas, apesar das contaminações empíricas inerentes ao seu psicologismo e afigura-se-nos de real interesse a influência lockeana na própria fenomenologia de Husserl (...)” [Soveral, 1991, III: 440].

A limitação fundamental de Locke no terreno do conhecimento radicava, segundo Kant, em que o pensador inglês, embora fiel à concepção empirista que herdara de Aristóteles (384-322 a. C.), afastara-se de forma paradoxal da experiência ao abarcar, sob sua abrangência, questões que escapavam a ela, como a existência de Deus e a imortalidade da alma. Como frisa Kant: “(...) Locke (...) depois de ter derivado da experiência todos os conceitos e princípios, estendia-lhes tão longe o uso ao ponto de afirmar poder demonstrar-se a existência de Deus e a imortalidade da alma de uma maneira tão evidente como qualquer teorema matemático (embora ambos os objectos estejam completamente fora dos limites da experiência possível)” [Kant, 1997: 672].

Em que pese essa falha decorrente da inserção de Locke na Perspectiva Realista ou Transcendente, Kant não deixou de se inspirar na gnosiologia lockeana ao formular a sua dedução transcendental das categorias, a partir dos juízos possíveis que aumentam o conhecimento. O modelo, seguido por Locke, de pesquisa acerca dos juízos possíveis como roteiro para entender o conhecimento, foi seguido também por David Hume (1711-1776) e retomado por Kant. Indiretamente, portanto, Kant continua na trilha assinalada por Locke, corrigida pela adoção da Perspectiva Transcendental, já presente, de forma pioneira, na filosofia de Hume.

Pretendemos elaborar uma visão sintética do Ensaio sobre o entendimento humano de Locke. Seguiremos, passo a passo, o desenvolvimento dos vários capítulos, a fim de destacar a progressão do pensamento do autor. Nos seguintes 16 itens pretendemos abarcar os aspectos fundamentais: 1 – Acerca das ideias em geral e da sua origem. 2 – As ideias simples. 3 – As ideias provenientes de um só sentido. 4 – As ideias provenientes de vários sentidos. 5 – As ideias provenientes da reflexão. 6 – As ideias provenientes da sensação e da reflexão. 7 – Outros arrazoados acerca das nossas ideias simples. 8 – A percepção. 9 – A retentiva. 10 – O discernimento e outras operações da mente. 11 – As ideias complexas. 12 – As ideias complexas das substâncias. 13 – As ideias coletivas de substâncias. 14 – A relação. 15 – Causa e efeito e outras relações. 16 – Identidade e diversidade.

Na Conclusão, destacaremos os aspectos mais marcantes da Teoria do Conhecimento de Locke, no que tange à teoria da certeza, destacando o importante lugar que o pensador inglês assinalava às ciências morais e políticas, que gozavam, para ele, de uma certeza forte.

1 – Acerca das ideias em geral e da sua origem.

Locke inicia a obra destacando que a ideia é o objeto imediato da percepção. Supondo que as ideias existem de fato na mente humana, a questão que se coloca é acerca da origem das mesmas. Ora, o autor descarta o caráter inato daquelas no Primeiro Ensaio sobre o entendimento Humano, com as seguintes palavras: “(...) para limpar o caminho em direção aos fundamentos que concebo como os únicos verdadeiros sobre os quais se possam fundamentar aquelas noções que podemos ter sobre o nosso próprio conhecer, até agora me vi obrigado a apresentar as razões que tenho para duvidar da existência dos princípios inatos” [Locke, 1956: 78].

O autor propõe-se esclarecer de onde as ideias provêm. Locke dá, de forma categórica, a sua resposta: elas provêm da experiência, frisando: “As observações que fazemos acerca dos objetos sensíveis exteriores, ou acerca das operações internas da nossa mente, que percebemos, e sobre as quais nós mesmos refletimos, é o que provê ao nosso entendimento de todos os materiais do pensar. Estas são as duas fontes do conhecimento de onde emanam todas as ideias que temos ou que podemos naturalmente ter” [Locke, 1956: 83].

Locke faz alusão às duas fontes das que se nutre a experiência humana e que constituem, por sua vez, as duas vias por onde se originam as ideias: os objetos da sensação e as operações da nossa mente. Quanto aos primeiros, considera que são os responsáveis pela maior parte das ideias que temos “pois dependem totalmente dos nossos sentidos e deles são transmitidos ao entendimento” [Locke, 1956: 84]. A essa “grande fonte” Locke denomina de sensação. Quanto às segundas, o autor afirma que se constituem em fonte das nossas ideias, quando a mente humana tem como objeto da sua atenção ou “a percepção das operações interiores da nossa própria mente, ao estar ocupada com as ideias que possui” [Locke, 1956, ibid.], ou quando se centra em “certas paixões que às vezes surgem delas”. Assim originar-se-iam respectivamente, por exemplo, as ideias de percepção, de pensar, de duvidar e as de satisfação ou desassossego, que são diferentes das que provêm diretamente de objetos exteriores, através dos sentidos, como as ideias das cores.

Os processos interiores da mente ou as suas paixões são denominados, genericamente, por Locke, com o nome de “operações”. O processo de observação dessas operações e de onde provém a segunda classe de ideias já mencionada, é chamado de “reflexão”, e ela exprime esse ato de a alma se voltar sobre si mesma, que é necessário para a obtenção dessas ideias, e que é diferente da sensação.

Do anterior podemos ver, claramente, como todas as ideias que temos provêm de uma ou de outra fonte (sensação e/ou reflexão), não havendo, em última instância, nenhuma outra origem das mesmas. A mente poderá, é certo, efetivar combinações variadíssimas das ideias que adquiriu, mas sempre as suas ideias apontarão para as origens explicadas. A observação das crianças pode fornecer-nos uma prova acerca do afirmado anteriormente. Pois não há criança nenhuma que tenha nascido com todo o cabedal das suas ideias já completo, mas a sua mente vai se povoando com elas na medida em que entra em contato com a realidade circundante, através dos sentidos, ou na medida em que observe os processos que surgem no interior de si mesma. Dessa forma, a mente infantil vai se enriquecendo em ideias por esses dois caminhos, embora, de fato, não sejam ensinadas aquelas à criança, de forma direta. Ainda mais: se mantivermos uma criança afastada do contato com algum setor da realidade sensível, como por exemplo, se a afastarmos de todo contato com qualquer cor que não seja o branco ou o preto, a sua mente permanecerá alheia às ideias das demais cores.

Levando em consideração que tanto para as ideias que provêm do exterior, quanto para as que se originam da observação das operações da mente, é necessário que esta dirija a sua atenção ao objeto do seu conhecimento. Depreende-se daqui que o cabedal das ideias de cada homem variará de acordo ao fato de que a sua atenção tenha se concentrado em tal setor da realidade exterior, ou das operações interiores da mente, e em tanto haverá ideias mais claras e distintas, enquanto a atenção da mente for maior em relação a um ou a outro setor. Em virtude do anterior, depreende-se, também, que é mais difícil obter aquelas ideias que exigem concentrar maior atenção e que, portanto, aquelas advêm mais tardiamente, como é o caso das ideias provenientes da observação das operações interiores da mente. Esta observação é, sem dúvida, mais difícil, porquanto a atenção da criança – e ainda da pessoa adulta – projeta-se mais facilmente para fora.

Locke analisa, a seguir, uma teoria que entra em colisão com os seus princípios acerca da origem das ideias, ou seja, a dos que afirmam que “(...) a alma sempre pensa e que, enquanto existe, possui constantemente em si mesma uma percepção atual de certas ideias, e que esse pensar atual é tão inseparável da alma como a extensão atual é em relação ao corpo” [Locke, 1956: 87]. Se isso for certo, frisa Locke, “(...) inquirir pelo começo das ideias de um homem equivale a perguntar pelo começo da sua alma; porque, nesse caso, a alma e as suas ideias, assim como o corpo e a sua extensão, começarão ambos a existir ao mesmo tempo” [Locke, 1956: ibid.].

O autor rejeita esta doutrina, alicerçado em dois argumentos: de um lado, a alma não pensa sempre, posto que isto não pode ser provado. De outro, se a alma pensa sempre, então pensa enquanto o homem dorme. Ora, se um homem que dorme pensa sem sabê-lo, o homem dormido e o homem acordado são duas pessoas. Vejamos as linhas fundamentais de uma e outra argumentação.

No desenvolvimento do primeiro argumento, Locke destaca, no início, o campo em que vai desenvolver a sua discussão. Já a partir da primeira linha descarta um tratamento metafísico para essa problemática: “Mas que se suponha que a alma exista com anterioridade a, ou simultaneamente com, ou em algum tempo posterior aos primeiros rudimentos ou organização, ou nos começos da vida no corpo, é assunto que deixo à discussão dos que o tenham meditado melhor do que eu” [Locke, 1956: ibid.].

Argumentando, então, do ponto de vista da experiência, Locke afirma que, a partir desta, unicamente podemos saber, com certeza, que algumas vezes pensamos, para concluir infalivelmente “que há algo em nós que possui o poder de pensar”. Mas considera, a seguir, que a discussão em torno a se a alma pensa ou não constantemente, não se pode esclarecer além da experiência. Efetivamente, afirmar que o pensar atual é essencial à alma, equivale a formular uma petição de princípio, pois se formula uma hipótese como prova de um fato. Afirma a respeito: “Sem dúvida, se eu pensei ou não ao longo de toda a noite anterior, como é um assunto de fato, incorre-se em petição de princípio ao aduzir como prova uma hipótese acerca da coisa mesma que se discute” [Locke, 1956: 88].

Para não se enganar numa discussão, Locke considera que é preciso formular as hipóteses “(...) sobre fatos e demonstrá-los pela via da experiência sensível, e não estabelecer uma presunção de fato em prol da hipótese, ou seja, supor que assim é o fato”. Quanto à segunda argumentação, o nosso autor destaca, em primeiro lugar, um princípio que vai lhe servir de base para o desenvolvimento do seu pensamento neste ponto: ninguém pode pensar, em nenhuma circunstância, sem que isso seja sensível. A respeito frisa: “Este ser sensível não é necessário com relação a nenhuma coisa, salvo com relação aos nossos pensamentos, para os quais é e sempre será necessário, porquanto não podemos pensar sem termos consciência de que pensamos”. A razão de fundo para isso radica em que “(...) Se privarmos completamente as nossas ações e sensações de toda consciência acerca delas, especialmente do prazer, da dor e da cura que sempre as acompanha, será difícil saber em que parte radica a identidade pessoal” [Locke, 1956: 89].

A seguir, Locke desenvolve a argumentação propriamente dita. Pressupondo que a identidade da pessoa não se alicerça no fato de que “(...) a alma esteja unida a um mesmo número de partículas de matéria” [Locke, 1956: 90], (posto que se tornaria impossível conservar uma identidade, dada a instabilidade e contínua mutação dos nossos corpos), mas que se alicerça na consciência que a alma tem acerca das nossas ações e sensações, pode-se afirmar que para cada unidade de consciência há uma identidade pessoal; se pressupormos, pois, que no homem comum a alma sempre pensa, mesmo quando aquele está dormindo, isso equivale a afirmar que o homem não é consciente de tudo quanto sua alma pensa. Pois somente é consciente daquilo que pensa em vigília, permanecendo inconsciente com relação ao que pensa a sua alma enquanto ele dorme. Portanto, frisa nosso autor, “(...) aqueles que acreditam que a alma pode pensar separadamente algo de que o homem não é consciente, fazem da alma e do homem duas pessoas diferentes (...)” [Locke, 1956: ibid.].

Locke apela novamente para a experiência como meio para conhecer verdadeiramente qual é a origem das nossas ideias e qual o papel representado pela mente humana diante delas [cf. Locke, 1956: 90-95]. Afirma que a observação das crianças nos ensina claramente como as ideias vão aparecendo de forma progressiva na mente, na medida em que é cada vez mais amplo o seu contato com a realidade exterior, através dos sentidos, e na medida em que a mente vai voltando sobre as operações que as ideias originais suscitam nela. A respeito afirma: “(...) Se (...) se perguntar quando começa a haver ideias num homem?, creio que a verdadeira resposta é que começa quando tem por primeira vez uma sensação. Porque, ao que parece, não há ideias na mente antes de que os sentidos lhe comuniquem alguma, penso que as ideias no entendimento são simultâneas à sensação, que é uma impressão ou moção feita em alguma parte do corpo, de tal índole que produz alguma percepção no entendimento” [Locke, 1956: 96].

Primeiro aparecem na mente as ideias surgidas a partir das sensações. Logo, na medida em que aquelas vão se projetando sobre as operações suscitadas nela pelas primeiras ideias, vão surgindo novas ideias, provenientes da reflexão. Tal é o primeiro passo em qualquer descobrimento que o homem faça no plano do conhecimento, como a base primeira para futuras elaborações da mente. Em relação a este ponto, Locke frisa: “Todos esses pensamentos sublimes que se levantam por cima das nuvens e que chegam até as alturas do mesmo céu, possuem o seu ponto de partida e a sua base naquele fundamento, e em toda essa vasta extensão que a mente percorre ao se entregar a essas apartadas especulações que, ao parecer, tanto a enlevam, a razão não excede nem num ápice o alcance dessas ideias que a sensação e a reflexão lhe ofereceram, como objetos de sua contemplação” [Locke, 1956: 97].

O entendimento, pensa nosso autor, comporta-se passivamente, à maneira de um espelho, na recepção das ideias simples, de tal forma que nem as pode criar à vontade, nem apaga-las, uma vez impressas.

2 – As ideias simples.

Para aprofundar no sentido do nosso conhecimento, Locke considera que é necessário observar o tipo de ideias presentes na nossa mente. Algumas delas são simples e outras complexas.

Apesar de que as qualidades dos objetos que afetam os nossos sentidos estejam nas coisas, a apreensão que temos daquelas é clara e distinta, de forma tal que a nossa mente pode discernir claramente umas de outras. Por exemplo, é tão diferente a ideia que temos da frieza do gelo em relação à sua dureza, como a que temos da brancura do lírio em face do sabor do açúcar, ou em relação ao aroma de uma rosa. As ideias simples são as representações que temos dessas sensações primordiais e constituem as percepções mais claras e distintas que o homem pode ter, porquanto são irredutíveis umas às outras e delas não podemos extrair mais ideias.

As ideias simples chegam à mente só por dois caminhos: a sensação e a reflexão. Uma vez adquiridas tais ideias, o entendimento pode compará-las, uni-las e repeti-las “numa variedade quase infinita”, sem que tenhamos, não obstante, a capacidade para gera-las prescindindo da sensação ou da reflexão. Essa tentativa seria tão falha como se tratássemos de substituir uma partícula de matéria só pela força da nossa imaginação ou de fazer desaparecer um átomo da realidade existente, pela força da nossa vontade. O máximo que podemos fazer é organizar de forma diferente, na mente, a realidade apreendida.

Desse fato, o nosso autor tira a seguinte conclusão: ninguém pode se formar uma ideia das qualidades materiais senão através dos cinco sentidos. Se somente possuíssemos quatro sentidos, as possíveis representações através de um quinto sentido ser-nos-iam absolutamente desconhecidas. O anterior princípio não pode ser invalidado pela hipótese de que Deus pode criar seres com outros sentidos diferentes dos humanos, como tampouco pela suposição de que o ser humano está dotado de mais de cinco sentidos. Locke acolhe-se, neste ponto, à opinião comum alicerçada na experiência.

3 – As ideias provenientes de um só sentido.

A fim de considerar melhor as ideias simples, Locke considera que é conveniente estuda-las em relação aos “diferentes modos pelos quais chegam à nossa mente”. O plano de desenvolvimento deste ponto é o seguinte: “Em primeiro lugar, portanto, há algumas (ideias) que penetram na nossa mente por um só sentido. Em segundo lugar, há outras que entram na mente através de mais de um sentido. Em terceiro lugar, há outras que são obtidas somente pela reflexão e, em quarto lugar, há algumas que abrem passagem e se insinuam à mente por todas as vias da sensação e da reflexão. Considerá-las-emos em separado e em itens diferentes” [Locke, 1956: 100].

Há algumas ideias que penetram na mente através de um único sentido, que está apto especificamente para recebê-las. Tais ideias são as correspondentes à luz e a todas as cores, que penetram só pelos olhos. Além disso, temos todos os tipos de ruídos, de sons e de tons, que se tornam presentes à mente somente pelos ouvidos. De outro lado, temos todos os sabores e odores, que penetram pelo nariz e o paladar. Temos, de outro lado, as sensações de calor, de frio ou de solidez, que “(...) são as mais importantes daquelas que penetram pelo tato” [Locke, 1956: ibid.]. Quanto às demais ideias pertencentes a este último sentido, “(...) que quase consistem totalmente na configuração sensível, como o liso e o áspero, ou bem (que se traduzem) na adesão mais ou menos firme das partes, como são o duro e o suave, o resistente e o frágil”, o autor limita-se a assinalar que são “óbvias o suficiente”.

Locke considera que é praticamente impossível enumerar todas as ideias simples que se referem a cada um dos sentidos. São tão numerosas que não haveria nomes para designá-las. Os termos de que dispomos são limitados em número. Por exemplo, para nos referirmos às ideias simples relacionadas ao olfato, contamos unicamente com os nomes de: fragrância / fedor, enquanto em matéria de fragrâncias há um sem número de matizes, como também no relacionado com os odores ruins. O mesmo pode-se afirmar das ideias relacionadas ao gosto e das pertencentes ao campo das cores e dos sons.

4 – As ideias provenientes de diversos sentidos.

Locke se contenta, aqui, com a enumeração dessas ideias, pois tratará mais adiante deste aspecto. Trata das ideias provenientes de diversos sentidos nos seguintes capítulos: no XIII (“Dos modos simples. E primeiro, dos modos simples de espaço”, pgs. 146-160), no XIV (“Da duração e dos seus modos simples”, pgs. 161-175) e no capítulo XV (“Da duração e da expansão consideradas juntas”, pgs. 176-184).

Nesta síntese, no entanto, não tratarei desses itens, por considerá-los secundários na exposição do pensamento lockeano. A respeito, frisa nosso autor: “As ideias que adquirimos através de mais de um só sentido são as de espaço ou extensão, da forma, do repouso e do movimento. Porque produzem impressões perceptíveis pelos olhos e também pelo tato, de forma que podemos receber e comunicar à nossa mente as ideias de extensão, forma, movimento e repouso dos corpos, tanto vendo quanto tocando” [Locke, 1956: 105].

5 – As ideias provenientes da reflexão.

Segundo Locke, estas ideias provêm da observação, por parte da mente, das suas operações, que versam sobre as ideias que previamente tirou do exterior. Do ponto de vista da experiência, não haveria uma prelação das ideias que o entendimento elabora pela via da sensação sobre as que formata pela via da reflexão. Estas últimas são, para Locke, “(...) tão capazes de serem objeto de (...) contemplação (para o entendimento), como quaisquer daquelas que recebeu de coisas exteriores” [Locke, 1956: 106].

As mais importantes ideias que obtemos pela via da reflexão, pelo fato de corresponderem às duas principais ações da mente, são as relativas à potência de pensar (entendimento) e à potência da volição (vontade). Essas duas potências da mente recebem o nome de faculdades. Em capítulos posteriores Locke analisa alguns dos modos dessas ideias simples conhecidos pela via da reflexão, tais como recordar, discernir, arrazoar, julgar, conhecer, crer, etc. [cf. Locke, 1956: 132-142].

6 – As ideias simples provenientes da sensação e da reflexão.

O autor enumera as ideias simples acerca das quais trata aqui: “Há outras ideias simples que se comunicam à mente por todas as vias da sensação e da reflexão, a saber: o prazer e o deleite e o seu contrário, a dor e a inquietação; o poder, a existência, a unidade” [Locke, 1956: 106].

O deleite e a inquietação, segundo Locke, encontram-se vinculados a todas as sensações, bem como a todas as nossas reflexões. Não há, portanto, nenhuma realidade exterior, nem nenhuma operação da nossa mente que não nos cause prazer ou dor. Porque sempre falamos em satisfação, deleite, prazer, felicidade, etc. e, de outro lado, de inquietação, pena, dor, tormento, angústia, miséria, etc., quando somos conscientes de algo. Tudo quanto se torna presente à nossa mente não nos é indiferente: ou nos agrada, ou nos desagrada. E todos os matizes do prazer e da dor que foram mencionados, e os demais, cabem sob as denominações de prazer e de dor, de deleite ou inquietação. “O infinitamente sábio Criador do nosso ser” – frisa Locke – “deu-nos a capacidade de agir por intermédio dos nossos corpos e das nossas mentes”.

Mas essa capacidade não é cega, pois junto com ela o Criador colocou determinados objetos da sensação e determinadas ideias provenientes da reflexão, uma espécie de percepção do deleite, a fim de que procuremos por aquele objeto deleitável, ou busquemos aquela ideia que nos atrai. Só assim agimos. Pois se isto não acontecesse, ficaríamos sumidos na absoluta indiferença, “num preguiçoso e letárgico sono”, já que não teríamos estímulo para nenhuma ação.

De forma semelhante, a dor foi vinculada pelo Criador “(...) à aproximação de muitas coisas em relação ao nosso corpo, a fim de nos advertir acerca do dano que podem nos produzir e como aviso para que estejamos alertas em face delas” [Locke, 1956: 108]. Além disso, como Ele não se propôs unicamente a conservação do nosso corpo em geral, mas de cada um dos seus órgãos também, anexou a ideia de dor às ideias mesmas que nos causam deleite. Por exemplo: o calor que, num grau moderado é muito agradável e conveniente à nossa saúde, levado ao extremo, torna-se doloroso e prejudicial. Um caso análogo podemos observar em relação à luz para os olhos.

Além disso, frisa Locke, há outra razão que nos explica por que o Criador misturou a ideia de prazer à de dor, a fim de que, percebendo a limitação dos prazeres que Ele nos oferece aqui embaixo, vejamo-nos impulsionados a busca-los naquele “em quem fartura de alegrias há e deleites na tua destra para sempre” [Locke, 1956: 109. O grifo é do autor]. A seguir, frisa que todas essas considerações não devem ser entendidas como se a experiência deixasse de ser a única via para o conhecimento do prazer e da dor. Simplesmente, afirma Locke, “(...) semelhante consideração não deixa de ser pertinente para o propósito principal destas pesquisas, já que o conhecimento e a veneração desse Ser Supremo é o principal fim de todos os nossos pensamentos e a verdadeira finalidade de todo o entendimento” [Locke, 1956: 109].

A existência e a unidade são outras duas ideias que se revelam ao entendimento, tanto pela via da sensação quanto pela da reflexão. Efetivamente, junto com a ideia da morte ou com a certeza das coisas exteriores, somos conscientes de que todas essas realidades estão aí realmente, ou na nossa mente ou fora dela, segundo o caso. Além disso, “(...) tudo quanto podemos considerar como uma só coisa, já seja um ser real, já uma ideia, sugere ao entendimento a ideia de unidade” [Locke, 1956: ibid].

A ideia de poder é adquirida ao observarmos que podemos pensar e movimentar o nosso corpo, assim como percebermos os efeitos que podem produzir entre si os corpos naturais, que apreendemos, continuamente, através dos nossos sentidos. A ideia de sucessão surge, basicamente, no terreno da reflexão, embora também se nos apresente pelos sentidos. No seio da nossa mente, efetivamente, as ideias continuamente vão e vêm, num contínuo fluir.

Locke conclui lembrando que essas são as mais importantes ideias simples e que somente a partir delas é constituído todo o conhecimento humano. O autor volta novamente à experiência para fundamentar o seu arrazoado, no sentido de que assinalemos, a partir daquela, qual é a ideia complexa que não provém, em última instância, das ideias simples, adquiridas pelos caminhos da sensação e da reflexão. Destas, efetivamente, provêm todas as ideias complexas.

Não deveria estranhar, frisa nosso autor, que o conhecimento que atinge tanta altura quanto amplitude parta de um princípio tão simples. Não são, por acaso, infinitas as palavras que se podem construir somente a partir de vinte e quatro letras? E não é, por acaso, infinita, também, a série que pode provir de uma só ideia das mencionadas, o número? “E que dizer do imenso campo que aos matemáticos oferece a ideia de extensão?” [Locke, 1956: 110].

7 – Outros arrazoados acerca das nossas ideias simples.

Tudo quanto na natureza está disposto de tal forma que pode causar uma percepção na nossa mente, através dos sentidos, produz uma ideia simples. A mente humana vai recebendo, de forma indiscriminada, todas as percepções assim produzidas, sem se deter para considerar a causa de onde elas provêm, seja aquela positiva ou negativa. Todas as ideias simples são recebidas como ideias positivas pelo entendimento, embora talvez a sua causa, no objeto exterior, não seja mais do que uma privação para o sujeito. Assim, frisa Locke: “(...) As ideias de calor e de frio, de luz e de escuridão, de branco e de preto, de movimento e de repouso, são ideias igualmente claras e positivas na mente; embora, talvez, algumas das causas que as produzem sejam simples privações, nos sujeitos de onde os nossos sentidos derivam essas ideias” [Locke, 1956: 111].

A razão dessa discriminação por parte do entendimento alicerça-se, segundo Locke, no fato de que a consideração das causas positivas ou negativas refere-se “à natureza da coisa que existe fora de nós”, não sendo da alçada, portanto, do campo das ideias no entendimento, que é o que imediatamente interessa à mente humana. A propósito, escreve: “Estas são duas coisas diferentes que devem ser distinguidas cuidadosamente, já que uma coisa é perceber e conhecer a ideia do branco e do preto, e outra coisa muito diferente é examinar que classe de partículas deveriam ser e como deverão estar dispostas na superfície, para que qualquer objeto apareça como branco ou como preto” [Locke, 1956: ibid.].

Efetivamente, as ideias de branco ou de preto podem ser mais claras para um tintureiro que não saiba nada a respeito da natureza das cores, do que para o filósofo que aprofundou muito nela. Locke não se interessa em aprofundar no aspecto que tange às condições objetivas da privação na natureza. Interessa-lhe, simplesmente, de momento, aquilo que implique uma relação direta com o estudo das ideias.

A fim de contra restar o excesso daqueles que afirmam “que as ideias são exatamente as imagens e semelhanças de algo inerente ao sujeito que as produz” [Locke, 1956: 112], o nosso autor propõe distinguir as ideias em dois aspectos: enquanto “são ideias ou percepções na nossa mente”, e enquanto “são modificações da matéria nos corpos que causam em nós essas percepções” [Locke, 1956: ibid.]. O primeiro aspecto constitui o que o autor entende propriamente por ideia, que é “(...) Tudo aquilo que a mente percebe em si mesma, ou tudo aquilo que é objeto imediato de percepção, de pensamento ou de entendimento” [Locke, 1956: 112-113]. O segundo aspecto olha para as condições objetivas segundo as quais a ideia é obtida e que são chamadas por Locke de qualidades (“do sujeito em que reside esse poder”), que equivalem à “potência para produzir qualquer ideia na mente” [Locke, 1956: 113].

A seguir, Locke centra a atenção no estudo das qualidades. As mais importantes são as denominadas de “qualidades primárias”, que recebem esse nome porque acompanham os corpos em qualquer estado em que se encontrem, e sempre são percebidas quando se dá a sensação. São qualidades que a própria mente considera como inseparáveis de cada partícula de matéria. Essas qualidades são a solidez, a extensão a forma e a mobilidade, e produzem em nós as ideias simples da solidez, da extensão, da forma, do movimento, do repouso e do número. Em segundo lugar, temos as qualidades secundárias, que se caracterizam porque não são realmente objetivas, mas simples potências para produzir diversas sensações em nós, através das qualidades primárias como, por exemplo, as cores, os sons, os gostos, etc. [Locke, 1956: 114]. Locke fala, a seguir, de uma terceira classe de qualidades que poderia ser adicionada, e que “todos admitem não serem mais do que potências”. Contudo, essa terceira classe fica confusa, a meu ver.

A questão que logo a seguir preocupa ao autor é a relacionada à forma em que os corpos produzem ideias em nós. Supondo que não há contato imediato entre os corpos e a mente, é evidente que há algum movimento, nos corpos, que afete os sentidos e que se projete até a sede da sensação – o cérebro –, para produzir na mente as ideias específicas que temos acerca das coisas. O sentido da visão, para Locke, claramente dá testemunho desse movimento, pois nele acontece um deslocamento de corpos “individualmente imperceptíveis” que chegam até os olhos e que comunicam algum movimento ao cérebro, que por sua vez produz as ideias que temos na mente acerca dos objetos percebidos.

Esta explicação é válida, fundamentalmente, para a ação das qualidades primárias sobre os nossos sentidos. Mas também é válida para entender a ação das qualidades secundárias, de tal forma que as diversas percepções das cores explicar-se-iam pela diferença entre movimentos das partículas provenientes dos corpos. Locke considera que não nos deve causar estranheza o fato de que a movimentos diferentes estejam associadas ideias diferentes, já que isso acontece (num campo mais próximo da nossa experiência cotidiana) com o movimento da espada que penetra em nossa carne, à qual está associada a ideia de dor. Se Deus conseguiu unir tal ideia a tal movimento, apesar da sua aparente disparidade, também pode fazer o mesmo no caso da percepção das qualidades secundárias dos corpos.

Devemos ter presente, no entanto, no sentir do nosso autor, a sujeição das qualidades secundárias às primárias. Estas, efetivamente, são a base daquelas e a sua percepção corresponde a qualidades objetivamente existentes nas coisas (como a extensão, a forma, o número e o movimento), enquanto aquelas não existem como tais nas coisas, mas são produzidas por “diferentes movimentos e formas, volume e número” [Locke, 1956: 115] das partículas em movimento. A propósito, frisa: “(...) As ideias das qualidades primárias nos corpos são semelhanças dessas qualidades, e (...) seus modelos realmente existem nos corpos mesmos; mas (...) as ideias produzidas em nós pelas qualidades secundárias em nada se assemelham a elas. Nada há que exista nos corpos mesmos que se assemelhe a essas ideias nossas. Nos corpos que denominamos em conformidade com essas ideias, há somente um poder para produzir em nós essas sensações. E o que na ideia é doce, azul ou quente, não é assim chamado nos corpos, mas [recebe a caracterização de] certo volume, forma e movimento das partes insensíveis dos corpos mesmos” [Locke, 1956: ibid.].

Locke ilustra detalhadamente, com vários exemplos, a diferente natureza das qualidades primárias e das secundárias. Considerando, por exemplo, o caso do fogo, diz que habitualmente chamamos a uma chama de quente e cremos que essa qualidade é, em tal corpo, o mesmo que a ideia que está em nós. No entanto, para ver a diferença entre essa qualidade enquanto ideia e enquanto realmente é algo no corpo em questão, o autor considera que ela varia na medida em que apreendamos mais de perto ou mais de longe o movimento das partículas de matéria do fogo. Conclui a respeito: “O volume, o número, a forma e o movimento particulares das partes do fogo e da neve estão realmente nesses corpos, sejam ou não percebidos pelos sentidos de alguém, e por isso podemos chamá-los de qualidades reais, pois realmente existem nesses corpos. Mas a luz, o calor, a brancura ou a frieza não estão mais realmente nesses corpos do que estão a doença ou a dor no açúcar. Suprimamos a sensação dessas qualidades; façamos com que os olhos não vejam a luz ou as cores, que os ouvidos não escutem os sons; façamos com que o paladar não goste, com que o nariz não cheire, e todas as cores, sabores e sons, enquanto são tais ideias particulares, desaparecem e cessam totalmente para ficarem reduzidos às suas causas, ou seja, ao volume, forma e movimento das partes dos corpos” [Locke, 1956: 116].

Poder-se-ia concluir que as qualidades primárias fundamentam-se numa variável ontológica, enquanto as secundárias encontram apenas o seu fundamento numa entidade relacional, constituída pela localização e o movimento das partículas de matéria em face dos nossos sentidos.

8 – A percepção.

Assim como a percepção é a primeira faculdade da mente porquanto se ocupa das ideias, ela é, também, a primeira ideia simples que obtemos mediante a reflexão. Alguns a denominam de pensar, mas esse nome não parece a Locke muito acertado, porquanto destaca o aspecto dinâmico da mente que, na realidade, não se dá ainda na percepção, na qual a mente é, de modo geral, somente passiva. A respeito frisa nosso autor: “embora (a mente) perceba, não pode menos do que perceber”. A percepção unicamente acontece quando ocorre o processo completo da sensação. Se esse processo permanece no plano da simples impressão externa dos órgãos, sem que o seu movimento chegue até o cérebro e não produza a sensação, não há percepção. Isso acontece, por exemplo, quando concentramos a nossa atenção numa leitura e não prestamos atenção aos ruídos que há ao nosso redor. Estes, certamente, estão sendo produzidos; mas não os percebemos por falta de atenção. Em outros termos, frisa Locke, “(...) sempre que haja sensação ou percepção é porque se tem produzido realmente alguma ideia, que está presente no entendimento” [Locke, 1956: 123]. Ora, isso somente é claro para quem reflita, já que a própria experiência é o único meio para se ter notícia exata do que seja a percepção.

A seguir, o autor trata de dois pontos: em primeiro lugar, se nas crianças acontece a percepção. Em segundo término, em que casos a percepção é modificada pelo juízo. Locke não duvida em reconhecer que as crianças, no ventre materno, possam ter alguma percepção derivada das sensações que o feto sofre, as de calor ou fome, por exemplo. No entanto, não insiste muito em fundamentar esta hipótese, por se tratar de uma matéria que não é fácil de ser examinada. Supondo, pois, que as crianças ainda não nascidas tenham algumas percepções, estas precederiam às percepções ulteriores simplesmente no tempo e não à maneira de princípios inatos, os quais o autor supõe serem “(...) de uma natureza bem diversa, já que não penetram na mente por efeito de alguma alteração acidental no corpo e por alguma operação sobre o mesmo, sendo, por assim dizer, caracteres originários impressos na mente, exatamente a partir do primeiro momento do seu ser e da sua constituição” [Locke, 1956: 124].

Em segundo lugar, Locke considera os casos em que a percepção é modificada pelo juízo: acontece isso quando a sensação é modificada por força de um costume habitual, como, por exemplo, na contemplação de uma esfera que, à primeira vista, aparece como um plano circular diversamente colorido e sombreado, mas cuja forma nós reelaboramos em virtude de experiências anteriores, para formarmos a ideia da convexidade daquela. Isso nos mostra, frisa o autor, o peso e a importância que têm, para a percepção mesma, “(...) a experiência, a educação e as noções adquiridas”. Esse caso não é habitual em relação às nossas ideias, salvo para as recebidas pela visão, a qual, pelo fato de ser o sentido mais amplo, abarca realidades muito diferentes. Efetivamente, esse sentido transmite à mente as ideias de luz e calor e, de outro lado, as de espaço, forma e movimento, que são de uma categoria diferente das primeiras e “cujas diversas variedades mudam a aparência dos objetos que lhes são próprios, ou seja, a luz e as cores” [Locke, 1956: 125], chegando, assim, a nos acostumarmos a tomar umas pelas outras.

Que a mente, pelo juízo, realize essa modificação da percepção sem que o percebamos, é patente para quem tenha presentes dois fatos: de um lado, a rapidez com que se efetivam as operações mentais, as quais são instantâneas em comparação com as ações do corpo (gastamos, de fato, relativamente mais tempo para explicitar em palavras aquilo que a nossa mente captou de forma instantânea, por exemplo, numa demonstração). De outro lado, o fato de que certos hábitos, especialmente os que adquirimos na infância, nos levem a executar ações das que poucas vezes somos conscientes. Por último, o autor destaca, à maneira de conjectura, que a percepção é a que estabelece a diferença entre os animais e os seres inferiores e repete o princípio assentado nos primeiros capítulos, de que a percepção é “(...) o primeiro passo e o degrau em relação ao conhecimento, e a porta de entrada de todos os seus materiais” (grifo do autor) [Locke, 1956: 128].

9 – A retentiva.

Esta consiste na conservação das ideias simples que a mente recebeu por via da sensação e da reflexão. Essa conservação, segundo Locke, efetiva-se de dois modos: em primeiro lugar, “(...) conservando por algum tempo à vista a ideia que foi trazida à mente” [Locke, 1956: 129], recebendo essa operação o nome de contemplação. Em segundo lugar, revivendo “(...) outra vez, na nossa mente, aquelas ideias que, depois de terem ficado impressas, desapareceram ou foram, como se diz, postas de lado e fora da vista” [Locke, 1956: ibid.], constituindo isso a memória. Esta se torna necessária porquanto não podemos ter sempre presentes, na nossa mente, as sucessivas ideias que vamos percebendo; a memória se constitui, então, numa espécie de armazém das nossas ideias.

No entanto, frisa Locke, “(...) como as nossas ideias não são senão percepções efetivadas na mente, deixando de ser algo quando não houver percepção delas” [Locke, 1956: ibid.], esse armazenamento deve ser entendido, não no sentido de uma presença atual de todas as ideias anteriores, mas como uma capacidade da mente para torna-las a desenhar, de tal forma que ela tenha “(...) o poder de reviver percepções já havidas, mas com esta percepção adicional unida a elas, a saber: que as tenha tido antes”[Locke, 1956: ibid.]. Há, destarte, uma dupla percepção no exercício da memória.

Em relação à forma em que se fixam as ideias na memória, Locke considera que isso ocorre por quatro caminhos: a atenção, a repetição, o prazer e a dor. Destacam-se estes dois últimos, porquanto são os que mais diretamente se encontram vinculados à preservação dos nossos corpos de forma tal que, tanto em crianças quanto em velhos, levam à rejeição rápida de tudo aquilo que for nocivo e conduzem a buscar o que é proveitoso, antes de qualquer raciocínio e fixando na memória as ideias correspondentes.

As ideias se apagam na memória por várias causas: a idade, a falta de atenção, algum defeito da mente ou a percepção muito rápida ou superficial das mesmas. No entanto, o autor não pretende aprofundar nessas causas, especialmente naquelas que se relacionam com a saúde. A respeito, frisa: “Até que ponto tudo isto depende da constituição de nossos corpos e da obra dos nossos espíritos animais, e se o temperamento do cérebro explica a diferença de que, em algumas pessoas, retenha os caracteres ali gravados como se fosse em mármore, em outras, como se fosse em pedra calcária e em outras apenas melhor do que na areia, são questões que não me tomarei o trabalho de averiguar aqui, embora parece provável que a constituição do corpo influencia, sim, algumas vezes na memória” [Locke, 1956: 131].

De modo contrário, as ideias que mais permanecem e se fixam melhor na memória são aquelas que amiúde se apresentam à mente e são, fundamentalmente, as qualidades primárias dos corpos (solidez, extensão, forma, movimento e repouso), aquelas que constantemente afetam nossos corpos (calor, frio) e as que constituem afecções de todos os seres (existência, duração, número). O nosso autor assinala, de outro lado, que os dois defeitos principais da memória são o esquecimento e a lentidão. Discute, por último, acerca da memória dos brutos e afirma que esta deve estar presente em alguns animais como, por exemplo, nos pássaros que cantam.

10 – O discernimento e outras operações da mente.

As ideias adquiridas pela mente através da sensação e da reflexão seriam irrelevantes para o conhecimento, se carecêssemos da possibilidade de distingui-las umas das outras. A faculdade de discernir e distinguir entre as várias ideias que a mente tem é considerada, por Locke, como fundamento da evidência e da certeza de várias proposições, inclusive de algumas que possuem um caráter tão geral que gozam do status de verdades inatas. Não se trata, certamente, de que estas existam. O que acontece é que os homens, simplesmente, “(...) não se fixando na verdadeira causa de por que essas proposições recebem assentimento universal, tudo atribuem a impressões uniformes e nativas, quando na verdade tudo depende do fato de essa faculdade da mente discernir, com claridade suficiente, que lhe permita perceber quando duas ideias são as mesmas, ou se são diferentes” [Locke, 1956: 135].

O autor estabelece uma distinção entre os conceitos de “engenho” e “juízo”. O primeiro consiste em “ter à mão as ideias que estão na memória”. Graças a este, as pessoas engenhosas caracterizam-se porque fazem obras ricas em imaginação, mas nas quais – como na metáfora ou na alusão – coexistem ideias e verdades pertencentes a níveis bem diferentes, que agradam à imaginação. O “juízo”, pelo contrário, “é o oposto, porque consiste em separar cuidadosamente umas (representações) das outras, privilegiando aquelas ideias em que se pode achar a menor diferença, a fim de evitar o engano da semelhança, tomando, por afinidade, uma coisa por outra” [Locke, 1956: 136]. Do anterior deduz-se que não devemos avaliar as obras do engenho do ângulo do juízo, e vice-versa. Somente distinguindo, a mente chega a ter ideias claras e determinadas.

Paralela à função de distinguir ideias, a mente possui a de compará-las em relação a vários pontos: a abrangência, os graus, o tempo, o lugar e qualquer outra circunstância. Dessa operação provém toda essa série de ideias que é abarcada sob o termo “relação” [Locke, 1956: 136]. Além das operações mencionadas anteriormente, a mente possui também outra operação relativa às suas ideias: a “composição”. A respeito dela, o nosso autor escreve: “Graças a ela, a mente reúne várias daquelas ideias simples que recebeu pelas vias da sensação e da reflexão, e as combina para formar ideias complexas” [Locke, 1956: 137]. No contexto dessa mesma operação de compor, Locke arrola outra, mais particular, a de “ampliação”, que consiste em que a mente reúne várias ideias da mesma classe (por exemplo, a ideia de dúzia, formada pela soma de várias unidades).

Os animais não são capazes, propriamente, nem de comparar, nem de compor ideias “senão com relação a certas circunstâncias sensíveis relacionadas aos objetos mesmos” [Locke, 1956: ibid.]. Não podem ultrapassar o campo da sensibilidade imediata, estabelecendo alguma generalização.

Quanto ao processo de uso das palavras para comunicar as ideias, Locke considera que quando as crianças, por repetidas sensações, fixaram algumas ideias na sua memória, começam a aprender a usar os signos. O processo fica completo quando as crianças adquirem a habilidade de utilizar os órgãos da fala; então começam a usar palavras, com a finalidade de comunicar a outros as suas ideias. Nesse esforço, valem-se do que ouvem dos outros, repetindo nas suas incipientes significações as palavras aprendidas, ou simplesmente inventando por conta própria nomes “novos e estranhos” para designar as coisas.

A “abstração” ocorre, segundo Locke, no seio do processo de comunicação das ideias pelas palavras. Para poder comunicar as ideias no plano da linguagem, é necessário ter um número determinado de palavras; ora, como a cada coisa particular que percebemos corresponde uma ideia particular, e se a cada uma delas correspondesse um nome diferente, teríamos um número infinito de nomes, com o qual a linguagem tornar-se-ia impossível. Portanto, é necessário que a mente realize uma generalização no terreno das ideias, o que se realiza considerando-as tal como se encontram na mente, ou seja, prescindindo de “toda outra existência” e das condições concretas da vida real. Dessa forma, as ideias que foram percebidas pela mente a partir dos entes particulares, tornam-se representativas de todas as pertencentes a uma mesma essência e os seus nomes, portanto, convertem-se em nomes gerais e podem, então, ser aplicados a todas elas. Essas “precisas e nuas aparências da mente” são constituídas pelo entendimento como padrões para organizar, em diversas classes, as existências reais e para lhes dar, no plano das palavras, nome de acordo aos mesmos.

O nosso autor ilustra da seguinte forma esse processo: “Assim, ao advertirmos hoje no gesso ou na neve a mesma cor que ontem receberam da mente ao perceber o leite, somente consideramos essa aparência, a convertemos em representativa de todas as da sua classe e, tendo lhe dado o nome de brancura, significamos por esse som a mesma qualidade onde quer que possa ser imaginada ou encontrada; e é assim como formamos universais, sejam ideias, sejam os termos que utilizamos para exprimi-las” [Locke, 1956: 139].

Quanto à questão sobre se os animais abstraem, o autor é enfático em negar essa possibilidade, por duas razões: em primeiro lugar, pela sua dependência do meio sensível imediato, que lhes impede realizar qualquer generalização no plano das ideias. Em segundo lugar, porque não notamos, neles, nenhum signo de generalização, no contexto de um processo de comunicação de ideias universais.

Já nos seres humanos as carências fundamentais, no que tange à capacidade de generalização, ficariam por conta dos casos de idiotia e loucura. Locke caracteriza da seguinte forma cada uma dessas falhas: “(...) o defeito dos imbecis parece proceder da carência de prontidão, de atividade e de movimento nas faculdades interiores, de onde resulta que estão privados de razão. Os loucos, pelo contrário, parecem padecer do extremo contrário, porque não vejo que tenham perdido a faculdade de raciocinar, mas que, tendo unido muito fora de propósito algumas ideias, tomam-nas como verdades, e erram como os homens que raciocinam corretamente, mas que partiram de princípios equivocados” [Locke, 1956: 140].

Em relação ao método de exposição seguido até aqui, Locke esclarece que a maioria dos exemplos por ele trazidos na explicação dessas faculdades da mente, relaciona-se com as ideias simples e não com as complexas. O autor justifica isso frisando, em primeiro lugar, que assim há mais possibilidade de entender o processo de cada uma das faculdades, que trabalham na sua origem com as ideias simples, para passar daí a operações mais complexas e, em segundo lugar, lembrando que o fundamento das ideias complexas são as ideias simples, havendo, de outro lado, o perigo de criar obscuridades, se houvesse a mente realizado a sua explicação a partir das ideias complexas, sem antes ter aprofundado nas simples.

O nosso autor faz um novo apelo à experiência, no contexto de uma síntese acerca do que foi anteriormente tratado, com as seguintes palavras: “(...) e é assim como apresentei uma breve e, creio eu, verdadeira história das primeiras origens do conhecimento humano, que mostra de onde a mente tira os seus primeiros objetos e por quais passos progressivos obtém e acumula as suas ideias, das quais se compõe todo o conhecimento de que é capaz. Nesse terreno devo apelar novamente à experiência e à observação, para que fique claro se eu tenho razão ou não. Porque a melhor maneira de se chegar à verdade consiste em examinar as coisas tal e como realmente são, e não concluindo que são como as imaginamos nós mesmos, ou segundo outros nos ensinaram a imaginá-las” (o grifo é do autor) [Locke, 1956: 141].

11 – As ideias complexas.

O processo de recepção das ideias simples ocorre sem que a mente assuma uma atitude ativa: efetivamente, como Locke mostrou nos capítulos anteriores da sua obra, perante as ideias transmitidas pela sensação ou a reflexão, a mente só pode recebê-las e fixa-las no seu seio, “(...) de forma que não pode produzir por si só uma só dessas ideias, nem tampouco pode ter nenhuma ideia que não se estruture inteiramente a partir delas” [Locke, 1956: 143].

Mas é igualmente certo que a mente é ativa em relação à forma como organiza e compõe as ideias simples que recebeu. Os atos da mente pelos quais exerce a sua ação sobre as ideias simples são fundamentalmente estes três: A – combinação, numa ideia composta, de várias ideias simples (dessa forma a mente produz as ideias complexas). B – União de duas ideias, simples ou complexas, “para pô-las uma cerca da outra”, não para reduzi-las a uma, mas para considera-las juntas (assim a mente obtém as ideias de relações). C – Separação de todas as demais ideias que acompanham uma ideia na sua existência real (essa é a abstração, pela qual a mente obtém as ideias gerais).

Isso mostra, frisa Locke, qual é o verdadeiro poder do homem, tanto no plano material quanto no intelectual. Porque em nenhum deles o homem pode criar nem aniquilar nada. A sua ação se reduz a unir, a juntar ou a separar completamente os elementos que encontra. Nas páginas seguintes Locke estuda a primeira operação, deixando para mais adiante a análise das outras duas.

Assim como a mente registra que as ideias simples aparecem unidas em combinações diversas, ela também pode considerar várias ideias unidas como uma única ideia. As ideias constituídas dessa forma são chamadas por Locke de “complexas” (como, por exemplo, a beleza, a gratidão, um homem, um exército, o universo). Essas ideias, “embora compostas de várias ideias simples, ou de ideias complexas formadas a partir de ideias simples” [Locke, 1956: ibid.], podem ser consideradas pela mente “como uma coisa inteira significada por um nome”. Embora as ideias complexas que a mente pode produzir sejam numerosíssimas, Locke considera que elas podem ser agrupadas em três grandes classes: A – Os modos. B – As substâncias e C – As relações.

Os “modos” são definidos pelo pensador como “(...) ideias complexas que, embora compostas, não possuem em si o pressuposto de que subsistam em si mesmas, mas são consideradas como dependências ou afecções das substâncias” [Locke, 1956: 144]. São “modos”, por exemplo, as ideias significadas pelas palavras triângulo, gratidão, assassinato, etc. Há duas classes de “modos”: os “simples”, que “(...) somente são variantes ou combinações diferentes de uma ideia simples, sem mistura de nenhuma outra” (como, por exemplo, uma dúzia, uma vintena, etc.) e os “mistos”, que são “compostos de ideias simples de diversas espécies, que foram unidas para produzir uma única ideia complexa” (como, por exemplo, a beleza, o roubo, etc.).

Quanto às “substâncias”, Locke apresenta a seguinte definição: “(...) São aquelas combinações de ideias simples que (...) representam diferentes coisas particulares que subsistem por si mesmas, nas quais a suposta e confusa ideia de substância, tal como é, aparece sempre como a primeira e principal” [Locke, 1956: 145]. Teremos a ideia de chumbo, por exemplo – frisa Locke - se à ideia básica de substância adiciona-se algumas ideias simples como “de certa cor esbranquiçada fosca, com certos graus de peso, de dureza, de ductilidade e de fusibilidade”. Teremos, de outro lado, a ideia de homem, se à ideia de substância se juntam ideias simples da categoria de certa forma, com as de um ser vivo que pode se movimentar, pensar e arrazoar.

O nosso pensador distingue duas classes de substâncias: as singulares, ou seja, as que se referem a existências separadas, como a ideia de um homem ou uma ovelha. As coletivas, que implicam várias substâncias reunidas, como um exército ou um rebanho de ovelhas. Essas ideias coletivas têm uma unidade que não é inferior à da ideia de um homem ou de uma unidade. Referindo-se à relação, frisa o autor: “(...) A última espécie de ideias complexas é a que chamamos de relação, que consiste na consideração e comparação de uma ideia com outra” (grifo do autor) [Locke, 1956: ibid.].

12 – As ideias complexas das substâncias.

Levando em consideração que a mente é abastecida com ideias simples que em grande número se tornam presentes a ela, tanto pela via da sensação como da reflexão, Locke fixa a atenção numa série de ideias simples que sempre se apresentam juntas. A nossa mente, pressupondo que elas pertencem a uma única coisa, denomina-as com um só nome, pois a função das palavras consiste em tornar fácil o caminho para a comunicação das ideias, se acomodando à apreensão comum. Daí provém o fato, no sentir de Locke, de que, inadvertidamente, nos inclinemos a considerar e a exprimir como uma ideia simples, o que na realidade é um complexo de ideias. Assim, frisa o pensador, “(...) nos acostumamos a supor algum substractum em que [elas] subsistem e de onde provém aquilo que é chamado por nós de substância” (grifo de Locke) [Locke, 1956: 276].

Se averiguarmos pelo sentido último da noção de substância pura em geral, observamos que ficamos com uma mera suposição de algum suporte das qualidades que são capazes de produzir na nossa mente ideias simples. Dessa forma, se perguntarmos a alguém acerca de qual é o sujeito em que estão inerentes qualidades como a cor e o peso, responder-nos-á que são as partes sólidas extensas. E se tornarmos a perguntar qual é o suporte destas, colocaremos o nosso interlocutor numa verdadeira saia justa, sendo ele levado a afirmar que essas qualidades se apoiam na substância. Mas que se trate da substância em si é algo que fica obscuro. Precisamos, de outro lado, assinalar um substrato às qualidades que produzem em nós ideias simples (qualidades que comumente são chamadas de acidentais). Mas, ao mesmo tempo, fica difícil aprofundarmos muito na essência desse substrato. Assim, frisa o filósofo, “(...) a ideia (...) que temos e à qual damos o nome geral de substância, como é apenas um pressuposto (mas desconhecido), que age na qualidade de suporte daquelas qualidades que encontramos existentes e das quais imaginamos que não podem subsistir sine re substante, sem alguma coisa que as sustente, chamamos então esse suporte de substância, a qual, de acordo com o verdadeiro sentido da palavra, significa em idioma claro aquilo que está por baixo, ou aquilo que suporta” (grifo do autor) [Locke, 1956: 276].

Uma vez que a nossa mente tem formado a ideia obscura e relativa de substância em geral, procede a elaborar, também, as ideias de classes particulares de substâncias, reunindo essas combinações de ideias simples “(...) que emanam da constituição particular interna ou da essência desconhecida dessa substância” [Locke, 1956: 277]. Assim formamos, por exemplo, as ideias de um homem, de um cavalo, do ouro, etc. Locke considera que se para essas substâncias alguém tem outra ideia que não seja a da reunião de todas as ideias simples que apareceram juntas e que se juntam em tal ideia complexa, apela para a experiência pessoal. Porque, a partir desta, não aparecem mais elementos. Contudo, é necessário levar em consideração que em nossas ideias complexas de classes particulares de substâncias, a mente junta a ideia vaga de substância pura em geral às ideias simples que se encontram naquelas. Assim se explica o nosso modo de falar das substâncias, quando dizemos, por exemplo, que “(...) o corpo é uma coisa extensa, com formas e capaz de movimento, que o espírito é uma coisa capaz de pensar” (grifos do autor) [Locke, 1956: ibid.]. Locke conclui o seu arrazoado da seguinte forma: “(...) Esses e outros modos semelhantes de falar sugerem que sempre se supõe que a substância é alguma coisa além da extensão, da forma, da solidez, do movimento, do pensamento e de outras ideias observáveis, embora não saibamos o que é que seja” (grifo do autor) [Locke, 1956: ibid.].

O que acaba de ser exposto pode-se observar claramente nas ideias que temos acerca do corpo e do espírito. Como as operações da mente (pensar, raciocinar, temer, etc.) sempre se apresentam como não subsistentes em si mesmas, supomos um substrato no qual elas se fundamentam. Mas como não podemos pensar de que forma elas se alicerçam no corpo, ou de que forma este pode produzi-las, temos a inclinação a concebê-las como procedentes de uma substância diferente daquele, ou seja, o espírito. Mas, de outro lado, como precisamos conceber também um fundamento em que se alicercem as qualidades sensíveis que afetam aos nossos sentidos, supomos uma substância adequada a esse fim: o corpo. Assim, ambas as substancias nos ajudam a explicar a permanência dessas séries de qualidades, “(...) uma, supondo que é (sem que saibamos o que ela seja) o substractum daquelas ideias simples que tomamos do exterior; outra, supondo que é (com igual ignorância acerca do que seja) o substractum daquelas operações que experimentamos dentro de nós mesmos” (grifos do autor) [Locke, 1956: 278].

É fácil entender assim, pensa Locke, por que a ideia de uma substância corpórea está tão afastada da nossa experiência, como a de uma substância espiritual. Isto leva o autor a concluir que não podemos duvidar da existência do espírito, porque também precisaríamos proceder da mesma forma em relação ao corpo, “(...) pois é tão razoável afirmar que não há corpo porque não temos nenhuma ideia clara e distinta da substância da matéria, como dizer que não há espírito, posto que não temos nenhuma ideia clara e distinta da substância de um espírito” [Locke, 1956: ibid.].

À luz do exposto anteriormente pode-se entender, de forma clara, o processo de comunicação através das palavras. Como a cada uma das substâncias que a nossa mente concebe lhe é atribuído um nome aplicável à totalidade das ideias simples abarcadas sob tal ideia complexa, sempre que o nosso interlocutor ouve o nome de tal substância, imediatamente o relaciona com o conjunto das ideias simples em questão e compreende o que lhe dizemos. Isso acontece em virtude de que “(...) qualquer (...) que seja a secreta e abstrata natureza da substância em geral, todas as ideias que temos acerca das diferentes e particulares classes de substâncias, não são senão diversas combinações de ideias simples, que coexistem numa união que, embora desconhecida, faz com que tudo subsista por si mesmo” [Locke, 1956: ibid.].

Anotemos, no texto que acaba de ser citado, de que forma o autor relaciona a ideia complexa com a ideia geral de substância [cf. Locke, 1956: 279-281]. Nossas ideias complexas acerca das substâncias corporais são formadas por três classes de ideias. Primeiro, pelas ideias das qualidades primárias das coisas (volume, forma, número situação e movimento de suas partes) que apreendemos pelos sentidos e que, sempre, estão nelas embora não as levemos em consideração. Segundo, as qualidades secundárias sensíveis, que dependem das primárias e que produzem na nossa mente diversas ideias, através dos sentidos. Terceiro, a capacidade que concebemos, em qualquer substância, para produzir ou para sofrer alterações que nos façam mudar a ideia que tínhamos de tal substância (isso é o que Locke chama de potência ativa ou potência passiva), duas potências que somente se manifestam em ideias sensíveis simples [Locke, 1956: 282-285].

O autor aprofunda, novamente, na formação das ideias das substâncias espirituais e materiais. A ideia da substância espiritual é obtida pela reflexão sobre as operações da nossa mente, de forma tal que “(...) juntando as ideias de pensar, de perceber, de liberdade e de potência de se movimentar e de mover outras coisas, atingimos uma noção tão clara das ideias imateriais, como a que temos de substâncias materiais” [Locke, 1956: 286].

A ideia destas últimas, por sua vez, é obtida ao juntar as ideias de partes sólidas e coerentes e a da potência de algo ser movido, unidas à substância, da qual certamente não temos uma ideia positiva. Tanto a ideia da substância espiritual, como a segunda, são claras e distintas, porquanto “(...) as ideias de pensar e de mover um corpo são ideias tão claras e distintas como as ideias de extensão, de solidez, e de ser movido” [Locke, 1956: ibid.]. Só a falta de reflexão nos conduz a afirmar que existem substâncias materiais, quando temos visto, suficientemente, como, a qualquer sensação de qualidades exteriores corresponde um ato reflexivo da nossa mente. Na sensação, se a considerarmos devidamente, “(...) [a experiência] oferece-nos uma visão igual de ambas as partes da natureza: a corpórea e a espiritual” [Locke, 1956: ibid.].

As ideias primárias do corpo são a coesão das partes e o impulso [cf. Locke, 1956: 286-293]. As ideias primárias do espírito são o pensamento e a vontade (ou “potência de pôr o corpo em movimento pelo pensamento”), bem como a liberdade, que é considerada por Locke como consequência dessa potência. De outro lado, as ideias de existência, duração e mobilidade são comuns tanto ao corpo quanto ao espírito.

O caminho para nos convencermos de que há substâncias sólidas externas e substâncias pensantes é-nos franqueado pela sensação e pela reflexão. Nas páginas anteriores vimos como a mente vai tomando conhecimento da existência de umas e outras. A respeito desse ponto, frisa Locke: “(...) Disto não podemos duvidar: a experiência, repito, fornece-nos, a cada momento, ideias claras tanto de uma quanto de outra substância” [Locke, 1956: 294]. No entanto, se pretendermos aprofundar na natureza de cada uma delas, a nossa mente perde terreno. Pois tanto a natureza do corpo quanto do espírito permanece, para nós, igualmente desconhecida. Esse fato leva Locke a formular a seguinte conclusão, bem característica, aliás, do seu empirismo: “(...) De onde concluo que, provavelmente, os limites dos nossos pensamentos são as ideias simples, que percebemos pela via da sensação e da reflexão. Limites para além dos quais a mente, embora envide muitos esforços, não pode avançar nem um ponto. Nem tampouco pode descobrir quando tenta esmiuçar a natureza e as causas ocultas dessas ideias” [Locke, 1956: ibid.].

Mesmo a ideia que temos de Deus não escapa a esses princípios. Efetivamente, tanto esta ideia, quanto a que nos formamos acerca dos espíritos separados são constituídas por ideias simples que recebemos da reflexão. É assim como, uma vez temos adquirido pela reflexão as ideias de existência e duração, de conhecimento, de potência, de prazer, de felicidade e de outras diferentes qualidades cuja posse constitui uma perfeição, no momento em que queremos formar-nos a ideia de Deus, “(...) ampliamos cada uma daquelas ideias com a ideia da infinitude. De forma que, reunindo-as, forjamos a nossa ideia complexa de Deus. Pois que a mente tenha semelhante potência para ampliar algumas das suas ideias recebidas da sensação ou da reflexão, é algo que já demonstramos” [Locke, 1956: 296].

Disso resulta a ideia de Deus, que de forma nenhuma é a expressão da sua verdadeira essência, que “(...) é simples e sem composição alguma”, mas “(...) a ideia complexa de existência, conhecimento, potência, felicidade, etc., infinitas e eternas” [Locke, 1956: 297], ideias que são diferentes e até compostas de outras delas, na medida em que são relativas. Mas é necessário destacar, diz Locke, que todas essas ideias, constitutivas da ideia complexa de Deus, “(...) são adquiridas por nós, originariamente, da sensação e da reflexão e (...), no seu conjunto, formam a ideia ou noção que temos acerca de Deus” [Locke, 1956: ibid.].

13 – As ideias coletivas de substâncias.

Além das ideias complexas que a mente possui, formadas a partir da união de ideias simples, também estão presentes nela as ideias complexas coletivas, que são chamadas assim porque “(...) são formadas por muitas substâncias particulares consideradas, em conjunto, como unidas numa só ideia e, (...) assim reunidas, aparecem como uma” [Locke, 1956: 299].

Tal é, por exemplo, a ideia de exército, ou “a grande ideia coletiva de todos os corpos que é designada com o nome de mundo”. Cada uma dessas ideias é só uma, pois para que haja uma ideia basta com que seja considerada como uma só representação, embora tenha sido formada por um número diverso de ideias particulares. Locke destaca, claramente, a capacidade que a mente possui para formar esse tipo de ideias complexas, “(...) em virtude da potência que tem de compor e reunir diversamente, para formar uma só ideia, do mesmo modo que, por essa faculdade, a mante forja as ideias complexas das substâncias particulares, que consistem num agregado de diversas ideias simples, unidas numa substância” [Locke, 1956: 300].

Nessa classe das ideias coletivas, frisa Locke, devemos agrupar a maior parte das ideias que exprimem coisas artificiais ou, pelo menos, aquelas ideias que são compostas de substâncias diferentes. A ideia de universo é uma das que mais claro põem de manifesto a amplitude e a heterogeneidade que pode abarcar uma ideia complexa.

14 – A relação.

Nosso entendimento possui a capacidade não só de receber ideias – simples ou complexas - das coisas em si mesmas, mas também pode ter outras ideias, que recebe da comparação que estabelece entre as coisas. Em outros termos, o entendimento não está circunscrito ao limite de uma ideia, mas pode ultrapassá-lo olhando para além dela, a fim de ver a relação que possui em face de outra. Trata-se, portanto, de uma relação ou de uma perspectividade, quando a mente considera uma coisa de tal modo que “a traz para coloca-la junto de outra, e olha para uma e para outra” [Locke, 1956: 301].

As denominações conferidas às coisas positivas que fazem referência e que fundamentam esta perspectividade chamam-se relativas; e às coisas que foram referidas chamamos de relacionadas. O autor ilustra isto com o seguinte exemplo: “(...) Quando atribuo a Cains o nome de marido, faço alusão a outra pessoa, (...) o meu pensamento vê-se conduzido em direção a algo que está além de Cains e, desse modo, são duas as coisas abarcadas pela minha consideração. E posto que qualquer ideia, seja simples ou complexa, pode ser motivo para que a mente reúna desse modo as duas coisas, e, como quem diz, as olha em conjunto, embora as continue considerando como diferentes, por isso qualquer uma das nossas ideias pode servir de fundamento para uma relação. No exemplo acima mencionado, o contrato e a cerimônia de casamento com Semprônia é motivo e fundamento da denominação ou da relação de marido” [Locke, 1956: 301-302].

É necessário levar em consideração, diz Locke, que as ideias de relação podem ser as mesmas para pessoas que possuem diferentes ideias acerca das coisas relacionadas (por exemplo, pode ser muito diversa a ideia que se tenha de homem, por parte de um grupo de homens; no entanto, todos eles coincidem com a noção de pai, que é uma ideia adicionada à substância, porquanto se refere unicamente a um ato exercido pelo homem, não à totalidade da sua substância). De outro lado, Locke anota que se pode dar uma mudança na relação, sem que o sujeito seja afetado: (Cains deixa de ser pai com a morte do seu filho, e continua permanecendo em si o mesmo). Ademais, o autor adverte que não pode se dar relação senão entre duas coisas, e que todas as coisas, pelo contrário, são capazes de relação. Destaca que as ideias das relações são amiúde mais claras que as dos sujeitos relacionados. O exemplo anotado no início deste parágrafo indica isso claramente. Por último, lembra que todas as relações, se as considerarmos até nos seus fundamentos, terminam em ideias simples que, como foi visto, provêm sempre da sensação ou da reflexão.

15 – Causa e efeito e outras relações.

Obtemos a ideia de causa e efeito, frisa Locke, quando advertimos, pelos nossos sentidos, as constantes vicissitudes das coisas, nas quais começam a existir não só qualidades, mas também substâncias particulares, em decorrência de uma correspondente aplicação e ação de outro ser. Assim, “(...) Aquilo que produz qualquer ideia simples ou complexa denominamos com o nome geral de causa; e aquilo que é produzido, com o nome de efeito” [Locke, 1956: 306].

Quando, por exemplo, ao advertir numa substância como a cera, que se produz uma ideia simples que antes não aparecia, como a fluidez, a partir da aproximação de um grau determinado de calor, chamamos essa última ideia simples (o calor) com relação à fluidez da cera, de causa desta última; e a fluidez é tida como o efeito.

Uma vez descobertas, do modo já anotado, as noções de causa e efeito, a mente distingue, facilmente, em duas classes, as diferentes origens das coisas: primeiro, a criação, que se dá “quando a coisa foi feita completamente nova, de modo que nenhuma parte dela existia antes” [Locke, 1956: 307]; segundo, a geração, fazer, ou alteração, “quando uma coisa está composta de partículas que existiam todas antes, mesmo quando a coisa mesma assim formada de partes preexistentes (...) não tivesse existido com anterioridade” [Locke, 1956: ibid. Grifos do autor]. Acontece a geração quando o efeito é produzido de acordo ao curso natural das coisas “(...) em virtude de um princípio interno ativado por algum agente exterior ou por alguma causa, de onde recebe a sua forma pelas vias não sensíveis e que não percebemos” [Locke, 1956, ibid. Grifos do autor]. Acontece o fazer se a causa é de origem externa e se o efeito é produzido “(...) por obra de uma separação sensível, ou justaposição de partes discerníveis”. Temos a alteração, quando o efeito é qualquer ideia simples que não se encontrava antes no sujeito [Locke, 1956: 307-308. Grifo do autor].

16 - Identidade e diversidade.

Outra oportunidade para comparar, frisa Locke, aparece quando a mente relaciona uma coisa “como existente num tempo e lugar determinados” com ela mesma, “enquanto existente em outro tempo”. A partir daí formamos as ideias de identidade e de diversidade. As primeiras consistem, efetivamente, “(...) em que as ideias que atribuímos (às coisas) não mudam em nada com relação àquilo que eram no momento em que consideramos a sua existência prévia, e com as quais comparamos a (coisa) presente” [Locke, 1956: 311. Grifos do autor]. Isto acontece em decorrência do fato de que nunca podemos pensar como possível que duas coisas pertencentes à mesma espécie existam em lugar e tempo idênticos e que, portanto, uma coisa que exista num lugar qualquer e em qualquer tempo, exclui todas as demais de sua espécie e está “ali ela mesma sozinha”.

Por tal razão, frisa Locke, quando perguntamos se alguma coisa é a mesma, fazemos referência a algo que existiu num lugar e num tempo determinados e que, no instante em que perguntamos, era a mesma coisa e não outra diversa. Disto segue-se que é impossível que uma coisa tenha dois começos e que duas coisas tenham um único começo, já que é impossível que duas coisas diferentes existam no mesmo tempo e lugar, ou que uma coisa ocupe, ao mesmo tempo, lugares diferentes. Por tal razão conclui o autor: “(...) aquilo que teve um começo é a mesma coisa e aquilo que teve, em tempo e lugar, um começo diferente daquilo, não é o mesmo, mas diverso”.

As dificuldades encontradas no terreno filosófico em relação a precisar a ideia de identidade devem-se, frisa Locke, ao pouco cuidado e à falta de atenção para adquirirmos noções claras e precisas das coisas às quais se atribui a noção de identidade. Somente temos ideias de identidade acerca de três classes de substâncias: Deus, as inteligências finitas e os corpos. A identidade de Deus é patente e não pode haver dúvidas acerca dela, porquanto Ele é sem começo, eterno, inalterável e está em todas partes. Quanto aos espíritos finitos, cada um teve um lugar e um tempo determinados em que começou a existir, e a relação a esse tempo e lugar determinará sempre a sua identidade, enquanto existir. Isso vale também para cada partícula de matéria, a qual é a mesma, enquanto não seja “(...) aumentada nem diminuída pela adição ou pela subtração de matéria”. Quanto às demais coisas, que são modos ou relações que terminam nas substâncias, “(...) a identidade e a diversidade das suas existências particulares serão determinadas também da mesma forma” [Locke, 1956: 312]. Em relação às coisas cuja existência acontece sucessivamente, não há nenhuma dificuldade para determinar a sua identidade, posto que “(...) como cada um aparece no momento em que começa, não podem existir em tempos diferentes ou em lugares diferentes”, (como acontece, por exemplo, no movimento ou no pensamento).

O autor analisa, a seguir, de que maneira funciona, nos seres materiais, nos vegetais, nos animais e no homem, o princípio de identidade ou de individuação (que ele denomina, em latim, de principium individuationis). A propósito, frisa: “(...) do exposto fica claro que o principium individuationis consiste, evidentemente, na existência mesma que determina um ser, de qualquer classe que for, no que diz relação a um tempo particular, a um lugar incomunicável e a dois seres da mesma espécie” [Locke, 1956: ibid. Grifos do autor].

Quanto ao funcionamento do principium individuationis nos seres materiais, Locke explica como acontece em relação ao átomo (entendido como “um corpo continuado dentro de superfícies imutáveis, que existe num tempo e num lugar determinados”) [Locke, 1956: 313]: é evidente, frisa, que considerado em qualquer momento de sua existência é, no instante em que o considerarmos, o mesmo consigo próprio, “(...) porque, sendo o que é, nesse instante, e não outra coisa, é o mesmo e assim terá de continuar sendo enquanto a sua existência durar, pois durante esse tempo, será o mesmo e não outro” [Locke, 1956: ibid.].

De modo semelhante, no caso em que dois ou mais átomos se unirem na mesma coisa, cada um deles será o mesmo, em virtude da regra que acaba de ser estabelecida; e durante o tempo em que existirem unidos, a massa resultante desses mesmos átomos deve ser, necessariamente, a mesma massa ou o mesmo corpo, não importando a forma em que as suas partes estejam unidas. Mas se se subtrair um daqueles átomos, ou se se adicionar um a mais, não teremos já a mesma massa ou o mesmo corpo.

A identidade nos vegetais não vai pelo mesmo caminho percorrido pela identidade nos seres puramente materiais, porquanto naqueles já encontramos um princípio novo ao redor do qual a sua unidade se estrutura, ou seja, a vida. De forma tal que “(...) o que constitui a unidade da planta (é) essa organização de suas partes num corpo coerente que participa de uma vida comum, (uma planta), portanto, continua sendo a mesma enquanto continuar a participar da mesma vida, embora essa vida seja comunicada a novas partículas de matéria, unidas vitalmente à planta viva, em virtude de uma organização semelhante continuada, que é conveniente a essa espécie de planta” [Locke, 1956: 313-314].

A identidade nos animais acontece de forma semelhante. É interessante destacar o paralelismo que Locke estabelece entre os animais e as máquinas, a propósito da identidade de uns e outras: se levarmos em consideração que uma máquina “é uma organização ou construção de partes dispostas adequadamente para um certo fim, capaz de ser realizado quando se recebe o impulso de uma força suficiente” [Locke, 1956: 314], e se supormos que a máquina “é um corpo contínuo” cujas partes, que foram submetidas a uma organização, podem ser reparadas e aumentam ou diminuem em número “por uma constante adição de partes não sensíveis, numa vida comum”, veremos uma semelhança muito grande com o corpo de um animal, com a única diferença de que neste a estrutura organizada e o movimento – que é aquilo em que consiste a vida – começam simultaneamente, já que o movimento procede do interior, enquanto que nas máquinas geralmente falta este, em virtude de que a força provém do exterior.

Quanto à identidade no homem, Locke deixa claro que não há uma diferença muito grande com os animais, já que a mesma não consiste senão “(...) na participação da mesma vida, continuada por partículas de matéria constantemente fugazes, mas que, nessa sucessão, estão vitalmente unidas ao mesmo corpo organizado” [Locke, 1956: ibid.].

Quem pretender explicar a identidade humana por força de um princípio diferente da identidade dos animais, ou seja, em virtude de ser “um corpo adequadamente organizado num instante qualquer”, terá de fazer frente a dificuldades insolúveis. A maior de todas, consistente na hipótese de que o princípio de identidade do homem é a alma, conduziria à afirmação de que seria possível a um mesmo espírito individual estar unido a corpos diferentes, tendo portanto de aceitar ideias tão absurdas como a da transmigração das almas. Essa equivocada interpretação do princípio de identidade corresponde a um modo de falar “(...) que terá de ser atribuído a um muito estranho uso da palavra homem, ao aplica-la a uma ideia da qual se excluem o corpo e a forma” [Locke, 1956: 315].

Levando em consideração que, tanto no homem quanto no animal (e nas plantas), se dá uma unidade específica, que corresponde ao que entendemos por animal e por homem e que abarca, ao mesmo tempo, diferentes elementos ou substâncias materiais que entram a formar parte da vida animal ou humana, Locke conclui que “(...) Não é, portanto, a unidade da substância aquilo que compreende toda classe de identidade, nem o que a determina em cada caso, mas, para concebê-la e julgar bem acerca dela, é necessário considerar que ideia é significada pela palavra à qual se aplica; porque uma coisa é ser a mesma substância, outra coisa é ser o mesmo homem, e outra coisa ser a mesma pessoa, se é que pessoa, homem e substância são três nomes que significam três ideias diferentes, posto que, segundo for a ideia pertencente ao homem, assim terá de ser a sua identidade” [Locke, 1956: 315].

No texto que acaba de ser citado, Locke introduz um novo ponto: a identidade do homem é “outra coisa” que a identidade da pessoa. É na análise desta distinção onde o autor mais aprofunda na sua antropologia. O método da exposição lockeana é o seguinte: em primeiro lugar, classifica as ideias complexas, explicitando quais são as ideias simples subjacentes a elas. Isso faz Locke em relação às ideias de substância, homem e pessoa para, a seguir, falar das relações entre essas ideias complexas. O método de Locke insiste na volta à experiência sensível, base do seu empirismo.

Comecemos com a ideia de pessoa. É claro que, para o autor, a pessoa reside na consciência de si próprio e que ela permanece na medida em que existir essa consciência. Locke define com as seguintes palavras o que ele entende por pessoa: “(...) É, parece-me, um ser pensante, inteligente, dotado de razão e de reflexão e que pode se considerar a si próprio como o mesmo, como uma coisa pensante em diferentes tempos e lugares; o que somente faz em virtude do seu ter consciência, que é algo inseparável do pensamento e que, parece-me, lhe é essencial, já que é impossível que alguém perceba sem perceber que recebe (...). Porque, como ter consciência sempre acompanha ao pensamento, e isso é o que faz com que cada um seja o que chama de si mesmo, e deste modo se distingue a si próprio de todas as demais coisas pensantes, nisso somente consiste a identidade pessoal, quer dizer, a mesmidade de um ser racional. E até o ponto em que esse ter consciência possa se estender para trás, a fim de compreender qualquer ação ou qualquer pensamento passados, até esse ponto atinge a identidade dessa pessoa: é o mesmo si mesmo agora que era então; e essa ação passada foi executada pelo mesmo si mesmo, que é o si mesmo que reflete agora sobre ela [a identidade] no presente” [Locke, 1956: 318. Grifos do autor].

Para Locke fica claro que a identidade pessoal reside em ter consciência. Em outras palavras, poderíamos dizer que a análise da ideia de pessoa, referida ao que apreendemos na experiência de nossa própria reflexão, não oferece maior dificuldade para ser entendida. As dificuldades começam a surgir, a meu ver, quando passamos do terreno da análise das ideias obtidas pela reflexão, ao da natureza da substância, que fundamentaria esse ser consciente de si mesmo, essencial à pessoa. É importante, aqui, lembrar o afirmado por Locke atrás, em relação à escuridão que implica todo aprofundamento em torno à natureza da substância. Nesse terreno, segundo Locke, pisamos em terreno movediço. Aqui a posição de Locke é quase cética, dando a entender que não tem maior interesse em questões desse tipo. Alicerço a minha interpretação nas respostas que o autor dá às questões que formula, uma vez definida a sua ideia de pessoa.

Efetivamente, quando Locke pergunta se a identidade pessoal subsiste na mudança das substâncias pensantes, responde da seguinte forma: “[supondo que somente pensam as coisas imateriais] (...) eu digo que isso não pode ser resolvido senão por parte daqueles que saibam que classe de substâncias são as que efetivamente pensam, e se o ter consciência das ações passadas pode ser transferido de uma substância pensante para outra substância pensante (...) como [ter a mesma consciência de algo] não é senão uma representação presente de um ato passado, falta provar por que não há de ser possível que aquilo que realmente nunca foi, possa ser representado à mente como tendo sido. E, portanto, será difícil que determinemos até onde o ter consciência das ações passadas vai adscrito a algum agente individual, de maneira que seja impossível tê-la a outro, até que saibamos que classe de ação é aquela que não pode ser feita sem que a acompanhe um ato reflexo da percepção, e que saibamos como se produzem essa classe de ações por substâncias pensantes, que não podem pensar sem ter consciência disso. Mas como o que chamamos ter a mesma consciência de algo não é o ato individual mesmo, vai ser muito difícil concluir, da natureza das coisas, por que motivo não se pode representar uma substância intelectual, como se fosse feito por ela, algo que não tivesse feito, mas que talvez tivesse sido feito por algum outro agente” [Locke, 1956: 320-321].

Locke encerra esta questão “remetendo-nos à bondade de Deus”, que não permitirá que isso aconteça, em virtude de que diz estreita relação à felicidade ou à desgraça dos homens, e afirmando que o assunto ficaria obscuro, “até que conhecêssemos, com maior claridade, a natureza das substâncias pensantes” [Locke, 1956: 321]. Mais adiante, ao destacar que o ter consciência é o que determina que uma pessoa seja a mesma, frisa: “(...) Se, por exemplo, eu tivesse a mesma consciência de ter visto a arca e o dilúvio de Noé, como a que tenho de ter presenciado uma inundação do rio Tâmisa acontecida no inverno passado, (...) não poderia pôr mais em dúvida que eu (...) sou o mesmo si mesmo, coloque-se esse si mesmo na substância que se quiser (...). Porque, efetivamente, no que tange a esse assunto de ser o mesmo si mesmo, é indiferente que esse presente si mesmo seja formado pela mesma ou por outras substâncias” [Locke, 1956: 324. Grifos do autor].

Além disso, ao explicitar o que entende pelo “si mesmo”, o filósofo volta a deixar em segundo plano a questão da substância. A respeito, o nosso autor frisa: “(...) O si mesmo é essa coisa pensante e consciente (sem que interesse de que substância esteja formada, já seja espiritual, material, simples ou composta), que é sensível ou consciente do prazer ou da dor, que é capaz de felicidade ou desgraça e que, portanto, preocupa-se consigo mesma até os limites atingidos por esse seu ter consciência” [Locke, 1956: 325. Grifo do autor].

Finalmente, Locke relega ao terreno do “mais provável” a afirmação de que uma substância individual imaterial seja o fundamento da consciência. Frisa a respeito: “(...) Concedo que a opinião mais provável é que este ter consciência é alheio e constitui uma afecção de uma substância individual imaterial” [Locke, 1956: 329]. Tudo isso corrobora o que Locke tinha afirmado anteriormente, que o único verdadeiramente claro para a mente são as ideias simples provenientes da sensação e da reflexão, e que a ideia de substância permanece, sempre, na penumbra daquilo que não é evidente ao conhecimento humano.

Consideremos, agora, a diferença que há, para o autor, entre a identidade do homem e a da pessoa. Como vimos anteriormente, a identidade do homem abarca “a participação da mesma vida, continuada por partículas de matéria constantemente fugazes, mas que, nessa sucessão, estão vitalmente unidas ao mesmo corpo organizado” [Locke, 1956: 314]. É claro que, para Locke, “o corpo também entra na formação de um homem” [Locke, 1956: 323]. A ideia de homem está ligada à aparência [cf. Locke, 1956: 323-324]. A identidade da pessoa, diferentemente, unicamente faz referência à consciência de ser de si mesmo, sem estabelecer uma vinculação necessária com tal ou qual substância. O homem, enquanto substância viva, é idêntico na assimilação ou na perda de outras substanciais materiais. A pessoa aparece num campo diferente: acontece como consciência, não importa a substância ou as substâncias em que se manifeste. Uma e outra ideias, a meu modo de ver, fazem referência a ideias simples diferentes. A pessoa remete-se à ideia simples da unidade de sensação do mesmo corpo.

Destaquemos o caráter peculiar da ideia de pessoa, para John Locke. Segundo ele, a palavra pessoa é um termo forense. “(...) Tomo a palavra pessoa como o nome para designar o si mesmo. Onde quer que um homem encontre aquilo que ele chama de o seu mesmo, outro pode dizer que se trata da mesma pessoa. É um termo forense que imputa as ações e o seu mérito; pertence, pois, tão só aos agentes inteligentes que sejam capazes de uma lei e de ser felizes e infelizes. Esta personalidade não se estende, ela própria, para além da existência presente em direção ao passado, senão pelo seu ter consciência (...). Tudo o qual está fundado em um curar-se pela felicidade, o concomitante inevitável do ter consciência já que aquilo que é consciente do prazer e da dor deseja que esse si mesmo, que é consciente, seja feliz” [Locke, 1956: 331. Grifos do autor].

Destaquemos que, para Locke, a procura da felicidade é um “concomitante inevitável” da consciência. A problemática da liberdade, ligada, a meu ver, indissoluvelmente à da felicidade, é, assim, para o empirismo lockeano, uma problemática puramente cognoscitiva. E fica na penumbra, em última análise, “aquilo que é consciente do prazer e da dor e que deseja” a felicidade: de novo nos encontramos projetados, por força do arrazoado de Locke, naquele mundo que ele conscientemente deixou na escuridão: o mundo da substância em si, que fundamenta as funções do ter consciência e do querer. Mundo ontológico alheio às pretensões do filósofo inglês. As suas palavras põem de relevo essa escuridão: “Inclino-me a pensar que, ao tratar sobre este assunto, fiz algumas suposições que parecerão estranhas a alguns leitores e, possivelmente, sim o sejam em si mesmas. No entanto, acredito que devem ser escusadas em vista da ignorância em que nos encontramos acerca da natureza dessa coisa pensante que está dentro de nós, e que contemplamos como nosso si mesmo” [Locke, 1956: ibid. Grifos do autor].

Conclusão

Destaquemos que um aspecto essencial ao pensamento lockeano é constituído pela sua teoria acerca dos fundamentos da certeza. O conhecimento constitui uma percepção de conveniência ou discordância entre as ideias, e se exprime através dos juízos. Isso não é outra coisa que a percepção de vínculos que, segundo Locke, podem ser de três classes: de identidade, de relação ou de coexistência. Além disso, há uma quarta classe de conveniência, que se refere não às relações possíveis entre as mesmas ideias, mas à correspondência que uma ideia pode ter com a realidade exterior.

Essa dinâmica interna do conhecimento que se completa no juízo e que pressupõe, do ângulo do sujeito, alguns mecanismos que possibilitam a percepção de nexos entre as ideias, teve influência na dedução transcendental das Categorias por Kant (1724-1804) na Crítica da Razão Pura. É, a meu modo de ver, a herança cartesiana de Locke. Claro que no filósofo alemão está presente a Perspectiva Transcendental, segundo a qual não temos acesso à coisa em si ou substância, enquanto em Locke ainda está pressuposta, como pano de fundo, a Perspectiva Realista ou Transcendente, que o leva a postular a ideia de substância, em que pese a dificuldade que o pensador inglês tinha para enquadrar tal conceito nos rigores de uma abordagem nitidamente empirista.

Dessas dificuldades dará conta David Hume. Mas, certamente, a pressuposição de que há, de parte do sujeito, alguns mecanismos que, presentes nele e não provenientes da experiência exterior, lhe permitem organizar os dados da experiência externa na atividade de julgar, é uma herança que Kant encontrou em Locke.

Para Locke é claro que a percepção da existência é irredutível à percepção de uma relação entre duas ideias, devido a que a existência não é uma ideia que diga relação a alguma qualidade determinada; é, mais especificamente, a base dos juízos “ontológicos”. De outro lado, se tratando da existência das coisas, há várias espécies de certezas. Uma é a certeza intuitiva que provém da reflexão do homem acerca da sua própria existência. A segunda espécie é a certeza demonstrativa da existência de Deus. A terceira é a que se refere a uma certeza que Locke denomina de “sensação” e que diz relação aos corpos exteriores ao homem.

A dualidade dos juízos que separam, de um lado, as relações que se podem dar entre as próprias ideias e, de outro, as que dizem relação à existência real daqueles objetos que correspondem às ideias, é encontrada também no relacionado ao problema da verdade e da sua contraparte, a falsidade. Há, efetivamente, duas categorias de juízos falsos. A primeira é constituída por aqueles juízos nos quais a relação expressada pela linguagem não corresponde à relação percebida intuitivamente entre as ideias. A segunda caracteriza-se porque, nela, o erro não consiste em perceber mal uma relação, mas em percebê-la entre ideias que não correspondem a nenhuma realidade.

Locke destaca que se deduzem dois tipos de disciplinas científicas, a partir da distinção entre os dois tipos de verdade. O primeiro é constituído pelas matemáticas e pelas ciências morais. Nestas, todo o conhecimento deve ser absolutamente certo porque o seu conteúdo são ideias produzidas pela própria mente humana. Aqui radica, ao nosso entender, a fundamentação epistemológico-antropológica da filosofia política liberal segundo Locke, para quem os princípios de organização da sociedade (os direitos inalienáveis do indivíduo à vida, à liberdade e às posses) são absolutamente certos e fundados na própria natureza do indivíduo, de tal forma que são válidos ainda antes da sua entrada em sociedade. A teoria lockeana do governo limitado e responsável alicerçava-se nos inalienáveis direitos naturais [cf. Gomes, 2002: 348]. A certeza dos princípios morais, nos quais se fundamentam os princípios políticos, é tão segura como a de um teorema matemático. Kant deu prosseguimento, na sua ética, a esse filão aberto por Locke.

O segundo tipo de disciplinas científicas é o das ciências experimentais, que integram, assim, um campo de conhecimento no qual a certeza das ciências ideais (matemáticas e morais) não se dá. No caso das ciências experimentais, a certeza dependeria do critério de verificação da conveniência entre as ideias que estão na mente humana e a realidade exterior a ela.

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